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3 Tipologia das colocações lexicais e análise contrastiva de colocações na língua russa e na

3.4 Análise comparativa de colocações lexicais em português e em russo

3.4.1 Equivalentes absolutos

O primeiro grupo de exemplos inclui colocações a que correspondem os equivalentes absolutos na língua russa, ou seja, apresentaremos casos do paralelismo em português e em russo. Antes de começar uma análise imediata de exemplos concretos, pretendemos fazer algumas observações sobre este grupo de colocações lexicais.

Este grupo de colocações lexicais, segundo a nossa divisão, recolhe colocações e os respectivos equivalentes nas duas línguas, equivalentes que apresentam fortes paralelismos a nível sintático e semântico. Por outras palavras, ambas incluem os mesmos elementos e partes da oração, e, quanto ao nível semântico, os lexemas, de cada uma de colocações deste grupo, exprimem as mesmas aceções.

Como dissemos, apresentaremos alguns exemplos destas colocações, tirados de “Contos escolhidos” de Machado de Assis (2007) e as colocações correspondentes da língua russa, ou seja, as traduções dadas na versão russa do livro ou outras traduções possíveis, se for necessário. Pretendemos, também, citar alguns artigos de dicionários, se possível.

Pretendemos notar que, apesar de provarmos a existência de equivalentes absolutos destas colocações em russo, é imperioso assinalar que podemos fazer uma espécie de divisão mesmo entre estes exemplos, que poderia indicar o maior ou menor nível de compreensão destas colocações.

Repete-se que todas estas colocações em português têm equivalentes em russo, entretanto algumas delas são mais frequentes do que outras, quer dizer, o aprendente, encontrando alguns

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exemplos de colocações, pode associá-los imediatamente com as da sua própria língua. Fazendo exercícios ou traduzindo algumas frases curtas, em que se encontram colocações deste grupo, de português para russo e vice-versa, o aluno pode usar somente o dicionário bilíngue para entender o significado, mesmo que o dicionário não inclua exemplos de colocações inteiras. As colocações, apresentadas em baixo, podem provar que por vezes é admissível traduzir palavra por palavra, no caso da correspondência absoluta entre as línguas dentro do contexto de uma colocação particular. Assim, estas colocações são equivalentes absolutos nos sistemas linguísticos portugês e russo e, além disso, são mais usadas e logo se associam com as mesmas colocações na língua materna. Quer dizer, não provocam nenhuma dificuldade no ensino- aprendizagem de PLE para falantes russos, ou melhor, podemos traduzir literalmente estas colocações.

chegar ao cabo, no sentido de “finalizar” – подойти к концу (podojti k koncu)

– E ainda não chegamos ao cabo. (Machado de Assis, 2007: 26)

dar a resposta, no sentido de “responder” – дать ответ(datʹ otvet)

– Era um ladrão! foi a resposta que ele deu ao cunhado. (Idem: 136)

notícias frescas, no sentido de “notícias recentes” :

fresco1, a. 9. Que acabou de aparecer, suceder, ocorrer. ≈ RECENTE. Trago-lhe notícias frescas. (Casteleiro, 2001: s.v.

fresco1) – свежие новости, свежие вести(svežie novosti, svežie vesti)

E, pois, fez inserir no dito papel que acabavam de chegar notícias frescas de toda a costa de Malabar e da China <...> (Machado de Assis, 2007: 46).

verter lágrimas, no sentido de “chorar”:

verter. verter lágrimas, chorar. (Casteleiro, 2001; s.v. verter) – проливать слёзы, лить слёзы

(prolivatʹ slezy, litʹ slezy)

Que de lágrimas verteu por ele! (Machado de Assis, 2007: 80).

derramar sangue, no sentido de “matar”, “assasinar”:

derramar. derramar sangue, causar ferimentos ou mortes. (Casteleiro, 2001; s.v. verter) – проливать кровь

(prolivatʹ krovʹ)

<…> imaginou para isso uma revolução, em que derramou algum sangue <…> (Machado de Assis, 2007: 96).

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responder seco:

seco1, a. 16. Que tem ou denota falta de sensibilidade, de ternura, de amabilidade ou de afabilidade. ≈ ÁSPERO, DURO, RÍSPIDO, SEVERO. Resposta seca. (Casteleiro, 2001; s.v. seco1) – отвечать сухо (otvečatʹ suho)

Não olhava para o outro, não se ria do que ele dizia, e respondia-lhe seco. (Machado de Assis, 2007: 96)

frutos da vida – плоды жизни (plody žizni).

Rixas, sangue, ódios, tais eram os frutos da vida <…> (Idem: 124)

É natural que, em vez de uma colocação, o aluno pode usar só uma palavra, ou seja, por exemplo, em vez da colocação “dar resposta” pode-se dizer “responder”, o mesmo acontece na língua russa: em vez de dizer “дать ответ” (datʹ otvet), é possível dizer “ответить” (otvetitʹ). Entretanto, se no exercício ou no texto de partida se usa uma colocação, não supõe nenhuma dificuldade traduzir com outra colocação, porque colocações iguais existem nas duas línguas. Além disso, por vezes, os tradutores podem evitar colocações e usar outra forma de interpretação nas suas traduções. Por exemplo, na tradução da frase “E ainda não chegamos ao cabo”, o tradutor A. Pan’kov evita a colocação e dá a tradução seguinte: “И это ещё не конец” (“I eto ešče ne konec”)31.

