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Semelhança no círculo

No documento Fundamentos de Geometria Euclidiana (páginas 98-108)

No Capítulo 9 definimos o círculo de centro O e raio r como sendo o conjunto de todos os pontos do plano que estão a uma distância ≤ r do ponto O. Nosso objetivo agora é estabalecer uma relação entre área e semelhança no círculo.

Lema 10.4.1. Quaisquer dois círculos, de mesmo raio, são figuras congru- entes.

Demonstração. Dados dois círculos C(O; r) e C(O0; r), de raios congruentes, considere a reta OO0. Esta reta determina os diâmetros AB e CD nos círculos C(O; r) e C(O0; r), respectivamente, tais que B está entre A e C, e C está entre B e D. Definimos uma aplicação ϕ : C(O; r) → C(O0; r) do seguinte modo. Para cada ponto X no segmento AB, seja X0 = ϕ(X) o ponto no segmento CD tal que CX0 ≡ AX. Em particular, tem-se ϕ(O) = O0. Qualquer outro ponto X ∈ C(O; r), não pertencente ao diâmetro AB, está em um dos semi-planos determinados pela reta OO0. Consideremos, então, o ponto X0 = ϕ(X) ∈ C(O0; r), neste mesmo semi-plano, de modo que O0X0 e OX sejam congruentes e paralelos. Disso decorre, em particular, que OXX0O0 é um paralelogramo. Se Y é outro ponto do círculo C(O; r), não pertencente à reta OX, obtemos o triângulo OXY que, pela definição de ϕ, é congruente ao triângulo O0X0Y0. Tem-se, assim, que X0Y0 ≡ XY . Se Y ∈ C(O; r) está sobre a reta OX então, claramente, tem-se X0Y0 ≡ XY . Portanto, ϕ é uma isometria entre os círculos C(O; r) e C(O0; r), como queríamos.

Proposição 10.4.2. Quaisquer dois círculos são figuras semelhantes e a razão de semelhança é a razão entre seus raios.

Demonstração. Em virtude do Lema 10.4.1, podemos supor que os círculos C(O; a) e C(O0; a0) sejam concêntricos, i.e., têm o mesmo centro O ≡ O0. A

A X Y O B C D X' Y' O'

Figura 10.17: Isometria entre os círculos C(O; r) e C(O0; r).

homotetia ϕ de centro O e razão r = a0/a transforma cada segmento OX, de medida a, no segmento OX0, de medida a0, sobre a mesma reta. Portanto, essa homotetia define uma semelhança entre C(O; a) e C(O; a0).

O X

X'

Figura 10.18

Da fórmula obtida para a área de um retângulo (cf. Proposição 8.2.1), segue que se multiplicarmos a base e a altura de um retângulo pelo mesmo número positivo r, a área desse retângulo fica multiplicada por r2. O teorema seguinte usa este caso particular para provar que essa é uma situação geral. Teorema 10.4.3. A razão entre as áreas de duas figuras semelhantes é o quadrado da razão de semelhança.

Demonstração. Seja ϕ : F → F0 uma semelhança de razão r entre duas figuras geométricas F e F0. Provemos que a área de F0 é igual a r2 vezes a área de F . Se F e F0 são polígonos retangulares, o teorema é verdadeiro. Assim, todo polígono retangular P , contido em F , é transformado por ϕ num polígono retangular P0, contido em F0, tal que a área de P0 é igual a r2vezes a área de P . Reciprocamente, todo polígono retangular Q0, contido em F0, é transformado por ϕ−1 num polígono retangular Q cuja área é 1/r2 vezes a área de Q0, logo a área de Q0 é r2 vezes a área de Q. Assim, a área de F0 é o número real cujas aproximações por falta são r2 vezes as aproximações por falta da área de F . Portanto, tem-se

como queríamos.

Da Proposição 10.4.2 e do Teorema 10.4.3 segue que a área de um círculo de raio r é r2 vezes a área do círculo de raio 1. Denotando, como de costume, com a letra grega π a área do círculo de raio 1, segue que a área A de um círculo de raio r é dada pela fórmula

A = π · r2,

onde o número π é, por definição, a área de um círculo de raio 1.

O teorema seguinte permite-nos caracterizar a área de um círculo como o limite das áreas dos polígonos regulares nele inscritos (ou circunscritos) quando o número de lados cresce indefinidamente.

Teorema 10.4.4. A área do círculo é o número real cujas aproximações por falta são as áreas dos polígonos regulares nele inscritos e cujas aproximações por excesso são as áreas dos polígonos regulares a ele circunscritos.

