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1. UMA APRESENTAÇÃO DA CIDADE 27

1.3 Localização e características físicas 34

1.3.2 Clima, hidrografia e ocupação humana 41

Integrada na fachada atlântica ocidental do Noroeste da Península Ibérica, a cidade do Porto apresenta características climáticas claramente temperadas, se bem que sujeita a uma grande variabilidade tipicamente mediterrânica (advinda da pertença de Portugal à zona de clima mediterrâneo)150.

Assimilada pela chamada região ‘norte atlântico’, a zona do Porto é muito húmida, caracterizada por chuvas abundantes e em que são presentes as influências oceânicas: a barreira montanhosa da vertente atlântica origina a ascensão do ar quente e húmido, de origem atlântica, que origina fenómenos de condensação levando a uma forte precipitação atmosférica, as conhecidas ‘chuvas de relevo’151.

A precipitação abundante e a existência de nevoeiros constantes, estes últimos particularmente nas fases matinal e final do dia, são a marca da cidade e da zona; consequência também da proximidade do Oceano Atlântico e do rio Douro. Entre aqueles que escreveram sobre o Porto, desde Rebelo da Costa a Alexandre Herculano, é frequente a menção aos “mantos de névoas”152 do vale do Douro.

Cidade molhada, escura na luz coada pelo nevoeiro e na cor geral das construções, que aproveitaram a matéria-prima existente (granito), o Porto apresenta traços característicos do urbanismo do norte europeu, com uma temperatura média e amplitudes térmicas amenizadas pela proximidade do Oceano Atlântico e oscilação clara entre meses tipicamente de menor (Janeiro) e de maior (Julho) temperatura.

Existindo uma comprovada ligação entre variações climáticas de diversos tipos e fatores patogénicos que influenciarão a evolução da demografia urbana, não surpreenderá que, facto (também) ligado às extremas humidade e variabilidade diária das temperatura (chegando a atingir os dez graus de diferença153), venha a cidade a ser conhecida em fins de oitocentos pela excecional sobremortalidade demográfica urbana: “O Porto vinha no alto da escaleira das dez cidades europeias, de Londres a Ruão,

150 Monteiro, 1997: 48.

151 Botelho, 2014: 3; citando Silva, 2000: 45-117.

152 Herculano, Alexandre, in “Lendas e Narrativas”, cit. por Jorge, 1899: 21. 153 Herculano, Alexandre, in “Lendas e Narrativas”, cit. por Jorge, 1899: 20.

sobrepojando-as a todas na letalidade”154. Acompanhando este indicador, como tradicional é, encontramos taxas brutas de natalidade altas, quer nos debrucemos sobre épocas anteriores ao primeiro censo geral de 1864155, quer recorramos a dados de Ricardo Jorge para as décadas de 1870 a 1897 – este último apresenta valores oscilando entre os 33 e os 40,5% 156. Mesmo tendo em conta as incertezas que rodeiam os números, a comparação com os valores coevos relativos a Lisboa torna inequívoca a “imagem de forte natalidade da população portuense, superior à média nacional (31,5% em 1886-96) e muito distanciada da média lisboeta (26,6% em 1887-96)”157.

Seria precisamente sobre esta forte natalidade que se abateria a “elevadíssima mortalidade infantil”158, cuja estrutura de causas de morte se relaciona precisamente com as condições climáticas e urbanas de higiene e alojamento159 - “como grande cidade, Lisboa teria condições (de vida) inferiores à média portuguesa, mas no mundo urbano, o Porto estava pior (…) marcado pelas más condições da cidade”160. No conjunto, a população portuense seguia, tendencialmente, padrões demográficos da época, ou seja, forte proporção de população entre os 0-19 anos de idade e os 20-59 anos, com reduzida incidência da população tendo 60 e + anos161. Em trabalho anterior nosso sobre fogos e unidades domésticas em cerca de uma dezena de artérias do centro do Porto em 1801, registámos a forte proporção de jovens (48,37% entre os 0-19 anos de idade), a par dos adultos (44,99% de indivíduos entre os 20-59 anos) e idosos em reduzida proporção (6,64% para os indivíduos com 60 e + anos)162.

Com uma densificação da expansão urbana em torno dos morros graníticos da Pena Ventosa e da Vitória, separados pelo vale do rio de Vila, o Porto foi resolvendo faseadamente os problemas de abastecimento de água, seguindo as possibilidades

154 Jorge, 1899: 304; também Maia, 1994: 24-39; entre outros.

155 Taxa bruta de natalidade calculada para diversos anos, entre 1787 e 1861: entre os 31 e os

37,5%. in Serén e Pereira, 2000: 411.

156 Serén e Pereira, 2000: 411. 157 Serén e Pereira, 2000: 411. 158 Serén e Pereira, 2000: 410. 159 Maia, 1994: 80-126.

160 Leite, 2005: 60, citando para o efeito Maia, 1994 e David, 1991 e 1992.

161 Censos de 1801 e de 1864: grupos etários de 0-19 anos, 20-59 anos e 60 e + anos de idade.

Valores respetivamente de: 41,9%, 50,5%, 7,7% (1801) e de 40,8%, 51,3%, 7,9% (1864). in

Leite, 2005: 51, Quadro nº 1.4., citando para o efeito Pinto e Rodrigues, 1993.

oferecidas pelo contexto geomorfológico: a formação duma rede hidráulica de superfície foi acontecendo, no urbanismo europeu ocidental (atestadamente, no caso francês), seguindo a utilização exequível de valas, ribeiros e rios e de canais intra e extramuros163.

