• Nenhum resultado encontrado

Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (OMS,

3. MODELO SOCIAL: A DEFICIÊNCIA COMO UMA QUESTÃO POLÍTICA E

3.3 Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (OMS,

Vinte e um anos depois da Classificação de Deficiências, Incapacidade e Desvantagens, a Organização Mundial da Saúde, no ano de 2001, lança uma revisão do documento de classificação de deficiências. Trata-se da Internacional Classification of

Functioning, Disability and Health – Classificação Internacional de Funcionalidade,

Incapacidade e Saúde (doravante, CIF).

A nova classificação é considerada uma das principais conquistas dos estudos do modelo social da deficiência, precisamente por mudar o significado de deficiência e por abordar uma linguagem com pretensão de universalidade. De imediato cabe ressaltar que a CIF procura “demonstrar a experiência da desigualdade pela deficiência resultava mais de estruturas sociais pouco sensíveis à diversidade que de um corpo com lesões” (DINIZ; MEDEIROS; SQUINCA, 2007, p. 2058).

Como mencionado, as classificações da OMS exercem o papel de balizas norteadoras dos estudos e pesquisas acerca da deficiência, da mesma forma que são utilizadas na promoção de políticas públicas e estabelecem critérios de aferição da inclusão ou exclusão das pessoas com corpos limitados nas sociedades em que habitam51. Refere-se ainda à importância taxonômica destes documentos, que servirão para fundamentação de outros expedientes e normas oficiais, tais como leis, relatórios de avaliação, políticas públicas etc. Porém, o mais

51 No próprio texto da Classificação Internacional de Funcionalidade o documento deixa claro o que seriam as “famílias” e “classificações” utilizadas pela Organização Mundial da Saúde: “A CIF pertence à "família" das classificações internacionais desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para aplicação em vários aspectos da saúde. A família de classificações internacionais da OMS proporciona um sistema para a codificação de uma ampla gama de informações sobre saúde (e.g., diagnóstico, funcionalidade e incapacidade, motivos de contacto com os serviços de saúde) e utiliza uma linguagem comum padronizada que permite a comunicação sobre saúde e assistência médica em todo o mundo entre várias disciplinas e ciências.” (OMS, 2001, p. 7).

significativo nas classificações é o fato de que elas representam, diretamente ou não, o entendimento de uma época com relação ao fenômeno da deficiência.

Neste ponto, a CIF expressa às concepções do modelo social e seus efeitos no seio social e político. Desse modo:

[…] os conceitos apresentados na classificação introduzem um novo paradigma para pensar e trabalhar a deficiência e a incapacidade: elas não são apenas uma consequência das condições de saúde/doença, mas são determinadas também pelo contexto do meio ambiente físico e social, pelas diferentes percepções culturais e atitudes em relação à deficiência, pela disponibilidade de serviços e de legislação. Dessa forma, a classificação não constitui apenas um instrumento para medir o estado funcional dos indivíduos. Além disso, ela permite avaliar as condições de vida e fornecer subsídios para políticas de inclusão social (FARIAS; BUCHALLA, 2005, p 190).

Um ponto de destaque para a relevância da CIF deve-se ao fato de sua elaboração no período de expansão dos direitos internacionais dos direitos humanos e da globalização informacional (DINIZ; MEDEIROS; SQUINCA, 2007).

Ocorre que alguns fatores contextuais colaboraram para que os Estados aos poucos assimilassem e posteriormente adotassem a CIF. Dentre eles se acentua o enfraquecimento do princípio de soberania dos Estados para o fim de elaborarem normas jurídicas ou que apresentassem políticas públicas que não fossem comprometidas com a efetividade dos direitos à integridade física, à dignidade da pessoa humana e o direito à saúde.

Em vista da relutância de algumas nações em promover a inclusão e a igualdade, sustentando-se na visão hermética da cultura da normalidade e na etiologia da deficiência, fez-se necessário repensar as taxonomias e diretrizes de atuação que pudessem ser um ponto de partida para as mais diversas comunidades políticas, respeitando os aspectos locais de cada Estado, sem impôr um padrão cogente do normal, porém, que permitisse as instituições e sociedade civil considerar com autenticidade e comprometimento a causa das pessoas com deficiência.

