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Classificação dos Estudos sobre os Determinantes do Crime

3. ECONOMIA DO CRIME

3.1. ESTUDOS SOBRE A OFERTA DE CRIMES

3.1.3. Classificação dos Estudos sobre os Determinantes do Crime

Conforme apresentado na seção anterior, vários estudos se propõem investigar os determinantes do crime. Esses estudos podem ser classificados de acordo com a hipótese adotada e, conseqüentemente, as variáveis estudadas. CERQUEIRA & LOBÃO (2003a) identificam dois ramos nos estudos sobre o crime: a) estudos pautados nas motivações pessoais e b) estudos que consideram a cultura e a estrutura social como determinantes do comportamento criminoso. Esses autores classificam os estudos sobre a criminalidade em oito grupos, cada um representando uma matriz para a composição de um quadro mais geral. Esses grupos são apresentados resumidamente no Quadro 3.1.

QUADRO 3.1 – RESUMO DAS VÁRIAS ABORDAGENS TEÓRICAS SOBRE AS CAUSAS DO CRIME

TEORIA ABORDAGEM VARIÁVEIS

Desorganização social

Abordagem sistêmica em torno das comunidades, entendida como um complexo sistema de rede de associações formais e informais.

Status socioeconômico; heterogeneidade étnica; mobilidade residencial; desagregação familiar; urbanização; redes de amizades locais; grupos de adolescentes sem supervisão; participação institucional; desemprego; existência de mais de um morador por cômodo.

Aprendizado social

(associação diferencial)

Os indivíduos determinam seus comportamentos a partir de suas experiências pessoais com relação a situações de conflito, por meio de interações pessoais e com base no processo de comunicação.

Grau de supervisão familiar; intensidade de coesão nos grupos de amizade; existência de amigos com problemas com a polícia; percepção dos jovens sobre outros envolvidos em problemas de delinqüência; jovens morando com os pais; contato com técnicas criminosas.

Escolha racional

O indivíduo decide sua participação em atividades criminosas a partir da avaliação racional entre ganhos e perdas esperadas advindos das atividades ilícitas vis-à-vis o ganho alternativo no mercado legal.

Salários; renda familiar per capita; desigualdade de renda; acesso a programas de bem-estar social; eficiência da polícia; adensamento populacional; magnitude das punições; inércia criminal; aprendizado social; educação.

Controle social

O que leva o indivíduo não enveredar pelo caminho da criminalidade? A crença e a percepção dos mesmos em concordância com o contrato social (acordos e valores vigentes), ou o elo com a sociedade.

Envolvimento do cidadão no sistema social; concordância com os valores e normas vigentes; ligação filial; amigos delinqüentes; crenças desviantes.

Autocontrole

O não envolvimento de mecanismos psicológicos de autocontrole na fase que segue dos dois anos à pré-adolescência, que geram distorções no processo de socialização, pela falta de imposição de limites.

Freqüentemente eu ajo ao sabor do momento sem medir as conseqüências; eu raramente deixo passar uma oportunidade de gozar um bom momento.

Anomia

Impossibilidade de o indivíduo atingir metas desejadas por ele. Três enfoques: a) diferenças de aspirações individuais e os meios disponíveis; b) oportunidades bloqueadas; e c) privação relativa.

Participa de redes de conexão? Existem focos de tensão social? Eventos de vida negativos; sofrimento cotidiano; relacionamento negativo com adultos; brigas familiares; desavença com vizinhos; tensão no trabalho.

Processo interacional dinâmico com dois ingredientes: a) perspectivas evolucionárias, cuja carreira criminal inicia-se aos 12-13 anos,

Em relação ao modelo desenvolvido por BECKER (1968), é possível constatar que ele se enquadra nos estudos de escolha racional. OLIVEIRA (2005) ressalta a contribuição metodológica sugerida por BECKER (1968), mas considera o modelo incompleto por não incorporar aspectos como: histórico de vida do indivíduo, o ambiente onde ele vive e as demais interações, entre outros. Segundo MENDONÇA; LOUREIRO; SACHSIDA (2003a e 2003b), o modelo não contempla a complexidade do problema por estar fundamentado apenas no ótimo financista e não captar os efeitos das interações sociais. Assim surgem novos paradigmas para preencher as lacunas deixadas no modelo de BECKER (1968). Esses novos paradigmas estão, em geral, associados aos modelos ecológicos.

Parece equivocada a idéia de que de que os modelos de escolha racional são incompletos ou fundamentados apenas em variáveis econômicas. Nesse sentido, o próprio BECKER (1968) introduz uma variável (µi) para captar o efeito das demais variáveis não explicitadas no modelo teórico. Adicionalmente, pode-se argumentar que os modelos de escolha racional não apresentam premissas restritivas à inclusão de variáveis não econômicas. As premissas implícitas nesses modelos dizem respeito apenas ao comportamento otimizador dos indivíduos. Tal comportamento também está presente em diversos modelos ecológicos. CERQUEIRA & LOBÃO (2003b), por exemplo, apresentam um modelo ecológico capaz de captar os efeitos das interações sociais sobre o comportamento do criminoso. Para tanto, esses autores partem de uma função de produção de crimes, em que a tecnologia sofre externalidades oriundas da ação policial e do ambiente regional onde o crime ocorre. Nesse caso, o criminoso age de modo a maximizar seu lucro [CERQUEIRA & LOBÃO (2003b)]. Para captar os efeitos das desigualdades sociais sobre o crime, MENDONÇA; LOUREIRO; SACHSIDA (2003a) incorporam a diferença entre o nível de consumo idealizado pelo indivíduo (medido pela renda capaz de proporcioná-lo) e o nível de consumo efetivo (medido pela renda real do indivíduo) na sua função de utilidade. O nível de crime deve ser tal que maximize essa função.

A classificação apresentada no Quadro 3.1 representa uma boa ferramenta do ponto de vista didático. A partir desse quadro, é possível ter uma visão geral dos estudos sobre crime. No entanto, deve-se considerar que os modelos de escolha racional também são capazes de captar a totalidade das variáveis. Essa afirmação é corroborada por

DAVIS (1988) e CARRERA-FERNANDEZ & PEREIRA (2000) ao dividir os modelos econômicos (escolha racional) em quatro grupos44:

i) Modelos de alocação de tempo. Nestes modelos, o indivíduo escolhe o quanto de tempo irá alocar entre o setor legal e o setor ilegal baseado nos retornos esperados de cada setor. É avaliado o risco de ser capturado e a severidade das punições. ii) Modelos de portfólio. Enfatiza-se o fato de o crime ser uma atividade arriscada. O

indivíduo decide o quanto ira investir em cada setor baseado nas oportunidades econômicas. O exemplo clássico desse tipo de situação é o de um pai divorciado decidindo o quanto sonegar de pensão para os filhos [BERON apud CARRERA- FERNANDEZ & PEREIRA (2000)].

iii) Modelos comportamentais (ou de interações sociais). É admitido que haja um efeito multiplicador (ou inibidor) do crime a partir da transmissão de informações via interações sociais.

iv) Modelos de Migração. Neste caso, o indivíduo deve escolher entre migrar ou não para o crime baseado no comparativo de ganhos e no custo de migração.

Portanto os modelos ecológicos só poderiam ser considerados rivais aos modelos de escolha racional se questionassem a racionalidade do indivíduo, não partindo do comportamento otimizador dos indivíduos para explicar os determinantes do crime. Do contrário, deveriam ser classificados como modelos de escolha racional45.