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O Teorema de Euler para poliedros convexos

No documento Fundamentos de Geometria Euclidiana (páginas 161-168)

Nesta seção apresentaremos o belíssimo teorema de Euler acerca dos po- liedros convexos. Comecemos, então, por definí-los.

Definição 17.2.1. Dizemos que um poliedro é convexo se qualquer reta não paralela a nenhuma de suas faces o intercepta em, no máximo, dois pontos. Teorema 17.2.2 (Euler). Em qualquer poliedro convexo, com A arestas, V vértices e F faces, vale a relação

Figura 17.9: Um poliedro convexo e um não convexo.

Demonstração. Denotando por P o poliedro dado, enumeremos suas faces de 1 a F , e denotemos por nk o gênero da k-ésima face, com 1 ≤ k ≤ F . A soma dos ângulos internos de um polígono convexo de gênero n é (n − 2)π. Como o poliedro é convexo, todas as suas faces são convexas, e a soma dos ângulos internos de suas faces é

S = (n1− 2)π + (n2− 2)π + . . . + (nF − 2)π,

ou seja,

S = π ((n1+ n2+ . . . + nF) − 2(1 + 1 + . . . + 1)) .

Assim, podemos escrever

S = π(2A − 2F ) = 2π(A − F ). (17.4) Considere agora uma reta r que não seja paralela a nenhuma das faces de P , e um plano H que não o intercepta e seja ortogonal a r. H divide o espaço em dois semi-espaços, um dos quais contém o poliedro. Denotemos por P0 a projeção ortogonal do poliedro P sobre H. Como P é convexo, cada ponto de P0 é projeção de um ou dois pontos de P . Além disso, P0 tem como fronteira um polígono convexo K0, projeção de uma poligonal fechada K formada por arestas de P . Cada ponto de K0 é projeção de um único ponto de P , e cada ponto interior de P0 é projeção de dois pontos de P . Dados dois pontos de P , que têm a mesma projeção, ao mais distante de H chamamos de ponto iluminado e ao mais próximo ponto sombrio. Denotemos por V1 o número de vértices iluminados, V2 o número de vértices sombrios e V0 o número de

vértices de K. Assim, V = V0+ V1+ V2. A projeção das faces iluminadas é

um polígono convexo com V0 vértices em seu contorno e V1 pontos interios, projeção dos vértices iluminados de P . A soma de todos os ângulos desta projeção é

K P

H

Figura 17.10: Projeção P0 do poliedro P sobre H.

De forma análoga obtemos que a soma dos ângulos da sombra das faces sombrias é S2 = (V0− 2)π + 2πV2. (17.6) Somando (17.5) e (17.6), obtemos: S = S1+ S2 = 2π(V1+ V2+ V0− 2) = 2π(V − 2). (17.7) Comparando (17.4) e (17.7), obtemos V − A + F = 2, como queríamos.

Observação 17.2.3. Há muito tempo se conhecem exemplos de poliedros para os quais V − A + F 6= 0. A Figura 17.11 exibe um poliedro no qual se tem V − A + F = 16 − 32 + 16 = 0. Por outro lado, é fácil encontrar exemplos de poliedros não convexos que satisfazem a relação (17.3). Por exemplo, o poliedro não convexo da Figura 17.9 satisfaz (17.3). Mais geralmente, se um poliedro P não convexo puder ser colocado em uma posição de modo que sua projeção seja um polígono onde cada um de seus pontos seja projeção de no máximo dois pontos de P , a prova que apresentamos continua válida e a relação (17.3) se verifica.

Figura 17.11: Poliedro no qual V − A + F = 0.

Exemplo 17.2.4. Considere a bola de futebol da Copa de 70, formada por 12 faces pentagonais e 20 faces hexagonais, todas regulares. Determinemos o número de vértices da bola. Temos

F5 = 12 e F6= 20.

Assim, F = F5+ F6= 32. O número de arestas é dado pela relação

2A = 5F5+ 6F6= 5 · 12 + 6 · 20 = 180,

logo A = 90. Como a bola é convexa, segue do Teorema 17.2.2 que o número de vértices V é dado por V = 2 + A − F = 60.

