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3. ECONOMIA DO CRIME

3.1. ESTUDOS SOBRE A OFERTA DE CRIMES

3.1.1. Modelo Teórico para a Economia do Crime

O uso de modelos econômicos para o estudo do crime tem sua origem em BECKER (1968). O autor apresenta um modelo teórico para determinar a quantidade ótima de esforço para o combate ao crime por parte do governo. A atividade legal é tomada como uma importante atividade econômica ou industrial. O comportamento dos agentes (criminoso e governo) é tratado como uma extensão da análise econômica usual da Teoria Econômica, baseado no princípio de otimização [BECKER (1968)].

BECKER (1968) alicerça seu modelo em cinco relações, a saber: i) O número de crimes cometidos (ofensas) e o custo de execução;

ii) O número de crimes cometidos (ou o tipo de crimes cometidos) e a punição adotada;

iii) O número de crimes, prisões e condenações e os gastos públicos necessários para conter a criminalidade, principalmente gastos em polícia;

iv) O número de condenações e o custo de aprisionamento e outras punições; v) O número de crimes cometidos e os gastos privados em proteção.

A partir dessas relações, o autor busca determinar o nível ótimo de esforço do Estado para combater o crime. Para tanto, é incorporado ao modelo o conceito de curvas de perdas sociais de forma a captar os prejuízos sociais do crime19.

Segundo AKERLOF & YELLEN [apud PEIXOTO et al (2004)], o modelo proposto por BECKER (1968) pode ser interpretado a partir de um esquema Principal- Agente. Sob essa perspectiva, o potencial criminoso é visto como o agente, o qual responde aos incentivos externos em sua decisão de cometer ou não o crime (ou a decisão acerca da quantidade de crimes que ele cometerá). Por outro lado, é dever do governo combater o crime, reduzindo tais incentivos. Dessa forma, o governo pode ser tomado como o principal, cujo objetivo é reduzir os índices de criminalidade a partir da adoção de políticas que alterem esses incentivos. Obviamente, grande parte dessas medidas requer

grandes recursos para sua implantação. O modelo apresenta as condições de ótimo tanto para a quantidade de crimes que o indivíduo deverá cometer, quanto para o esforço do Estado para o combate ao crime.

A despeito do objetivo de medir a quantidade ótima de esforço para coibir o crime, muitos estudos posteriores ao de BECKER (1968) focam suas análises no comportamento do criminoso para fundamentar uma função de oferta de crimes. Uma possível justificativa para o enfoque na oferta de crimes é a necessidade de investigar seus determinantes, de modo a melhor direcionar os esforços para o combate ao crime. Adicionalmente, a discussão sobre quais efetivamente são esses determinantes e que efeitos eles produzem sobre o crime parece estar longe de um desfecho final20.

Para construção de um modelo de oferta de crimes, admita que Yi é o ganho obtido no crime i21. Ao decidir cometer o crime, o indivíduo está sujeito a ser preso e condenado. Denota-se pi como a probabilidade de o indivíduo ser preso e condenado ao cometer um crime i e fi o valor monetário da punição, dado que o criminoso foi preso e condenado. Dessa forma, a utilidade esperada de se cometer o crime i é:

(

i i

) (

i

) ( )

i i i i e i p U Y f 1 p U Y U = − + − , (3.1)

em que U é a utilidade da renda e Ue representa a utilidade esperada.

É admitido que a renda (Y) dependa positivamente do número de crimes cometidos pelo indivíduo e que a utilidade esperada diminua diante do aumento da probabilidade (p) de ser apanhado e do valor monetário da punição (f)22. Dessa forma, o criminoso escolhe um nível de crimes que maximiza a utilidade esperada do crime. Ou seja, o problema do criminoso é:

(

i i

) (

i

) ( )

i i i i e i p U Y f 1 p U Y U max = − + − θ , (3.2)

em que θ é o número de crimes cometidos pelo indivíduo em um dado período de tempo. Dessa forma, é possível construir uma função de oferta de crimes a partir do processo de maximização apresentado na Equação (3.2), podendo ser denotada por:

em que µi é uma variável que capta todas as outras influências. Pode-se observar que o aumento da probabilidade de prisão e condenação e/ou da punição tem impacto negativo sobre a oferta de crimes.

Uma extensão do modelo de BECKER (1968) é apresentada em GLAESER & SACERDOTE (1996) e retomado por FAJNZYLBER & ARAÚJO JR (2001) e OLIVEIRA (2005). De acordo com esse modelo, o indivíduo compara os ganhos obtidos no setor legal com os ganhos decorrentes da atividade ilegal (crime). É admitido que o indivíduo incorra a custos ao decidir pelo mercado ilegal. Esses custos são classificados em: custos de planejamento e execução do crime, custos morais e custo de oportunidade, este último representado pelos ganhos do setor legal. Adicionalmente, há um risco de o indivíduo ser preso e condenado, caso cometa o crime, além da punição. O crime compensa se os ganhos líquidos advindos do setor ilegal forem maiores do que os ganhos do setor legal.