Demonstração. Denotemos por Pn e Qn os polígonos regulares de n lados,

respectivamente inscrito no, e circunscrito ao, círculo C(O; r). Temos que Área(Pn) < πr2< Área(Qn).

Provemos que, tomando n suficientemente grande, as áreas de Pne Qnpodem tornar-se tão próximas de πr2 quanto se queira. Ou seja, dados α > 0 e β > 0, com α < πr2 < β, provaremos que existe n ∈ N tal que

α < Área(Pn) < πr2< Área(Qn) < β.

De fato, observe que o raio r é a hipotenusa de um triângulo retângulo, cujos catetos medem ln/2 e an, onde lndenota a medida do lado de Pne andenota

o apótema de Pn. Assim,

r < an+ ln/2.

Dado um número real α > 0, com α < πr2, seja s =pα/π. Então, α = πs2 e s < r. Assim, o círculo C(O; s) tem área α e está contido em C(O; r). Tomemos n suficientemente grande tal que ln/2 < r − s. Assim,

r < an+ ln/2 < an+ r − s,

donde an > s. De s < an resulta que o círculo C(O; s) está contido no

polígono Pn e, portanto,

O

an

ln

r

Figura 10.19: Polígono regular Pn inscrito na circunferência C(O; r).

Isto completa a prova de que as áreas dos polígonos regulares inscritos em C(O; r) são aproximações por falta da área de C(O; r). Analogamente se prova para as áreas dos polígonos regulares circunscritos Qn. Para maiores

detalhes, cf. Teorema 3.7 de [13].

A fim de estabelecer uma fórmula para o comprimento da circunferência, denotaremos por ∂Pn(respectivamente ∂Qn) o perímetro do polígono regular de n lados, inscrito (respectivamente circunscrito) na circunferência C(O; r). Definição 10.4.5. O comprimento da circunferência C(O; r) é o número real ∂C cujas aproximações por falta são os perímetros ∂Pne cujas aproximações

por excesso são os perímetros ∂Qn.

Em virtude da Definição 10.4.5, tem-se ∂Pn< ∂C < ∂Qn,

para todo natural n ≥ 3.

Teorema 10.4.6. O comprimento da circunferência C(O; r) é igual a 2πr. Demonstração. Provemos inicialmente que ∂C não pode ser menor do que 2πr. De fato, se fosse ∂C < 2πr, teríamos (∂C/2) · r < πr2. Pelo Teo- rema 10.4.4, podemos obter um polígono regular Pn, de n lados, inscrito em

C(O; r) tal que (∂C/2) · r < Área(Pn). A área do polígono Pn é a soma das

áreas dos triângulos que o compõem, os quais têm o centro O como vértice e os lados de Pn como base (cf. Figura 10.19). Assim, essa área é igual a ∂Pn· an/2, onde an é o apótema de Pn (altura dos triângulos). Assim,

∂C · r 2 <

∂Pn· an

e daí, ∂C < ∂Pn(an/r). Como an/r < 1, concluimos que ∂C < ∂Pn, o que

é uma contradição. Portanto, não se pode ter ∂C < 2πr. Analogamente, usando polígonos regulares circunscritos, concluiremos que não se pode ter ∂C > 2πr.

Observação 10.4.7. O número π, definido inicialmente como a área de um círculo de raio 1, satisfaz também a igualdade π = ∂C/2r, ou seja, é a razão entre o comprimento de uma circunferência e seu diâmetro. O primeiro a designar a razão ∂C/2r por π foi W. Jones (1675 – 1749) sendo que este só passou a símbolo standard após sua utilização por Euler. E foi só em 1767 que J. H. Lambert (1728 – 1777) demonstrou que π não é racional.

10.5

Exercícios

1. Dado uma circunferência C(O; r), ao conjunto dos pontos P tais que OP < r chamamos de interior da circunferência; ao conjunto dos pontos P tais que OP > r chamamos de exterior da circunferência. Prove que o segmento de reta, ligando um ponto do interior com um ponto do exterior da circunferência, intercepta a circunferência num único ponto.

2. Dado uma circunferência C(O; r), prove que a distância entre quaisquer dois pontos do interior da circunferência é menor do que 2r.

3. Considere duas circunferências de raio r que não se interceptam. Prove que a medida do segmento ligando seus centros é maior do que 2r.

4. Duas circunferências C(O; r) e C(O0; r0) se interceptam em dois pontos. O que podemos afirmar sobre a medida do segmento OO0?

5. Considere dois pontos A e B de uma circunferência C(O; r). O que podemos afirmar sobre o triângulo OAB?

6. Dizemos que duas circunferências são tangentes se são tangentes a uma mesma reta em um mesmo ponto; este ponto é chamado de ponto de tangên- cia. Prove que, quando duas circunferências são tangentes, os dois centros e o ponto de tangência são colineares.