Dessarte, a pretensão de universalidade é um dos objetivos da CIF (DINIZ; MEDEIROS; SQUINCA, 2007, p. 2058). Mas uma interpretação de universalidade que não impõe ou condiciona, mas que inclui. ]

Existem duas perspectivas de universalidade na Classificação de 2001. A primeira diz respeito à internacionalização do documento, isto é, de que as contribuições teóricas da CIF possam ser reconhecidas, adotadas e aplicadas na maior parte dos países, ou seja,

universalização como sinônimo de internacionalização; isso porque “o objetivo geral da classificação é proporcionar uma linguagem unificada e padronizada assim como uma estrutura de trabalho para a descrição da saúde e de estados relacionados com saúde” (OMS, 2001, p. 7). A outra perspectiva da universalidade é que a CIF não se direciona apenas as pessoas com deficiência, mas à sociedade em geral, como assegura o próprio texto:

Muitas pessoas consideram, erradamente, que a CIF se refere unicamente a pessoas com incapacidades; na verdade, ela aplica-se a todas as pessoas. A saúde e os estados relacionados com a saúde associados a qualquer condição de saúde podem ser descritos através da CIF. Por outras palavras, a CIF tem aplicação universal (OMS, 2001, p. 11).

Esta segunda forma de “universalidade de aplicação” é importantíssima porque representa um rompimento da visão deficiência como um estigma particularizado e centralizado em um indivíduo ou em determinados grupos. Ao afirma que a CIF “aplica-se a todas as pessoas”, quer-se chamar a atenção para o fato de que todos os seres humanos, em seus corpos, vivenciarão a deficiência, significa dizer, viverão em corpos limitados em ambientes desfavoráveis, seja na doença, na lesão ou na velhice (DINIZ; MEDEIROS; SANTOS, 2009, p. 17). Nesse sentido, o Relatório Mundial da Deficiência, elaborado pela OMS, junto com o Banco Mundial, no ano de 200152, em suas primeiras palavras ao “entender a deficiência” argumenta que:

A deficiência faz parte da condição humana. Quase todas as pessoas terão uma deficiência temporária ou permanente em algum momento de suas vidas, e aqueles que sobreviverem ao envelhecimento enfrentarão dificuldades cada vez maiores com a funcionalidade de seus corpos (OMS; BM, 2011, p. 3).

Assim, pode-se argumentar que a CIF não só procura universalizar a reflexão sobre a deficiência em espaços diversos (nações, Estados, províncias, cidades etc), mas na mentalidade, indubitavelmente representa um movimento de combate à hegemonia do saber 52 Este Relatório foi publicado no ano de 2011, em resposta a situação tratada na Assembleia Mundial sobre a Saúde na Resolução 58.23 sobre “Deficiência, incluindo prevenção, gestão e reabilitação”. O documento foi elaborado pela Organização Mundial da Saúde e pelo Banco Mundial. A participação do órgão financeiro global foi importante para inclusão da temática da pobreza e do desenvolvimento para as pesquisas e levantamento de dados, bem como para sua análise e interpretação. Da leitura do Relatório percebe-se que trata-se de bem mais do que levantamentos de dados estatísticos, abordando também de questionamentos e avaliação de posturas de políticas governamentais sobre a deficiência, demonstrando-se, assim, um instrumento diferenciado. Menciona-se também que um dos objetivos norteadores do citado documento é a avaliação de irradiação dos efeitos da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas, considerada um marco na questão dos direitos humanos das pessoas deficientes.

médico e sua proposta de etiologia individualista dos deficientes:

A afirmação de que a ICF é um documento de caráter universal pode ser entendida de duas maneiras. A primeira como um reconhecimento da força política do modelo social da deficiência para a revisão do documento: de uma classificação de corpos com lesões (ICIDH) para uma avaliação complexa da relação indivíduo e sociedade (ICF). Uma pessoa com deficiência não é simplesmente um corpo com lesões, mas uma pessoa com lesões vivendo em um ambiente que oprime e segrega o deficiente. A segunda maneira de compreender a afirmação universalista da ICF é também resultado do modelo social: a deficiência não é uma tragédia individual ou a expressão de uma alteridade distante, mas uma condição de existência para quem experimentar os benefícios do progresso biotecnológico e envelhecer. Velhice e deficiência são conceitos aproximados pela ICF e pela nova geração de teóricos da deficiência (DINIZ; MEDEIROS; SQUINCA, 2007, p. 2508).