Nos séculos XVI e XVII, será o manancial de Paranhos (a norte do pólo urbano antigo) a solução, fazendo-se chegar ao centro da cidade a água por meio de aquedutos de pedra e canos de barro164.“Em 1594 declarava-se na Câmara que no Porto havia muitas fontes mas minguava a água boa para se beber. Abundância de água e multiplicidade de fontes não era, pois, sinónimo de fartura de água potável.”165

A pressão demográfica experienciada ao longo do século XIX propiciará a opção por águas superficiais166 e desta forma se virá a obter uma mancha de nascentes, fontanários, chafarizes e mananciais – cobertos ou superficiais – que revela a maior concentração demográfica em torno do manancial do rio de Vilar (número 1, na FIGURA 5), ainda bem marcado no mapa com um alinhamento de fontes e de nascentes. Igualmente se destacam os mananciais do Campo 24 de Agosto (antigo Campo Grande, número 3, na FIGURA ‎1-5) e de Salgueiros (número 2, na FIGURA ‎

1-5).

163 Guillerme, 1983: 10.

164 Silva, 1988, vol. II: 802-803. 165 Silva, 1988, vol. II: 803. 166 Devy-Vareta et al., s.d.: 2-3.

FIGURA ‎1-5: Mananciais e nascentes de água subterrânea para o abastecimento de água na cidade do Porto, nos finais do século XIX167

Note-se que o decurso do século XIX trouxe consigo as descobertas de princípios higienistas e das relações entre doenças e águas e consequentemente, registar-se-á o abandono de chafarizes, fontes e mananciais, principalmente na zona do núcleo central da cidade: vejam-se as marcas vermelhas entre os números 1 e 3, respetivamente, entre zonas de rio de Vilar e manancial do atual Campo 24 de Agosto, antigo Campo Grande.

Espraiando-se a urbe por uma série de elevações que dominavam o rio e pelas quais corriam uma série de linhas de água de origem fluvial ou que brotavam de nascentes permanentes em numeroso casos, muitas vezes as águas destes ribeiros acabavam por se depositar em zonas nascidas das irregularidades dos terrenos, formando zonas pantanosas. Estas viriam a constituir-se em focos de humidade e insalubridade, frequentemente utilizadas pela população para os mais diversos e contrários fins, desde a alimentação, à limpeza168. A prática da manutenção a céu aberto de águas sujas e depósitos de imundícies, apenas lavados pelas chuvas, era um traço do urbanismo medieval que persisitiu pelo século XIX dentro169. Aqueles mini-pântanos

167 Devy-Vareta et al., (s.d.): 7.

168 Veja-se por exemplo as indicações de Maia, 1994: 26-39. 169 Guillerme, 1983: 175.

desaparecerão sob estacarias e encanamentos, como acontecerá na zona da futura rua Fernandes Tomás, ou na conhecida construção da rua Mousinho da Silveira, ligando a plataforma mais elevada do largo da Porta de Carros (em frente à atual Estação de S. Bento), à rua Nova dos Ingleses, na zona ribeirinha e daí, à Praça da Ribeira. O movimento de enterramento de zonas pantanosas, lamacentas ou consideradas entretanto inúteis – antigas valas de muralhas, moinhos hidráulicos, ribeiras inutilizadas para consumo humano devido aos excrementos e intensas atividades de tipo industrial, entre outras – é prática conhecida no urbanismo ocidental, efetuada faseada mas consecutivamente, entre os finais do século XVIII e os meados do século XIX170. No caso português, será um processo com início e fins mais tardios, mas seguindo os mesmos princípios gerais.

O avanço do século XIX forçará a densificação populacional para norte, leste e oeste da zona ribeirinha, como atrás já avançámos, sendo tal dinâmica urbana bem atestada pela observação da FIGURA ‎1-6, abaixo, onde se verifica a concentração de poços na cidade. Confira-se que, a norte e este, se concentram poços nas freguesias de Santo Ildefonso, Bonfim e Campanhã; enquanto a oeste, se sucedem marcas nas freguesias da Vitória, Miragaia, Cedofeita, Nevogilde, Lordelo do Ouro, Foz do Douro…

170 Guillerme, 1983: 228.

FIGURA ‎1-6: Poços na cidade do Porto inventariados no estudo de Carteado Mena (1908)171

Na época que nos ocupa – entrada do século XIX – mantêm-se como pólos atrativos da população urbana, o monte da Sé e seus espaços limítrofes a oeste (W) (zona de Miragaia) e a este (E), as escarpas dos Guindais; mas já se iniciou um visível movimento de expansão urbana que seguiria eixos já conhecidos de ligação à zona circundante, entretanto melhorados ou renovados. Distinguem-se as ruas de Santo Ildefonso ou Direita (na freguesia de Santo Ildefonso, a nordeste da Sé), dos Quartéis (atual rua D. Manuel II, zona da freguesia de Miragaia, a noroeste da Sé), do Almada e de Santa Catarina (a norte e nordeste da zona da Sé)172. Nos decénios seguintes, a freguesia da Sé cederá o posto de ‘mais densamente povoada’ às freguesias de Santo Ildefonso, a norte; e de Cedofeita; a noroeste.

171 Devy-Vareta, et al., (s.d.): 4.