7. Prove que a mediatriz de uma corda passa pelo centro da circunferência. 8. Em um triângulo equilátero, prove que as circunferências inscrita e cir- cunscrita têm o mesmo centro.

9. Em uma circunferência, são traçadas duas cordas paralelas à partir das extremidades de um diâmetro. Prove que as duas cordas são congruentes.

10. Na Figura 10.20, P R é tangente à circunferência no ponto P e P Q ≡ OP . Prove que OQ ≡ QR. O P Q R Figura 10.20

11. Na Figura 10.21, tem-se AC ≡ BD. Prove que AB ≡ CD e que AD é paralelo a BC. A B C D Figura 10.21

12. Prove que todo paralelogramo inscrito numa circunferência é retângulo. 13. Na Figura 10.22, P é um ponto pertencente ao exterior da circunferência. Prove que AP · P B = CP · P D. A B C D P Figura 10.22

14. Considere um ponto P que tenha mesma potência em relação a duas circunferências C(O1; r1) e C(O2; r2), ou seja, O1P

2 − r2 1 = O2P 2 − r2 2.

Prove que o conjunto dos pontos que possuem mesma potência que P em relação às duas cinrcunferências é a reta que passa por P e é perpendicular a O1O2. Analise este problema para o caso de três circunferências (cf. [16]).

15. Sejam P T e P U duas tangentes, contendo P , à duas circunferências concêntricas, com P pertencente à circunferência menor. Se P T intercepta a circunferência maior num ponto Q, prove que P T2− P U2 = QT2.

16. Na Figura 10.23, as retas são tangentes comuns às duas circunferên- cias. Prove que m e n se interceptam na reta que passa pelo centro das circunferências. Além disso, se os raios das circunferências são diferentes, prove que as retas r e s também se interceptam na reta dos centros.

m

n r

s

Figura 10.23

17. Dado um triângulo retângulo ABC, constrói-se um semicírculo sobre cada um de seus lados, tendo os lados como diâmetros. Prove que a soma das áreas dos semicírculos, situados sobre os catetos, é igual a área do semi- círculo situado sobre a hipotenusa. Prove que, se ao invés de construirmos semicírculos, construirmos triângulos equiláteros, obtemos o mesmo resul- tado. O resultado continua válido se construirmos polígonos regulares? 18 (Lúnulas de Hipócrates). Uma lúnula é uma figura geométrica limita- da por dois arcos de circunferência de raios distintos. Dado um triângulo retângulo ABC, com ângulo reto em C, sejam O, P , Q os pontos médios dos lados AB, BC e AC, respectivamente. Com centro em O, traça-se um semicírculo de raioOA. Com centro em P , traça-se um semicírculo de raio P B, e com centro em Q traça-se um semicírculo de raio AQ. Essa construção delimita duas lúnulas, L1 e L2, como na Figura 10.24. Prove que a soma das

áreas das lúnulas é igual a área do triângulo ABC.

19. A região limitada por dois raios e um arco de uma circunferência é chamada de setor circular. Prove que a área de um setor circular é 12rs, onde r é o raio da circunferência e s é a medida do arco.

20 (Teorema da borboleta). Dado uma circunferência C(O; r), considere uma corda P Q de C(O; r) e seja M o ponto médio de P Q. Considere também

A B C O Q P L L 1 2 Figura 10.24

duas cordas AB e CD de C(O; r) passando por M . Se AD e BC interceptam P Q em X e Y , respectivamente, prove que M é também ponto médio do segmento XY . M A B C D P Q X Y

Capítulo 11

Isometrias do plano

O principal objetivo deste capítulo é o de classificar as isometrias do plano e estudar algumas de suas propriedades.

11.1

Introdução

Neste capítulo admitiremos que foi fixada uma unidade de medida no plano, aquela dada pelo Axioma 7, e denotaremos, como de costume, por AB a distância do ponto A ao ponto B no plano, ou seja, a medida do segmento AB.

Definição 11.1.1. Uma isometria do plano é uma aplicação ϕ que preserva distâncias, ou seja, para quaisquer pontos X, Y do plano, tem-se

X0Y0= XY ,

onde X0 = ϕ(X) e Y0 = ϕ(Y ).

Toda isometria ϕ é injetora pois, se X 6= Y então X0Y0 = XY > 0, logo X0 6= Y0. Veremos a seguir que uma isometria é também sobrejetora.