Os exemplos seguintes usam-se menos frequentemente do que os anteriormente apresentados. O aluno poderá ter mais dificuldade em associá-los com as colocações igualmente existentes em russo, especialmente se ele traduz de russo para português. Quer dizer, o nível da compreensão destas colocações, em nosso entender, pode ser um pouco mais baixo do que o das colocações acima representadas. Apesar de considerarmos o estilo de tradutor, os exemplos de traduções podem ser ilustrativos neste caso e todos os exemplos são traduzidos por tradutores diferentes, mas nem A. Pan’kov (primeiro exemplo), nem K. Kovaliov (segundo exemplo), nem E. Golubeva (terceiro exemplo) usam, na sua tradução, a colocação correspondente em russo, apesar da existência destas colocações na sua língua materna:

comer tempo, no sentido de “tomar tempo”:

comer. 9. Fazer passar. Comer o tempo. (Casteleiro, 2001; s.v. comer) – съедать время (sʺedatʹ

vremja).

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É difícil, come tempo, muito tempo <…> (Machado de Assis, 2007: 30) – Это трудно, занимает32 время, много времени <…> (Eto trudno, zanimaet vremja, mnogo vremeni).

vivas cores, no sentido de “fortes cores”, “brilhantes cores”:

vivo1, -a. 11. Que provoca forte impressão visual, pela intensidade da cor, do brilho... ≠

DESMAIADO, ESCURO, PÁLIDO,

SÓBRIO. Como era morena, ficavam-lhe bem as cores vivas. (Casteleiro, 2001; s.v.vivo1 ) – живые цвета (živye

cveta)

<...> nos quais desenham com vivas e variadas cores <...> (Machado de Assis, 2007: 46). – На них рисуют разноцветными яркими красками33. (Na nih risujut raznocvetnymi jarkimi kraskami)

voz doce, no sentido de “voz terna”:

doce1. 5. Que causa uma impressão de suavidade, agradável os sentidos corporais. ≈

DELICADO, MACIO, SUAVE. ≠ ÁSPERO.

Uma voz doce. (Casteleiro, 2001; s.v. doce1) – сладкий голос (sladkij golos)

<…> a voz era tão doce <…> (Machado de Assis, 2007: 112) – <…> её голос звучал так нежно34 <…> (eё golos zvučal tak nežno)

Contudo, tomando em conta exemplos como “vivas cores”, podemos afirmar que, vendo a combinação «яркие цвета» (jarkie cveta), o aluno vai buscar traduções de palavra «яркий» (jarkij), que, em alguns casos pode ser traduzida como “forte”, ou “brilhante”, mas, naturalmente, o adjetivo aplicado mais frequentemente à palavra “cor” em português para exprimir esta ideia, é “vivo”. Assim, o aluno, por ignorância da existência da colocação “cores vivas” em português, não pode associar a combinação «яркие цвета» (jarkie cveta) da sua própria língua com esta colocação, apesar de existir a colocação igual em russo «живые цвета» (živыe cveta), porque em russo esta tem o sentido mais figurado, em comparação com português. Por esta razão, apesar destas colocações terem equivalências, em alguns casos o seu processo de ensino pode ficar um pouco mais complicado.

Mais um obstáculo que pode aparecer no estudo de colocações lexicais, mesmo que tomemos em conta a existência de equivalentes em russo, é que por vezes nas colocações da língua russa usam-se palavras arcaicas, que têm equivalentes na língua moderna, mas fora de

32 O tradutor escolha a combinação “занимать время” (zanimatʹ vremja), que pode ser traduzido como “ocupar tempo”.

33 O tradutor escolha a combinação “яркие краски” (jarkie kraski), que pode ser traduzida como “cores fortes”, “cores brilhantes”.

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colocação. Por esta razão, pode ser complicado associar uma colocação em russo com a equivalente em português, absolutamente igual no sentido geral. Apresentaremos o seguinte exemplo para ilustrar este fenómeno:

afiar os ouvidos – навострить уши (navostritʹ uši).

Neste ponto, afiamos os ouvidos e ficamos pendurados da boca do bonzo <…> (Idem: 42)

A colocação portuguesa “afiar os ouvidos” inclui palavras da língua moderna, e na correspondente colocação russa constrói-se com a palavra «навострить» (navostritʹ), que na língua contemporânea existe somente dentro da colocação apresentada. Tomando em conta este facto, podemos considerar que a associação entre estas colocações na mente do aprendente russo não pode aparecer tão rápido, como pode aparecer com os exemplos do primeiro bloco deste grupo.

Contudo e apesar de algumas dificuldades mínimas, todas as colocações do grupo apresentado têm equivalentes na língua russa, e, por isso, são mais fáceis para compreender, aprender e ensinar. O nível da compreensão de colocações pelos aprendentes estrangeiros está em proporção direta com semelhanças da sua língua materna e da língua estrangeira:

La transparencia de una colocación depende, entre otras cosas, de la proximidad entre las lenguas en cuestión (Alonso Ramos, 2010: 3)

Assim, podemos afirmar que este grupo de colocações lexicais quase não provoca dificuldades no processo de ensino-aprendizagem de PLE, por existirem correspondências entre os sistemas das duas línguas, ou seja, os aprendentes podem usar os conhecimentos da sua própria língua para estudar estas colocações. Tendo em conta que as colocações apresentadas em português têm equivalentes absolutos em russo, é lógico supor que as combinações deste grupo são mais fáceis de traduzir e de compreender. Os casos mais importantes, onde as interferências com a língua materna não podem ajudar, serão apresentados no outro grupo da nossa espécie de tipologia.

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