São inegáveis as influências da epistemologia do modelo social sobre a CIF, de maneira que “[...] passou-se de deficiência como consequência de doenças (ICIDH) para deficiência como pertencente aos domínios de saúde (CIF)” (DINIZ, 2007, p. 48). Nesse sentido, a CIF designa como modelo social:

O modelo social de incapacidade, por sua vez, considera a questão principalmente como um problema criado pela sociedade e, basicamente, como uma questão de integração plena do indivíduo na sociedade. A incapacidade não é um atributo de um indivíduo, mas sim um conjunto complexo de condições, muitas das quais criadas pelo ambiente social. Assim, a solução do problema requer uma ação social e é da responsabilidade coletiva da sociedade fazer as modificações ambientais necessárias para a participação plena das pessoas com incapacidades em todas as áreas da vida social. Portanto, é uma questão atitudinal ou ideológica que requer mudanças sociais que, a nível político, se transformam numa questão de direitos humanos. De acordo com este modelo, a incapacidade é uma questão política (OMS, 2001, p. 21-22). A CIF, ao conceituar o paradigma interacional da deficiência, fá-lo com a mesma interpretação apresentada neste trabalho, isto é, como uma réplica ao modelo biomédico.

Percebem-se na conceituação proposta os seguintes elementos: a) a questão central da deficiência está nas relações sociais, mais especificamente na integração do indivíduo com a sociedade; b) a desmistificação da etiologia individualista da incapacidade; c) a incapacidade está diretamente envolvida com questões ambientais, não é um conceito puramente patológico ou restritivo as lesões; d) pela questão não estar mais centrada somente no indivíduo, mas nas relações interacionais, é preciso pensar na responsabilidade coletiva da sociedade sobre a promoção de inclusão das pessoas deficientes (MARTÍNEZ RÍOS, 2013). Sendo está é a primeira vez que se considera a deficiência como um problema “coletivo”, ou seja, do indivíduo, do Estado e a da sociedade civil, recordando-se que no saber biomédico, ou era um

problema meramente pessoal do deficiente ou compartilhado com o Estado, como questão de saúde pública; e) o reconhecimento da necessidade de “participação plena” das pessoas com corpos limitados; f) a conclusão de que “a incapacidade é uma questão política” (OMS, 2001). Todavia, é equivocado afirmar que a CIF abandonou o modelo biomédico. E nem seria interessante fazê-lo, já que como mencionado, os saberes terapêuticos e reabilitadores foram (e são) de grande valia para criação e aprimoramento de tecnologias para o bem-estar das pessoas com deficiência. Nela, a relação dos modelos teóricos da deficiência é dialética visto que a “A CIF baseia-se numa integração desses dois modelos opostos” (OMS, 2001, p. 22), isso porque “não é por acaso que a OMS faz referência aos dois modelos na CIF e afirma ser a nova linguagem uma combinação de ambos para instauração de um terceiro, o modelo

biopsicossocial” (DINIZ, MEDEIROS, SQUINCA, 2007, p. 2508). Este modelo

biopsicossocial, em linhas gerais, é a incorporação de três dimensões da deficiência da saúde: a médica, a psicológica e a social. A saúde é uma questão múltipla e complexa (FARIAS; BUCHALLA, 2005).

Em razão da proposta do novo paradigma sintético, a classificação de 2001 vislumbra a pessoa em três perspectivas: o corpo, o indivíduo e a sociedade (OMS, 2001).

O corpo compreendido como o organismo “como um todo”, onde o cérebro e suas funções mentais estão incluídos. Portanto, quando se alude à deficiência como um preconceito contra o corpo, deve-se entender no sentido de corpo também as faculdades intelectuais e mentais, pois fazem parte do corpo53. O indivíduo deixa de ser percebido como mero receptáculo de rotulações, para ser visto tanto como ser humano e como sujeito de direitos. A sociedade adentra de vez como elemento determinante acerca da incapacidade.

Existe uma divisão de duas grandes esferas a serem consideradas na avaliação da deficiência: as funções e estruturas do corpo; e as atividades e participação. As primeiras relacionam-se com o corpo, por exemplo, a função de ouvir através da estrutura do corpo que são os ouvidos. As segundas são fatores extrínsecos à lesão, mas que condicionam a deficiência e sua vivência com dignidade, como prédios adaptáveis, representatividade no Parlamento, ambientes adaptados, dentre outros.

