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3 Tipologia das colocações lexicais e análise contrastiva de colocações na língua russa e na

3.2 Classificar ou descrever?

Acabamos de apresentar uma classificação detalhada de colocações lexicais segundo Melʹčuk. Já mencionamos que esta tipologia nos ajudará fazer a análise comparativa de colocações na língua portuguesa e na língua russa, ou seja, servirá como a base teórica do nosso estudo. Entretanto, antes de passar a esta análise, no nosso entender é necessário fazer-nos mesmos algumas perguntas.

Será que podemos considerar alguma classificação como exata e absoluta, com fronteiras plenamente delimitadas? Esta é a primeira pergunta que pretendemos discutir e, analisando a classificação das colocações, chegamos à conclusão de que, finalmente, a fidedignidade de classificações em geral é duvidosa. Quer dizer, existem vários fatores que determinam o conteúdo de qualquer classificação, entre os quais, factos, observações, comprovações científicas, encontra-se, naturalmente, a opinião subjetiva do autor. Mesmo que alguns linguistas

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estudem um mesmo problema, surgem sempre posições diferentes, segundo o ponto de vista de cada um. Com efeito, fazendo referência a um dos linguistas, mesmo não aceitando a sua classificação como o padrão absoluto, escolhemo-la como a mais conveniente para nós por um ou outro critério. Isto significa que nos estudos mais práticos, como o nosso, classificações científicas são consideráveis, mas somente como base teórica, ou seja, uma espécie de esquema que nos ajude como um guia para nossas investigações.

Continuando as reflexões sobre a primeira pergunta, a divisão de colocações em diferentes tipos realiza-se segundo o princípio da existência ou ausência nos dicionários de uma ou outra aceção de uma das palavras que conformam a colocação, nomeadamente, do lexema B. Portanto, é válido supor que este tipo de divisão é extremamente relativo. Por outras palavras, conclui-se que a pertença de uma colocação a um ou outro grupo de colocações depende, na maioria das vezes, do próprio dicionário ou seja de preferências do lexicógrafo.

Analisemos a colocação “riso amarelo” do tipo 1.b, em que, segundo Melʹčuk (1995: 182), “C” não é igual a “B”, ou seja, no dicionário não se encontra nenhum significado “C” correspondente ao lexema B. Vejamos um exemplo de dois dicionários diferentes da língua portuguesa:

Amarelo. adj. Que tem a cor da gema do ovo ou do oiro; pálido; descorado; s. m. Uma das sete cores do espectro solar. (Almeida da

Costa, Sampalio e Melo, 1999; s.v. Amarelo).

Amarelo1, adj. (deve estar relacionado com o radical de amargo). Quem tem a cor da gema de ovo, do ouro, do açafrão, do gengibre

ou do enxofre.|| Dourado, louro, fulvo. || Pálido, descorado, desmaiado. || Que se acha em lipotimia, que vai ter síncope. || Contrafeito (diz-se do

riso). (Machado, 1981; s.v. Amarelo1)

Pode notar-se que, apesar da colocação “riso amarelo” ter sido incluídana classificação apresentada como uma colocação do tipo 1b, o seu elemento B, conforme o segundo artigo representado, tem o significado adicional “C” (“contrafeito”) que está registado num dos dicionários usados. Como já se depreendeu, este valor é o resultado da combinação lexical e o lexicógrafo, Machado, ao elaborar o artigo apresentado, inferiu que essa aceção “C” (“contrafeito”) da palavra “amarelo” somente acontece quando “amarelo” se combina com “riso”.

Contudo, de um lado, segundo uma certa lógica, a colocação “riso amarelo” não pode pertencer ao tipo 1.b, porque, de facto, no dicionário existe um significado particular do lexema B “amarelo”. Por outro lado, a inserção da aceção “contrafeito” da palavra “amarelo” com a nota

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“diz-se do riso” não contesta a classificação do Mel’čuk, porque, em nosso entender, a informação mais importante da descrição do caso 1.b é que o lexema B exprime “C” somente em combinação com A e o dicionário só nos informa deste facto. Entretanto, não se pode esquecer que no caso 1.b, segundo Mel’čuk (1995: 182), o sentido “C” não aparece no dicionário como aceção do lexema B, portanto, conclui-se que, em teoria, podem existir duas opiniões sobre o mesmo assunto e consequentemente, no nosso entender, usar o dicionário como argumento não é um critério incontestável para descrever fenómenos linguísticos, nomeadamente, colocações.

Por este motivo, surge mais uma pergunta, se for necessário para estudo mais prático, como o nosso, usar classificações como um modelo absoluto para compreender a natureza de um ou outro fenómeno e analisar os exemplos de colocações somente do ponto de vista da tipologia, tentando dividí-las apenas segundo este princípio. Por outras palavras, mais uma questão que deve ser colocada é se haverá necessidade de classificar todos os exemplos que se representarão na parte seguinte do nosso estudo. Assim, é imperioso compreender o que é mais importante: entender a natureza do fenómeno e descrevê-la ou fazer uma classificação. Repete-se que classificações fazem parte importante de qualquer estudo científico, porque formam a base teórica para a ciência aplicada, ou seja, formam os princípios que se pode tomar como ponto de partida. Contudo, no nosso entender, não é necessário concentrarmo-nos na classificação de todos os nossos exemplos de colocações, de acordo com a teoria de Melʹčuk anteriormente apresentada. Além do mais, na maioria das vezes, as tentativas de classificar provocam dificuldades, e no nosso caso isto, a classificação em si, não é o objetivo final, ou melhor, este trabalho visa o estudo de colocações lexicais de um ponto de vista comparativo e a criação de uma proposta de métodos de ensino deste fenómeno. Isto é, sem dúvida, impossível de realizar sem conhecimentos sobre os diferentes tipos de colocações, ou seja, a tipologia ajudará a constatar diferenças entre os dois sistemas linguísticos e assim entender dificuldades que podem surgir no ensino-aprendizagem. Contudo não é necessário analisar exemplos somente do ponto de vista da tipologia apresentada, fazendo-os artificialmente coincidir a um ou outro tipo, apesar de ser difícil e existirem casos discutíveis: é suficiente para nós descrever o exemplo em português, compreender a sua natureza e fazer uma análise comparativa. Posteriormente, estas questões mais práticas ajudarão a revelar obstáculos no ensino-aprendizagem de PLE e a propor métodos eficazes para facilitar este processo. Contudo, na parte 2.3 do trabalho, pretende-se

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realizar uma classificação própria de exemplos de colocações lexicais, mas esta será o produto de análise comparativa e será dedicada mais ao uso, do que à pura teoria.