• Nenhum resultado encontrado

3. ECONOMIA DO CRIME

3.1. ESTUDOS SOBRE A OFERTA DE CRIMES

3.1.2. Determinantes do Crime e Evidências Empíricas

De acordo com GLAESER & SACERDOTE (1996), a oferta de crime pode ser escrita como uma função positiva dos ganhos líquidos obtidos no setor ilegal, conforme apresentado na Equação 3.7. É admitido que as variáveis incorporadas nesse modelo consigam captar uma gama maior de efeitos.

(

)(

)

[

j j j j

]

j

j =θ 1−ρ g −c −M +ρf −w

θ (3.7)

De acordo com o modelo, medidas agregadas de renda, tal como a renda per capita, possui efeito ambíguo sobre a oferta de crime. Por um lado, uma renda per capita maior reflete um maior custo de oportunidade de se cometer o crime (wj). Adicionalmente, FAJNZYLBER & ARAÚJO JR (2001) afirmam que fatores relacionados com essa variável, tal como a capacidade de segurança particular, podem estar mais correlacionados

survey de estudos que investigam a relação entre desemprego e crime. CARRERA- FERNADEZ & PEREIRA (2001), ao analisarem a criminalidade em municípios baianos, encontram uma relação positiva entre renda do município e o crescimento do crime, esse crescimento está negativamente relacionado com a renda do governo municipal. ARAÚJO JR (2002) encontra uma relação negativa entre a renda média de uma determinada faixa etária e crime ao investigar os determinantes do ciclo de vida do crime no Brasil, sendo positiva quando se considera a renda do Estado. Os trabalhos de CARRERA-FERNADEZ & PEREIRA (2000) e FAJNZYLBER & ARAÚJO JR (2001) encontraram uma relação positiva entre renda e crimes em estudos realizados para a Região Metropolitana de São Paulo e o Brasil, respectivamente.

O aumento do nível educacional pode refletir uma maior possibilidade de ganhos no setor formal, refletindo em aumento em gj. No mais, a educação pode ter um efeito sobre os custos morais de se cometer um crime (Mj), de forma a reduzi-lo. Portanto, era de se esperar, a priori, que o nível de educação teria um efeito negativo sobre a criminalidade. Os resultados obtidos por EHRLICH (1975b) apresentam um efeito positivo da educação sobre o crime. Cabe destacar que, ao aumentar a renda esperada do setor legal, o aumento do nível de educação também deve indicar um número maior de vítimas potenciais atrativas, tendo impacto positivo sobre o crime. No mais, apesar de aumentar os custos morais, a escolaridade pode ter um efeito negativo sobre os custos de planejamento e execução do crime (cj)26. EHRLICH (1975b) verificou um efeito positivo da educação sobre o crime. No entanto WITTE & TAUCHEN (1994) não encontraram significância no efeito do nível de educação sobre o crime, apresentam evidências de que o crime está negativamente relacionado ao tempo que o indivíduo gasta trabalhando ou estudando. CARRERA-FERNADEZ & PEREIRA (2001) encontraram uma relação negativa entre nível de educação do município e o crescimento das taxas de crimes agregadas. Considerando apenas roubo e furto, essa relação não apresenta significância [CARRERA- FERNADEZ & PEREIRA (2001)].

ARAÚJO JR (2002) encontra uma relação positiva entre desemprego e crime para o Brasil. O mesmo resultado é apresentado nos trabalhos de FAJNZYLBER & ARAÚJO JR (2001), CARRERA-FERNANDEZ & PEREIRA (2000) e MENDONÇA (2003a), onde são apontadas evidências de que o desemprego afeta os custos de

oportunidades do crime, tendendo a reduzir os ganhos esperados do setor legal (wj). Por outro lado, a queda desses ganhos induz a um número menor de potenciais vítimas atrativas, reduzindo os ganhos do crime (gj).

A partir de um survey de trabalhos que relacionam crime e desemprego, FREEMAN (1994) apresenta ambigüidade no efeito do desemprego sobre o crime. Segundo FREEMAN (1994), os trabalhos que relacionam o crime com o desemprego contemporâneo apresentam, ao contrário do que poderia predizer o senso comum, uma relação negativa entre essas variáveis27. Por outro lado, trabalhos que computam o efeito dinâmico apresentam uma relação negativa entre crime e desemprego contemporâneo e uma relação positiva entre o crime e a primeira defasagem do emprego.

É possível que o desemprego contemporâneo tenha efeito sobre os ganhos advindos do setor ilegal (gj), na medida em que reflete uma queda no número de potenciais vítimas atrativas. Essa seria a explicação do efeito negativo do desemprego contemporâneo sobre o crime. O desemprego defasado é refletido na queda do custo de oportunidade de se cometer crime (wj). No entanto, CERQUEIRA & LOBÃO (2003a) argumentam que o desemprego não tem efeito direto sobre o crime, refletindo atributos pessoais e individuais.

