• Nenhum resultado encontrado

Classificação das isometrias em E 3

No documento Fundamentos de Geometria Euclidiana (páginas 153-161)

Analogamente ao caso das isometrias do plano, o conjunto de todas as isometrias de E3, munido da operação de composição, forma um grupo, e este será denotado por Iso(E3). O objetivo dessa seção é descrever, comple- tamente, todos os elementos do grupo Iso(E3).

Teorema 16.2.1. Existem apenas três tipos de isometrias em E3: transla- ção, rotação em torno de uma reta e reflexão em torno de um plano, além da aplicação identidade ou composição das aplicações anteriores.

Demonstração. Considere uma isometria ϕ ∈ Iso(E3), diferente da aplicação identidade. Assim, existe um ponto A tal que A0 = ϕ(A) 6= A. Denotando por A00= ϕ(A0), temos d(A0, A00) = d(A, A0) > 0. Disso decorre, em particu- lar, que A0 6= A00. Suponha agora que ϕ tenha algum ponto fixo, i.e., existe

um ponto O tal que ϕ(O) = O. Para essa situação, dividiremos a prova em três casos distintos.

Caso 1(a): A, A0 e A00 são pontos distintos e colineares. Neste caso, a reta r, determinada pelos pontos A, A0 e A00, é transformada em si mesma por ϕ. A restrição de ϕ a r é uma isometria, que coincide com a translação do segmento AA0, ou seja, ϕ|r= TAA0 : r → r. Como TAA0 não tem ponto fixo, o ponto O não pertence á reta r. Como d(O, A) = d(O, A0) = d(O, A00), concluimos que os três pontos colineares A, A0 e A00 estão na mesma circun- ferência de centro O, o que é uma contradição. Portanto, este caso não pode ocorrer.

Caso 1(b): Suponha A00 = A. Seja r a reta determinada pelos pontos A e A0, e denote por M o ponto médio do segmento AA0. Observe que, restrita à reta r, ϕ é a reflexão em torno do ponto M . O plano π, plano mediador do segmento AA0, é transformado em si mesmo por ϕ. Assim, a isometria ψ, restrição de ϕ ao plano π, é uma isometria desse plano, que tem M como ponto fixo. Em virtude do Teorema ??, ψ pode ser a aplicação identidade, uma rotação em torno de M ou a reflexão em torno de uma reta s ⊂ π, contendo o ponto M . Supondo que ψ seja a aplicação identidade, considere três pontos não-colineares B, C, D ∈ π. Assim, ϕ coincide com a reflexão Rπ nos quatro pontos não-coplanares A, B, C e D. Pelo Exercício 16.1.3,

concluimos que ϕ = Rπ. Se ψ : π → π é uma rotação de ângulo α em torno

do ponto M , considere um ponto B ∈ π, diferente de M . Assim, ϕ coincide, nos quatro pontos não-coplanares A, M , B e B0, com a composição Rπ◦ ψ.

Finalmente, suponha que ψ seja a reflexão em torno de uma reta s ⊂ π, com M ∈ s. Neste caso, ϕ coincide, nos pontos A, A0 e em todos os pontos de s,

com a rotação de ângulo π em torno de s. Portanto, pelo Exercício 16.1.3, concluimos que ϕ = Rs,π.

Caso 1(c): Os pontos A, A0 e A00 são não-colineares. Seja π o plano deter- minado por tais pontos. Se o ponto fixo O pertence a π então, como

d(O, A) = d(O, A0) = d(O, A00) e d(A, A0) = d(A0, A00),

concluimos que os triângulos OAA0 e OA0A00 têm os respectivos lados con- gruentes, logo

\

AOA0 = \A0OA00= α.

Assim, a isometria ϕ coincide, nos três pontos não- colineares A, A0 e A00, com a rotação de ângulo α em torno da reta ortogonal ao plano π passando por O. Pelo Exercício 16.1.3, segue que ϕ coincide com essa rotação. De fato, se elas não fossem iguais, esta rotação seria a composta de ϕ com uma reflexão, o que é uma contradição. Caso o ponto O não pertença ao plano π, considere a reta r, ortogonal a π, passando por O. Seja P o ponto de interseção de π e r. Os triângulos retângulos OP A e OP A0têm o cateto OP em comum e as hipotenusas OA e OA0 congruentes, logo d(P, A) = d(P, A0). Analogamente tem-se d(P, A0) = d(P, A00). Como d(A, A0) = d(A0, A00), os triângulos P AA0 e P AA00 têm os três respectivos lados congruentes. Assim, \

AP A0 = \A0P A00 = α. Portanto, a isometria ϕ coincide, nos quatro pontos

não-coplanares O, P , A e A0, com a rotação de ângulo α em torno da reta r = OP , logo devemos ter ϕ = Rr,α.

Caso 2: Suponha agora que ϕ não tenha pontos fixos. Dado um ponto O ∈ E3, seja A = ϕ(O). Compondo ϕ com a translação TAO, obtemos a isometria

ψ = TAO◦ϕ que tem O como ponto fixo. Assim, valem todas as possibilidades

para a isometria ψ descritas nos casos 1(a) e 1(b) e, consequentemente, obtemos as possíveis descrições para ϕ.