53 O entendimento da CIF em considerar as funções mentais como parte do corpo tem como plano de fundo toda uma luta filosófica para romper o raciocínio cartesiano, que defendera que existem duas dimensões da realidade humana: o corpo e a alma (vide capítulo 1). Ao introjetar as deficiências mentais com o corpo se está partindo do pressuposto de que corpo e mente são elementos indissociáveis. Premissa que expressa a laicidade dos estudos da deficiência, bem como o desbarate da visão das mazelas psíquicas como “desvios de personalidade ou da alma”.

Uma nova forma de classificação da deficiência é proposta com a CIF, rompendo com a visão autocentrada no indivíduo. Passa-se “a categorias dentro dos domínios” (OMS, 2001, p. 12). Mas, o que são estes domínios? E como eles se relacionam com a conceituação da deficiência?

A Classificação de 2001 propõe dois tipos de “domínios”: aqueles diretamente referentes à saúde – domínios da saúde e aqueles “relacionados” com a saúde – domínios relacionados com a saúde”. Os domínios da saúde relacionam-se aquelas áreas da medicina orgânica, fisiológica, anatômica e mental que dizem respeito à saúde da pessoa e sua capacidade de desempenhar funções no ambiente em que vive, como ver, ouvir, andar, aprender, cantar, recordar etc. Os domínios relacionados à saúde são âmbitos não relativos à saúde em si, mas que interferem de modo decisivo na funcionalidade e no desenvolvimento das pessoas, tais como as questões do transporte, da educação e das interações sociais (OMS, 2001).

Outro elemento que diferencia os “domínios da saúde” dos “domínios relacionados à saúde” é que os primeiros são de competência imediata do sistema de saúde, enquanto os segundos são referenciados de modo indireto e mediato.

Porém, é preciso fazer uma crítica da separação pelo critério de fazer ou não parte do rol de competências afeta aos sistemas de saúde porque, com a multiplicidade dos caracteres que se inserem como “questões de saúde pública”, tal demarcação seria mais uma decisão política do que propriamente científica. Não se pode negar, por exemplo, que poluição sonora e ambiental estejam relacionadas de modo direto com a saúde de uma população ou que a grau de violência e tráfico de entorpecentes de uma população (que são questões de segurança pública) não propicie uma elevação de quantitativo de pessoas que procuram os sistemas médicos de tratamento e reabilitação. Assim, a divisão pelo primeiro critério, qual seja, a funcionalidade, demonstra-se mais acertada.

Da nova forma classificatória resultam em quatro grandes conquistas do modelo social na definição de deficiência (DINIZ, 2007). A primeira delas é a visão multicomponente da saúde, o que afeta diretamente as pessoas com deficiências, não mais reconhecidas pela centralidade da lesão, de modo que a própria CIF estipula o seu modo operativo, buscando romper com a apreensão dedutiva causal da Classificação de 198054. A distinção está destacada 54 Sobre essa superação, aduz Débora Diniz: “A demanda do modelo social da deficiência era por descrever as lesões como uma variável neutra da diversidade corporal humana, entendendo o corpo como um conceito

na superação das perspectivas das “desvantagens” e de “consequências da deficiência” para a de “componente da saúde”. Tal separação é importantíssima, visto que “consequência” é algo “logicamente” cogente, derivativo e naturalizado, uma imposição sobre o indivíduo do qual ele não pode escapar. Já o componente é um elemento dentre tantos outros que dizem respeito à deficiência. Nesse sentido:

A CIF transformou-se, de uma classificação de “consequência da doença” (versão de 1980) numa classificação de “componentes da saúde”. Os “componentes da saúde” identificam o que constitui a saúde, enquanto que as “consequências” se referem ao impacto das doenças na condição de saúde da pessoa. Deste modo a CIF assume uma posição neutra em relação à etiologia de modo que os investigadores podem desenvolver inferências causais utilizando métodos científicos adequados (OMS, 2001, p. 8).