O efeito da eficácia da polícia e do sistema judicial pode ser captado a partir da probabilidade de o criminoso ser preso e condenado ao cometer um crime (ρ). Em relação à eficácia do sistema judicial, esta ainda pode ser captada a partir do valor monetário da punição (f). Os modelos teóricos apresentados por BECKER (1968) e GLAESER & SACERDOTE (1996) prevêem que um aumento na probabilidade de ser preso e na severidade das punições reduz o número de crimes. Em um estudo realizado por EHRLICH (1975a), é mostrado que a aplicação da pena de morte em um homicida impede sete homicídios. Ainda, segundo esse autor, função utilidade dos criminosos reflete aversão ao risco, respondendo mais à probabilidade de ser apanhado do que à punição aplicada. Dessa forma, como já mencionado anteriormente, um aumento da probabilidade de ser preso e condenado, acompanhado de uma redução no valor da punição, de forma a manter

i) Alterações da probabilidade de ser preso e condenado e da severidade das punições afetam os incentivos do criminoso, em especial, os ganhos esperados do crime. Esse efeito é conhecido como efeito deterrence;

ii) O aumento da severidade das sanções reduz o número de criminosos em circulação e, conseqüentemente, a possibilidade de reincidência destes. Esse é conhecido como efeito incapacitação.

CERQUEIRA & LOBÃO (2003b) verificaram que os gastos em segurança pública possuem baixo impacto sobre o crime no Brasil, podendo refletir a descrença da sociedade no atual modelo de polícia.

Um grande avanço dos estudos econômicos sobre o crime foi a incorporação do conceito de interações sociais no modelo comportamental do criminoso. Segundo GLAESER & SACERDOTE (1996), as interações sociais são caracterizadas pela inclusão de variáveis que representam características de outros indivíduos na função de utilidade de um determinado indivíduo. Ou seja, pode-se dizer que uma interação social ocorre quando o comportamento de um indivíduo é afetado pelo comportamento de seus pais, amigos, vizinhos etc29. Segundo MENDONÇA; LOUREIRO; SACHSIDA (2002), os agentes agem de acordo com uma regra social que impõe restrição ao seu modo de atuação. Essa regra é fruto das interações sociais.

Os modelos que dão ênfase às interações sociais são conhecidos como modelos ecológicos. Essas interações são, em geral, captadas por meio dos custos morais (Mj). Os modelos ecológicos estão fundamentados em duas vertentes: desordem física e desordem social [PEIXOTO et al (2004)]. A desordem física pode ser resumida pelo chamado “efeito janela quebrada”, em que características físicas da localidade podem induzir ao comportamento criminoso. A desordem social diz respeito à capacidade que a comunidade local tem de supervisionar e controlar seus membros.

A inclusão do conceito de interações sociais permite uma melhor explicação dos efeitos das desigualdades de renda e desigualdades sociais em geral. Segundo MENDONÇA; LOUREIRO; SACHSIDA (2003a), os indivíduos possuem uma referência de nível de consumo que, em geral, é determinada a partir do consumo das camadas mais ricas. A diferença entre o consumo efetivo e o consumo referencial é tomada como uma medida de insatisfação. Dessa forma, o nível de ganhos do setor legal (gj) deve compensar

a perda de utilidade causada pelo sentimento de insatisfação. A relação entre essa insatisfação e as taxas de crime é conhecida como efeito frustração ou privação relativa.

É bem provável que a desigualdade de renda promova uma intensa coexistência entre indivíduos com baixo custo de oportunidade de se cometer o crime (wj) e indivíduos que representam potenciais vítimas atrativas [FAJNZYLBER & ARAÚJO JR (2001)]. Portanto, além de potencializar o efeito frustração, a desigualdade aumenta os ganhos líquidos do crime, reduzindo os custos de planejamento e execução (cj) [MENDONÇA; LOUREIRO; SACHSIDA (2003a)]30. O efeito positivo da desigualdade de renda sobre o crime é evidenciado em grande parte dos estudos apresentados do survey de FREEMAN (1994). Estudos realizados para o Brasil corroboram essa relação31.

A reincidência do criminoso também pode ser explicada a partir do conceito de interações sociais. Essa reincidência pode ser fruto de um efeito imitação dentre do círculo de convívio dos criminosos, alterando, dessa forma, os custos morais (Mj)32. Adicionalmente, a reincidência promove um efeito aprendizado, que implica em queda dos custos de planejamento e execução do crime (cj), à medida que o indivíduo repete o ato criminoso. Por fim, a reincidência pode provocar uma queda no custo de oportunidade do crime (gj). Segundo CERQUEIRA & LOBÃO (2003a), à medida que o indivíduo opta pela reincidência no crime, menor é a probabilidade de voltar ao mercado de trabalho formal. Isso ocorre devido à perda de capital humano gerada no mercado ilegal [CERQUEIRA & LOBÃO (2003a)]33. Esses efeitos podem explicar a existência de inércia das taxas de crime. De fato, FAJNZYLBER & ARAÚJO JR (2001) evidenciam a existência de inércia nas taxas de homicídio para os Estados brasileiros. O mesmo resultado é encontrado por CARRERA-FERNANDEZ & PEREIRA (2001) para municípios baianos em relação ao crime agregado, roubo e furto. CARRERA-FERNANDEZ & PEREIRA (2000) encontraram uma relação negativa entre taxas de crime e sua defasagem.