Analogamente ao caso de semelhanças (cf. Lema 9.1.6), temos a seguinte Proposição 11.1.2. Toda isometria ϕ transforma retas em retas.

Demonstração. De fato, dado uma reta r, considere dois pontos distintos A, B ∈ r e denotemos por r0 a reta que passa por A0 e B0. Dado qualquer ponto X ∈ r, um dos três pontos A, B, X está entre os outros dois. Suponha que X esteja entre A e B, i.e., X ∈ AB. Os demais casos são tratados analogamente. Assim, AB = AX + XB e, portanto,

ou seja, X0 pertence ao segmento A0B0. Assim, os pontos A0, B0, X0 são colineares. Isso prova que a restrição de ϕ a r é uma isometria entre r e r0. Como toda isometria entre retas é sobrejetora (cf. Observação 9.1.2), tem-se ϕ(r) = r0.

Proposição 11.1.3. Toda isometria ϕ transforma retas perpendiculares em retas perpendiculares.

Demonstração. Sejam r, s duas retas perpendiculares, que se interceptam num ponto O. Considere dois pontos A, B em r, equidistantes de O, e um ponto C sobre s, distinto de O. A isometria ϕ transforma a mediana OC do triângulo isósceles ABC na mediana O0C0 do triângulos isósceles A0B0C0, logo O0C0 é perpendicular a A0B0, ou seja, r0 é perpendicular a s0.

s r C A O B A' O' r' s' C' B' j Figura 11.1

Proposição 11.1.4. Toda isometria ϕ é uma bijeção, cuja inversa ϕ−1 é ainda uma isometria.

Demonstração. Já vimos que ϕ é injetora. Para provar a sobrejetividade, considere um ponto arbitrário X0 e tracemos uma reta qualquer r. A imagem de r por ϕ é uma reta r0. Se X0 ∈ r0 então, por definição de imagem, existe um ponto X ∈ r tal que ϕ(X) = X0. Caso contrário, seja s0 a reta perpendicular baixada de X0 sobre r0 (cf. Figura 11.2). Denotemos por Y0 a interseção de r0 e s0. Como Y0∈ r0, existe Y ∈ r tal que ϕ(Y ) = Y0. Seja s a reta perpendicular a r passando por Y . A imagem de s por ϕ é a reta perpendicular a r0 e contém Y0, logo ϕ(s) = s0. Como X0 ∈ s0, existe X ∈ s

tal que ϕ(X) = X0.

Segue diretamente da definição que se ϕ e ψ são isometrias então a com- posta ϕ ◦ ψ é também uma isometria. Assim, como a aplicação identidade

s X Y r s X Y r ' ' ' ' j Figura 11.2

é isometria, o conjunto de todas as isometrias, munido da operação de com- posição, forma um grupo.

Proposição 11.1.5. Se uma isometria ϕ possui três pontos fixos não coli- neares então ϕ é a identidade.

Demonstração. Sejam A, B, C pontos não colineares tais que ϕ(A) = A, ϕ(B) = B e ϕ(C) = C. Considere as retas AB e AC. A imagem da reta AB por ϕ é a reta que passa pelos pontos ϕ(A) e ϕ(B), logo ϕ(AB) = AB. Assim, a restrição de ϕ à reta AB é uma isometria da reta AB, com dois pontos fixos distintos, A e B. Afirmamos que ϕ(X) = X, para todo X ∈ AB. De fato, suponha que exista um ponto X ∈ AB tal que X0 = ϕ(X) 6= X. Como ϕ é isometria, tem-seX0A = XA, logo A é ponto médio do segmento

XX0. Analogamente, como X0B = XB, segue que B também é ponto médio de XX0. Da unicidade do ponto médio, segue que A ≡ B, o que é uma contradição. Analogamente se prova que ϕ(Y ) = Y , para todo Y ∈ AC. Seja agora Z um ponto qualquer do plano, e por ele traçamos uma reta r que intercepta AB e AC respectivamente nos pontos X e Y . Como ϕ(X) = X e ϕ(Y ) = Y , concluimos que ϕ deixa fixos todos os pontos da reta r. Em particular, ϕ(Z) = Z. Como Z foi escolhido de forma arbitrária, resulta que ϕ é a aplicação identidade.

Corolário 11.1.6. Sejam ϕ, ψ isometrias e A, B, C três pontos não coline- ares tais que ϕ(A) = ψ(A), ϕ(B) = ψ(B) e ϕ(C) = ψ(C). Então ϕ = ψ. Demonstração. A isometria φ = ϕ−1◦ ψ deixa fixos os pontos A, B e C. Assim, pela Proposição 11.1.5, φ é a aplicação identidade, logo ϕ = ψ.

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