16.3

Exercícios

1. Prove que toda isometria ϕ : E3 → E3 preserva ortogonalidade de retas

em E3.

2. Seja ϕ : E3 → E3 uma isometria que deixa fixos quatro pontos não-

coplanares. Prove que ϕ é a aplicação identidade.

3. Considere duas isometrias ϕ, ψ : E3 → E3 e suponha que existam quatro

pontos não-coplanares A, B, C, D tais que ϕ(A) = ψ(A), ϕ(B) = ψ(B), ϕ(C) = ψ(C), e ϕ(D) = ψ(D). Prove que ϕ = ψ.

4. Seja ϕ : E3→ E3uma isometria que deixa fixos três pontos não-colineares.

Prove que ϕ é a aplicação identidade ou a reflexão em torno do plano deter- minado por esses três pontos.

5. Considere duas isometrias ϕ, ψ : E3 → E3 que coincidem em três pontos

não-colineares A, B e C. Prove que ϕ = ψ ou ϕ = Rπ0◦ ψ, onde π0 é o plano determinado pelos pontos A0= ϕ(A), B0= ϕ(B) e C0 = ϕ(C).

6. Seja ϕ : E3 → E3uma isometria e suponha que existam pontos A, B ∈ E3

tais que ϕ(A) = B e ϕ(B) = A. Prove que o plano mediador do segmento AB é transformado em si mesmo por ϕ.

7. O plano mediador de um segmento AB é o plano ortogonal a AB passando pelo seu ponto médio. Prove que todo ponto pertencente ao plano mediador de AB é equidistante de A e B. Reciprocamente, prove que o conjunto de todos os pontos que equidistam de A e B é o plano mediador do segmento.

Capítulo 17

Poliedros

17.1

Exemplos e relações fundamentais

Com as poucas propriedades já estabelecidades, podemos construir al- guns poliedros simples. Inicialmente, apresentamos a definição de poliedro. Definição 17.1.1. Um poliedro é uma região do espaço delimitada por um número finito de regiões poligonais planas, chamadas faces do poliedro, tais que:

(a) A interseção de duas faces ou é vazia, ou é um vértice comum às duas, ou é um lado comum às duas;

(b) Cada lado de uma face é lado de exatamente mais outra face.

Exemplo 17.1.2. Dados um polígono A1A2. . . An e um ponto V exterior

ao plano do polígono, traçamos os segmentos V A1, V A2, . . . V An. Cada

dois vértices consecutivos de A1A2. . . An determinam com V um triân-

gulo. Estes triângulos, junto com o polígono A1A2. . . An, delimitam uma

região do espaço, que é a pirâmide de base A1A2. . . An e vértice V . Os

segmentos V A1, V A2, . . . V An são chamados arestas laterais e os triângulos

V A1A2, V A2A3, . . . , V An−1An são as faces laterais da pirâmide (cf. Figura

17.1).

Exemplo 17.1.3. Considere uma pirâmide de base retangular ABCD e vértice V . Considere os planos α e β determinados pelos pontos V, A, C e V, B, D, respectivamente. Os planos α e β são distintos, logo sua interseção é uma reta r que passa por V . As interseções de α e β com o plano da base são as diagonais AC e BD, respectivamente, do quadrilátero ABCD. Seja

V A A A A A1 2 3 4 5

Figura 17.1: Pirâmide de base A1A2. . . An e vértice V .

P o ponto de interseção de AC e BD. Assim, P é um ponto comum aos planos α, β e ABCD, logo pertence à reta r. Portanto, α e β se interceptam segundo a reta que passa por V e pelo ponto de interseção de AC e BD.

V A B C D r P

Figura 17.2: Pirâmide de base retangular ABDC.

Exemplo 17.1.4. Considere três segmentos AB, AD e AE, não coplanares. Por B e D, considere as paralelas a AD e AB, respectivamente, obtendo o paralelogramo ABCD. A seguir, traçamos as paralelas a AE pelos pontos B, C e D. Tomando segmentos congruentes a AE sobre estas retas, no mesmo semi-espaço que E, são obtidos os pontos F , G e H. Trace, então, os segmentos EF , F G, GH e HE, que são coplanares, pois EF e GH são paralelos. O poliedro, assim obtido, chama-se o paralelepípedo de vértices A, B, C, D, E, F, G, H.

Exemplo 17.1.5. Dado um paralelepípedo ABCDEF GH, considere o plano α determinado pelas arestas opostas AE e CG, e o plano β determinado por BF e DH. Considere os pontos O e P , interseção das diagonais das bases

A B C D E F G H

Figura 17.3: Paralelepípedo ABCDEF GH.

(cf. Figura 17.4). Tais pontos pertencem a α e a β; assim, a reta r, determi- nada por O e P , está contida em α e β. Além disso, r é paralela às arestas AE, BF , CG e DH. De fato, AE é paralela a β, já que é paralela à reta BF contida em β. Como AE ⊂ α, AE é paralela à reta r, interseção de α e β. Analogamente para os demais casos.