Tomando wj como o ganho do setor legal para o indivíduo j, o nível de utilidade é denotado por Uj(wj). Caso opte pelo crime, o indivíduo poderá obter gj de ganhos monetários, mas incorre a um custo monetário de cj no planejamento e execução do crime, mais um custo moral, medidos em termos monetários, de Mj. Portanto o nível de utilidade da atividade ilegal é denotado por Uj(gj-cj-Mj). Deve-se considerar a possibilidade de ser preso e condenado, caso cometa o crime, e sofrer uma punição. Denota-se ρ como a probabilidade de o indivíduo ser preso e condenado e f o valor monetário da punição. A utilidade esperada ao se cometer o crime é denotada por:

(

1

)

U

(

g c M

)

U

( )

f

Ue j j j j j

i = −ρ − − +ρ . (3.4)

O crime compensará se:

(

)

j

(

j j j

)

j

( )

j

( )

j e

i 1 U g c M U f U w

U = −ρ − − +ρ > . (3.5)

GRÁFICO 3.1 – MODELO DO COMPORTAMENTO CRIMINOSO NA FORMA DE JOGO Indivíduo Natureza U(w ) j U(g - c - M )j j j U(f) Seto r L eg al Seto r Ile gal ( crim e) Obt endo “Su cess o” (1-p ) Se nd o p res o e cond enad o (p)

Admitindo que o indivíduo seja neutro ao risco, a Equação (3.5) pode ser reescrita como:

(

1−ρ

)(

gj −cj −Mj

)

+ρf >wj. (3.6) Ou seja, o crime compensa se os ganhos líquidos do setor ilegal forem maiores do que o ganho do setor legal. Dessa forma, é possível construir uma função de oferta de crimes baseada na diferenças entre esses ganhos, de forma que:

(

)(

)

[

j j j j

]

j

j =θ 1−ρ g −c −M +ρf −w

θ . (3.7)

É possível observar que a oferta de crimes responde positivamente aos ganhos do setor ilegal (gj) e negativamente ao custo de planejamento e execução do crime (cj), aos custos morais (Mj), aos ganhos do setor legal (wj), ao valor monetário das punções (f) e à probabilidade de ser preso e condenado (ρ).

Segundo FAJNZYLBER & ARAÚJO JR (2001), em crimes contra o patrimônio, os ganhos (gj) podem ser representados pelo valor dos bens roubados. Considerando os crimes “sem vítimas” (crimes que envolvem drogas, prostituição, jogos

a pessoa, tais como homicídios e estupros, os ganhos estão associados ao nível de satisfação gerada a partir de sua execução [FAJNZYLBER & ARAÚJO JR (2001)]23.

Destaca-se que, no modelo de BECKER (1968), o crime é tratado como uma variável contínua: o indivíduo decide o quanto de crime irá cometer em um dado período de tempo. O modelo proposto por GLAESER & SACERDOTE (1996) supõe que o indivíduo decide se irá cometer ou não o crime, trata a oferta de crimes como uma variável dicotômica. É possível que o indivíduo se depare com o jogo ilustrado no Gráfico 3.1 inúmeras vezes durante um dado período de tempo. Partindo desse pressuposto, o crime pode ser tratado a partir de uma variável contínua.

Ambos os modelos apresentados até então tratam a escolha do indivíduo a partir de uma situação estática, ignoram alguns aspectos intertemporais, tal como as incertezas em relação ao futuro por parte do agente criminoso. DAVIS (1988) contribui para o debate apresentando um modelo teórico intertemporal. Para esse autor, o crime é uma possibilidade de antecipar a satisfação gerada a partir de um determinado bem antes de efetuar seu pagamento. Ou seja, o criminoso pode ter acesso ao dinheiro e antes de ser preso. Além de comparar os ganhos dos setores legal e ilegal, o indivíduo deve computar sua taxa de desconto para decidir qual nível de crime irá cometer.

Segundo DAVIS (1988), o modelo apresenta três extensões em relação aos modelos estáticos. Em primeiro lugar, pode-se relacionar o número de crimes cometidos por um indivíduo com a taxa de desconto (ou taxa individual de preferência intertemporal). Dado que cada indivíduo possui expectativas diferenciadas em relação ao futuro, é possível explicar as variações na quantidade de crimes cometidos de indivíduo para indivíduo. Em segundo lugar, o modelo intertemporal explica melhor o efeito do aumento da probabilidade de ser preso e condenado, haja vista que essa probabilidade compõe a taxa de desconto dos ganhos advindos do crime. Segundo BECKER (1968), um aumento da probabilidade de ser preso e condenado, acompanhado de uma redução no valor da punição, de forma a manter os ganhos esperados do crime inalterados, pode reduzir o nível de crimes se os criminosos exibirem aversão ao risco24. O modelo dinâmico prevê esse resultado mesmo quando não há preferência pelo risco, haja vista que, apesar de manter os ganhos esperados inalterados, essa medida reduz o valor presente por meio do aumento da

23 Segundo esses autores, adota-se o pressuposto de que mesmo em crimes contra a pessoa realizados a partir

taxa de desconto. Por fim, o modelo intertemporal pode explicar melhor algumas questões, como, por exemplo, a demora judicial e reincidência do criminoso [DAVIS (1988)].

Cabe destacar que os estudos sobre Economia do Crime apresentam um grande hiato entre os determinantes do crime incluídos nos modelos teóricos e as variáveis tratadas nos modelos empíricos. CERQUEIRA & LOBÃO (2003b) chamam a atenção para o fato de que as variáveis utilizadas nos estudos empíricos não necessariamente estão incorporadas explicitamente nos modelos teóricos. Esses autores destacam a desigualdade de renda, desemprego e trabalho policial como exemplo. No entanto os autores reconhecem que os modelos teóricos podem captar o efeito dessas variáveis de forma indireta25.

Na seção seguinte serão apresentadas algumas considerações a respeito do modelo teórico proposto por GLAESER & SACERDOTE (1996).