Exemplo 17.2.5. Quais são as possibilidades para um poliedro convexo que possui 13 faces e 20 arestas? Para responder a esta questão, consideremos a relação

2A = 3F + F4+ 2F5+ . . . .

Como A = 20 e F = 13, temos

1 = F4+ 2F5+ . . . ,

o que só é possível se F4 = 1 e F5 = F6 = . . . = 0. Assim, o poliedro deve

possuir uma única face quadrangular e todas as outras 12 faces triangulares. Definição 17.2.6. Um poliedro convexo é chamado regular quando todas as faces são polígonos regulares congruentes e em todos os vértices concorrem o mesmo número de arestas.

Como consequência do Teorema 17.2.2, obtemos o seguinte Teorema 17.2.7 (Platão). Existem apenas cinco poliedros regulares. Demonstração. Denotemos por n o número de arestas de cada face e por p o número de arestas que concorrem em cada vértice. Temos, então:

ou seja,

A = nF

2 e V = nF

p . Substituindo estes valores na relação (17.3), obtemos:

nF p −

nF

2 + F = 2. Isolando F na relação acima, obtemos

F = 4p 2p + 2n − np.

Como F representa o número de faces do poliedro, devemos ter 2p+2n−np > 0, ou seja,

2n n − 2 > p.

Como p ≥ 3, devemos ter n−22n > 3, ou seja, n < 6. Esgotando todas as possibilidades para n, com 3 ≤ n < 6, obtemos os poliedros desejados. Mais precisamente, se n = 3, temos

F = 4p 6 − p.

Assim, para p = 3, obtemos o tetraedro (F = 4); se p = 4, obtemos o octaedro (F = 8); se p = 5, obtemos o icosaedro (F = 20). Se n = 4, obtemos

F = 4p 8 − 2p.

Assim, para p = 3, obtemos o cubo (F = 6). Finalmente, se n = 5, obtemos F = 4p

10 − 3p. Assim, para p = 3, obtemos o dodecaedro (F = 12).

17.3

Exercícios

1. Considere um conjunto de, pelo menos, três retas distintas. Mostre que, se duas quaisquer destas retas são concorrentes, então elas estão todas num mesmo plano ou passam todas pelo mesmo ponto.

2. Duas retas r e s são concorrentes em um ponto A. Fora do plano deter- minado por r e s, considere um ponto P qualquer. Determine a interseção do plano determinado por r e P com o plano determinado por s e P . 3. Prove que a noção de paralelismo de retas no espaço satisfaz a propriedade de transitividade.

4. Sejam r, s e r0, s0 dois pares de retas concorrentes tais que r e r0 são paralelas entre si e, s e s0 também são paralelas entre si. Prove que o ângulo formado por r e s é igual ao ângulo formado por r0 e s0.

5. Sejam A, B, C e D pontos quaisquer do espaço. Sejam M , N , P e Q os pontos médios de AB, BC, CD e DA, respectivamente. Mostre que M N P Q é um paralelogramo.

6. Mostre que os três segmentos que unem os pontos médios das arestas opostas de um tetraedro qualquer ABCD se encontram em um mesmo ponto. 7. Um poliedro convexo de 20 arestas e 10 vértices só possui faces triangu- lares e quadrangulares. Determine os números de faces de cada gênero. 8. Diagonal de um poliedro é qualquer segmento que une dois vértices que não estão na mesma face. Quantas diagonais possui um icosaedro regular? 9. Prove que, para todo poliedro convexo, valem as seguintes desigualdades:

(a) A + 6 ≤ 3F (b) A + 6 ≤ 3V

10. Prove que se um poliedro convexo tem 10 arestas então ele tem 6 faces. 11. Descreva todos os poliedros que possuem 10 arestas.

12. Um poliedro convexo P possui A arestas, V vértices e F faces. Com bases em cada uma das faces constroem-se pirâmides com vértices exteriores a P . Fica formado então um poliedro P0 que só possui faces triângulares. Determine os números de arestas, faces e vértices de P0.

13. Prove que em qualquer poliedro convexo, o número de faces que têm um número ímpar de arestas é par.

14. Calcule o número de vértices de um poliedro convexo que tem 16 faces triangulares.

Capítulo 18

O terceiro problema de Hilbert

No documento Fundamentos de Geometria Euclidiana (páginas 161-168)

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