A B C D E F G H r O P

Figura 17.4: Paralelepípedo ABCDEF GH.

Exemplo 17.1.6. Considere um polígono A1A2. . . Ancontido em um plano

α e escolha um ponto B1 não pertencente a α. Por B1, traçamos o plano

β paralelo a α. Pelos demais vértices A2, . . . , An traçamos retas parale-

las a A1B1, que interceptam β nos pontos B2, . . . , Bn. Escolha dois seg-

mentos consecutivos assim determinados: A1B1 e A2B2, por exemplo. O

quadrilátero A1B1B2A2 é plano, pois os lados A1B1 e A2B2 são parale-

los. Mas isso implica que os outros dois lados também são paralelos, pois estão contidos em planos paralelos. Portanto, o quadrilátero é um paralelo- gramo. Os paralelogramos assim determinados, juntamente com os polígonos A1A2. . . An e B1B2. . . Bn determinam um poliedro, chamado de prisma de

A A A A A A B B B B B B 1 1 2 2 3 4 3 4 5 5 6 6 Figura 17.5

bases A1A2. . . Ane B1B2. . . Bn. As arestas A1B1, A2B2, . . . , AnBnsão cha-

madas de arestas laterais. Todas as arestas laterais são paralelas e congruen- tes; arestas laterais consecutivas formam paralelogramos, que são chamados de faces laterais do prisma. As bases A1A2. . . An e B1B2. . . Bn são con-

gruentes, pois estes polígonos possuem lados respectivamente congruentes e paralelos.

Exemplo 17.1.7. Um prisma reto é o prisma obtido considerando-se, como arestas laterais, retas ortogonais ao plano da base (cf. Figura 17.6). Como consequência, as faces laterais são retângulos. Quando a base é um retângulo, obtemos um paralelepípedo retângulo, no qual cada face é um retângulo. Um caso mais particular é o caso do cubo, no qual cada face é um quadrado.

Figura 17.6: Prisma reto.

Exemplo 17.1.8. Uma pirâmide regular é construída considerando-se um polígono regular A1A2. . . Ancomo base e escolhendo como vértice um ponto

V sobre a reta ortogonal ao plano do polígono passando pelo seu centro O (cf. Figura 17.7). Os triângulos V OA1, V OA2, . . . , V OAn são triângulos

Como consequência, tem-se V A1 ≡ V A2 ≡ . . . ≡ V An, o que faz com que as

faces laterais sejam triângulos isósceles congruentes.

O V A A A A A A 1 2 3 4 5 6

Figura 17.7: Pirâmide regular.

Exemplo 17.1.9. Considere uma pirâmide regular de base ABC e vértice V . Um tetraedro regular é obtido escolhendo o vértice V de modo que as arestas laterais V A, V B e V C sejam congruentes às arestas AB, AC e BC da base (cf. Figura 17.8). As faces da pirâmide assim obtidas são triângulos equiláteros congruentes. Se pelo vértice A considerarmos a reta ortogonal ao plano V BC, que intercepta este plano em P , os triângulos retângulos AP B, AP V e AP C são congruentes, já que suas hipotenusas são congruentes e o cateto AP é comum a todos os três trângulos. Assim, temos P B ≡ P C ≡ P V . Portanto, P é o centro do triângulo equilátero V BC, o que faz com que a pirâmide seja regular independente da base.

V A B M P C O

Figura 17.8: Tetraedro regular.

Dado um poliedro, denotemos por A o número de arestas, F o número de faces e V o número de vértices. Denotemos também por Fn, n ≥ 3, o número de faces que possuem n arestas e por Vn o número de vértices nos

quais concorrem n arestas. Temos, então:

F = F3+ F4+ F5+ . . .

V = V3+ V4+ V5+ . . .

Para determinar A, basta multiplicar o número de triângulos por 3, o número de quadriláteros por 4, o número de pentágonos por 5, e assim por diante. Como cada aresta do poliedro é lado de exatamente duas faces, a soma anterior é igual ao dobro do número de faces, ou seja,

2A = 3F3+ 4F4+ 5F5+ . . . . (17.1)

Analogamente, temos

2A = 3V3+ 4V4+ 5V5+ . . . . (17.2)

Proposição 17.1.10. Em qualquer poliedro, valem as desigualdades 2A ≥ 3F e 2A ≥ 3V .

Demonstração. Da equação (17.1), obtemos: 2A = 3F3+ 4F4+ 5F5+ . . .

= 3(F3+ F4+ F5+ . . .) + F4+ 2F5+ . . .

= 3F + F4+ 2F5+ . . .

≥ 3F.

Além disso, vale a igualdade se, e somente se, o poliedro tiver apenas faces triangulares. A segunda desigualdade pode ser provada de forma inteira- mente análoga.

No documento Fundamentos de Geometria Euclidiana (páginas 153-161)

Documentos relacionados