Em decorrência da negação da causalidade da doença-deficiência e da adoção das “categorias dentro dos domínios da saúde e relacionados da saúde”, não se atribuem mais à pessoa as desvantagens da deficiência, vistas agora como limitações impostas pelos fatores extrínsecos – cultura, arquitetura, políticas não inclusivas etc. A pessoa deficiente sofre opressão de todo o meio, social e ambiental, que não reconhece sua diversidade e, portanto, exclui-a através da omissão em adaptar-se. “Assim, é importante notar que nesta classificação, as pessoas não são as unidades de classificação, isto é, a CIF não classifica pessoas, mas descreve uma gama de domínios de saúde ou relacionados à saúde” (OMS, 2001, p. 12). Ocorre, então, uma ofensiva por parte da OMS pela despatologização da deficiência, expressa nos seguintes termos:

As deficiências não têm uma relação causal com a etiologia ou com a forma como se desenvolveram. Por exemplo, a perda da visão ou de um membro pode resultar de uma anomalia genética ou de uma lesão. A presença de uma deficiência implica necessariamente uma causa, no entanto, a causa pode não ser suficiente para explicar a deficiência resultante. Da mesma forma, quando há uma deficiência, há uma disfunção das funções ou estruturas do corpo, mas isto pode estar relacionado com qualquer doença, perturbação ou estado fisiológico. As deficiências podem ser parte ou uma expressão de uma condição de saúde, mas não indicam, necessariamente, a presença de uma doença ou que o indivíduo deva ser considerado doente. As deficiências cobrem um campo mais vasto que as perturbações ou as doenças, por exemplo, a perda de uma perna é uma deficiência de uma estrutura do corpo, mas não é uma perturbação ou uma doença. (Original sem negrito) (OMS, 2001, p. 15).

representativo da biologia humana. O sistema proposto pela ICIDH classificava a diversidade corporal como consequência de doenças ou anormalidades, além de considerar que as desvantagens eram causadas pela incapacidade do indivíduo com lesões de se adaptar à vida social.” (DINIZ; MEDEIROS; SQUINCA, 2007, p. 2508).

Constata-se que a CIF é, nesta perspectiva, um importante instrumento de combate à estigmatização sistematizada, especialmente aquela feita através das instituições, que se utilizam do discurso científico para fomentar um processo de segregação massiva de pessoas de corpos limitados, uma vez que “a experiência da desigualdade pela deficiência resultava mais de estruturas sociais pouco sensíveis à diversidade do que um corpo com lesões” (DINIZ; MEDEIROS; SQUINCA, 2007, p. 2508).

O terceiro avanço proposto pela CIF é conceito e a ideia fundamental de

funcionalidade, “termo que engloba todas as funções do corpo, atividades e participação”

(OMS, 2001, p. 7). Trata-se de um elemento novo e desinente da inserção, sendo mais preciso, da consideração, de fatores ambientais tidos como decisivos para a experiência da deficiência para as pessoas com corpos limitados. Nesta perspectiva, a deficiência não é sentida apenas pelas pessoas com limitações corporais, mas por qualquer indivíduo na sociedade. Existe uma transferência de foco do indivíduo para o ambiente, de modo que os fatores ambientais, por si sós, são suficiente para prejudicar o desempenho do sujeito nas atividades do cotidiano55.

Constituem fatores ambientais as realidades externas ao indivíduo, como ambiente físico, social e atitudinal. Estes fatores podem atuar de forma negativa ou positiva sobre o desempenho do sujeito, isto é, sua capacidade (OMS, 2001). A funcionalidade está, assim, numa análise dos chamados fatores contextuais, que podem ser ambientais, esses já mencionados acima, ou pessoais (que são características do indivíduo, não na esfera da saúde, mas aspectos como raça, sexo e idade).

Posteriormente, demonstrar-se-á que a CIF foi coerente ao relacionar os fatores contextuais pessoais, porquanto questões como gênero e idade são cruciais para realizar uma leitura sob o prisma do modelo social da deficiência, haja vista as múltiplas opressões que estas interseções de grupos sofrem (MARTÍNEZ RÍOS, 2013; PALACIOS, 2007). Por essa razão, Norma Farias e Cássia Maria Buchalla defendem que:

O termo do modelo da CIF é a funcionalidade, que cobre os componentes de funções e estruturas do corpo, atividade e participação social. A funcionalidade é usada no aspecto positivo e o aspecto negativo corresponde à incapacidade. Segundo esse modelo, a incapacidade é resultante da interação entre a disfunção apresentada 55 Seguindo este raciocínio, a própria CIF explica: “Um problema de desempenho pode resultar diretamente do ambiente social, mesmo quando o indivíduo não tem nenhuma deficiência. Por exemplo, um indivíduo VIH