GLAESER & SACERDOTE (1996) utilizam a abordagem de interações sociais para investigar a relação entre criminalidade de concentração urbana. Segundo

esses autores, a criminalidade tende ser maior em grandes centros urbanos por dois motivos: grande incidência de famílias “uniparentais”34 e baixa probabilidade de captura [GLAESER & SACERDOTE (1996)]. Segundo OLIVEIRA (2005), a concentração de crimes em grandes centros urbanos pode proporcionar ganhos de escala ou redução dos custos de transportes para os criminosos35. No mais, os grandes centros urbanos geram o anonimato das pessoas e objetos, facilitando a prática do crime [OLIVEIRA (2005)]. Segundo PEIXOTO et al (2004), quanto maior o grau de urbanização (medido e partir da atividade comercial da região), maior será o número de interações sociais e, portanto, menor será o controle social.

O estudo realizado por PEIXOTO et al (2004) apresenta evidências de que os espaços geográficos podem influenciar a dinâmica dos diversos crimes. Em especial, esses autores analisaram a dinâmica das taxas de homicídios, roubos e roubos a mão armada para a Região Metropolitana de Belo Horizonte. Foi observado que, onde a taxa de roubo é alta, a taxa de homicídio é baixa e vice-versa. Os homicídios estão concentrados em regiões pouco desenvolvidas que são vizinhas às regiões mais desenvolvidas. O estudo ainda conclui que o crime está relacionado com a desordem física, com o acabamento das casas e com a disponibilidade de esgotamento sanitário [PEIXOTO et al (2004)].

Fatores relacionados às interações sociais também podem explicar o alto crescimento das taxas de crime diante de um cenário econômico favorável36. LEVITT & VENKATESH (1998) argumentam que a mobilidade social é, em geral, maior no setor ilegal. No caso das gangues de drogas na Califórnia, fatores relacionados à condição de vida precária impulsionam o indivíduo para a criminalidade em busca de maiores ganhos [LEVITT & VENKATESH (1998)]37. Essa afirmação é corroborada por OLIVEIRA (2005) ao encontrar uma relação positiva entre crime e o número de famílias chefiadas por mulheres com filhos menores que 15 anos.

MENDONÇA; LOUREIRO; SACHSIDA (2002 e 2003b) encontram evidências de que os determinantes dos crimes diferem de acordo com o tipo de crime considerado. Segundo esses autores, os crimes não violentos (crimes relacionados às

34 O termo “uniparentais” é usado para designar famílias em que apenas um dos cônjuges pertence a elas.

35 Segundo OLIVEIRA (2005), os grandes centros urbanos proporcionam maiores retornos do crime, haja

vista que o criminoso pode selecionar melhor suas vítimas. Adicionalmente, os custos de planejamento e

execução do crime (cj) tendem a reduzir nas grandes cidades devido ao convívio entre criminosos e vitimas,

ambos em potencial [OLIVEIRA (2005)].

drogas, furto, roubo etc) estão mais relacionados com fatores econômicos, enquanto que os crimes violentos (homicídio, latrocínio, seqüestro, estupro etc) estão relacionados com fatores de interações sociais, em especial, o núcleo familiar38. Nesse sentido, programas de assistência familiar podem ser eficazes no combate ao crime [MENDONÇA; LOUREIRO; SACHSIDA (2002 e 2003b)]. OLIVEIRA (2005) chega a uma conclusão similar.

Algumas evidências apresentadas nos estudos realizados por DONOHUE & LEVITT (2001 e 2003) apontam para uma solução mais drástica do que programas de assistência familiar para a redução da criminalidade. Segundo esses autores, a redução da criminalidade nos EUA, a partir da década de 1990, pode ser explicada pela legalização do aborto ocorrida no país no início da década de 197039. A hipótese é a de que o aborto permite uma escolha intertemporal para se ter filho, de modo que este possa nascer em momentos mais favoráveis [DONOHUE & LEVITT (2001)]40. Adicionalmente, esses autores ressaltam que a legalização do aborto teve impactos sobre o tamanho da geração nascida41. Além de apontar para a relação entre aborto e criminalidade42, os autores demonstram que fatores como a adoção de estratégias policiais inovadoras43, mudança do mercado de drogas, envelhecimento da população, crescimento econômico, adoção da pena de morte, entre outros, explicam muito pouco a redução das taxas de crime nos EUA durante a década de 1990 [DONOHUE & LEVITT (2001 e 2003)].

38 Esses autores acharam uma relação inversa entre crimes violentos e crença em Deus [MENDONÇA;

LOUREIRO; SACHSIDA (2002 e 2003b)].