• Nenhum resultado encontrado

4. DO CRIME MILITAR

4.2 CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES MILITARES

A classificação dos crimes militares é um assunto que há muito ocupa a doutrina e gera ricos debates. Assim como a definição de crime militar, não é possível encontrar, no ordenamento jurídico, critérios consensuais para estabelecer essa classificação. O tema, contudo, possui relevância não apenas doutrinária, mas também prática, como veremos, em virtude do tratamento diferenciado que alguns dispositivos legais conferem ao crime propriamente militar.

Alguns doutrinadores, a fim de promover a classificação dos crimes militares, regressam à Roma, como é caso de Crysólito de Gusmão, para quem a definição de crimes própria e impropriamente militares baseada no direito romano é a mais aceitável, existindo poucas diferenças em relação às hodiernas definições105.

Em que pese tal definição tenha por base o direito romano, não se pode dizer que essa distinção entre crime própria e impropriamente militar esteja ultrapassada na doutrina pátria, sendo ainda hoje utilizada por importantes autores, a exemplo de Célio Lobão, para quem:

103 BRASIL. Decreto Lei n. 1.001 de 21 de outubro de 1969. Disponível em <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1001.htm>. Acesso em: 4 jul 2018.

104 Idem, Ibidem.

105GUSMÃO, Crysólito de Apud LOBÃO, Célio. Direito penal militar. 3. ed. Brasília: Brasília Jurídica,

Crime propriamente militar, como acentua Esmeraldino Bandeira, recebeu definição precisa no direito romano e consistia naquele “que só o soldado pode cometer”, porque “dizia particularmente respeito à vida militar, considerada no conjunto da qualidade funcional do agente, da materialidade especial da infração e da natureza peculiar do objeto danificado, que deveria ser – o serviço, a disciplina, a administração ou a economia militar”, é o que deflui do Digesto, Liv. XLIX, Título XVI, L. 2: “De remilitare. (…) Propriummilitare est delictum quod quis uti admitti.”106

Já crime impropriamente militar, para Lobão, é a infração prevista no Código Penal Militar, não específica do soldado, que lesiona bens ou interesses relacionados com a destinação constitucional e legal das instituições militares. Aponta, ainda, o autor que é possível distinguir três espécies de crimes impropriamente militar: os previstos apenas no diploma repressivo castrense; os definidos de maneira diversa na lei penal; e os com igual definição no Código Penal Militar e no Código Penal107.

Conforme Coimbra Neves e Marcelo Streinfinger, essa distinção baseada no Direito Romano é chamada de “teoria clássica”, apontando ainda os autores a existência de outras, a saber: “teoria topográfica”, “teoria processual” e uma “classificação tricotômica”108.

Segundo a “teoria topográfica”, os crimes propriamente militares são aqueles definidos no inciso I, do art. 9º, do Código Penal Militar, ou seja, os definidos de modo diverso na lei penal ou nela não previstos. Já os crimes impropriamente militares seriam os que se amoldam ao inciso II do supracitado artigo, ou seja, os que também encontram previsão na lei penal comum. Necessário destacar que essa proposta de classificação é anterior à Lei 13.491/17, assim como todas abordadas neste tópico.

A “teoria processual”, adotada por Jorge Alberto Romeiro, vale-se do critério processual para definir crime propriamente militar, que seria aquele “cuja ação penal somente pode ser proposta contra militar 109 ”. A contrário senso, crime

impropriamente militar seria aquele cuja ação procede-se também contra civil.

106 LOBÃO, Célio. Direito penal militar. 3. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. p. 80. 107 Idem, p. 98.

108 NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREINFINGER, Marcelo. Manual de Direito Penal Militar 2.

ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 92 e seguintes.

109 ROMEIRO, Jorge Alberto. Apud ROSSETO, Enio Luiz. Código Penal Militar Comentado. 2. ed.

Por sua vez, Ione de Souza Cruz e Claudio Amin Miguel propõem uma classificação que divide os crimes militares em três categorias: crime propriamente militar; crime tipicamente militar e; crime impropriamente militar110.

Nesse sentido, crime propriamente militar é o que apenas pode ser cometido pelo militar, a exemplo da deserção (art. 187, CPM)111. Crime tipicamente militar é o

que apenas encontra previsão no Código Penal Militar, independentemente de quem seja o autor, civil ou militar. Como exemplos, podem-se apontar a insubmissão (art. 183, CPM)112, que é praticada por civil, o abandono de posto (art. 195, CPM)113, que

somente é praticada pelo militar e o ingresso clandestino (art. 302, CPM)114, que

pode ser cometido por civil ou militar. Por fim, crime impropriamente militar é o que encontra previsão, tanto no Código Penal, quanto no Código Penal Militar. Destaque- se, uma vez mais, que esse critério de classificação precede à Lei 13.491/17.

Como é possível notar, a partir da teoria acima exposta, é possível que um crime, simultaneamente, se encaixe em dois critérios classificatórios, a exemplo da deserção, que é um crime propriamente militar, pois só pode ser cometido por militar, e tipicamente militar, porque apenas possui previsão no Código Penal Militar.

Importante destacar que, embora as teorias acima expostas sejam as mais utilizadas hodiernamente, outras de grande valor existem, seja na doutrina pátria, seja na estrangeira.

Clóvis Beviláqua, por exemplo, dividia os crimes militares em três categorias. Na primeira, estariam os crimes essencialmente militares, que ofenderiam as instituições militares em suas condições de vida e meios de ação, como a deserção e a insubordinação. Na segunda, os crimes militares por compreensão normal da função militar, que são delitos civis em essência, mas que assumem feição militar quando praticados por militar no exercício da função. Na terceira, os crimes acidentalmente militares, que são os cometidos por civil em tempo de guerra.115

Para Carlos Colombo, professor de Direito Penal da Universidade de Buenos Aires, o ordenamento jurídico-penal tutela três tipos de bens: os de entidade

110 CRUZ, Ione de Souza; MIGUEL, Claudio Amin. Elementos de Direito Penal Militar: parte geral.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 23 e 24.

111 BRASIL. Decreto Lei n. 1.001 de 21 de outubro de 1969. Disponível em <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1001.htm>. Acesso em: 4 jul 2018.

112 Idem, Ibidem. 113 Idem, Ibidem. 114 Idem, Ibidem.

115 BEVILAQUA, Clóvis Apud ROSSETO, Enio Luiz. Código Penal Militar Comentado. 2. ed. São

exclusivamente militar; os de entidade militar e comum e; os de entidade exclusivamente comum. Para o professor, o fundamento do crime essencialmente militar não está na condição do agente, civil ou militar, mas sim no interesse militar. Dessa forma, crime essencialmente militar é todo “acto que lesiona um bien o um interés directamente vinculado a la existencia de las instituiciones armadas o a su disciplina, o a sus fines y medios de realización, conminado com una sançión por la ley o los regulamentos116”.