• Nenhum resultado encontrado

2. DOCUMENTOS E MÉTODO OBJETIVOS PERSEGUIDOS 57

2.1 Fontes e método 57

2.1.1 Coerências e ruturas nas séries documentais: censos e cartas topográficas urbanas 57

2.1.1.4 Panorama sobre o Porto em 1832 68

Central para o nosso estudo, pela minuciosidade e riqueza de informação aportadas, foi o Recenseamento da cidade do Porto efetuado provavelmente entre 1832/34, com a finalidade de aquartelar (aboletar) os combatentes liberais que com D. Pedro haviam desembarcado no Mindelo, em Julho de 1832 – os chamados Livros de Recenseamento dos Bairros de Cedofeita, Stª Catarina e Stº Ovídio, para aboletamento de oficiais228. Listando um total de sete mil, oitocentos e vinte e oito (7828) registos (a unidade ‘registo’ corresponderia, em princípio, a alojamento e/ou fogo), distribuídos por cerca de sete mil, quatrocentos e dezoito (7418) edifícios, edificados em duzentos e oitenta e três (283) artérias, o censo cobre uma população de cinco mil, seiscentos e vinte e dois (5622) residentes, registados enquanto cabeça de casal ou representantes do alojamento em causa.

O recenseamento apresenta um pormenorizado conjunto de informações sobre a cidade do Porto, permitindo um trabalho de análise micro-histórica. Como acima se mencionou, listaram-se quase três centenas artérias dos então três bairros administrativos existentes, os de Santa Catarina, Santo Ovídio e Cedofeita229. Não se

226 Cordeiro, 2002: 209-211.

227 Hohenberg, e Lees, 1985: 293, por exemplo.

228 Arquivo Histórico Municipal do Porto/AHMP, cotas 2038, 2037, 2039, respetivamente.

Aproveito para deixar o meu agradecimento ao Professor Doutor Gaspar Martins Pereira, que primeiro me indicou este núcleo documental.

229 O bairro de Santo Ovídio respeitava à zona norte da cidade, o bairro de Santa Catarina, à

zona leste da mesma, acompanhando a margem do rio Douro, o bairro de Cedofeita cobria a zona oeste da cidade, acompanhando a margem ribeirinha, até perto da foz do rio. A divisão da cidade em três bairros, ou distritos, para “efeitos da administração da justiça criminal e segurança pública”, foi efetuada por D. Pedro, em Decreto de 4 de Dezembro de 1832. In

distinguiram ruas, praças, travessas, escadas, vielas ou becos: a informação cobria até sítios sem nome, desde que com prédios urbanos construídos230, como por exemplo, “Sitio Sem Nome, ao lado do Hospital da Cordoaria” (FIGURA ‎2-1).

“Apêndice à segunda série de legislação. Anno de 1832. Dec. (4. Dez. 1832) determinando a divisão da cidade do Porto”, in Collecção de Leis 1829 até Ag. 1834, Lisboa: Imprensa Nacional, p. 255.

230 Entendidos estes como “construções para fins habitacionais e comerciais ou industriais e de

serviços”, dentro das definições avançadas pelo Conselho Superior de Estatística em http://smi.ine.pt/Conceito/Detalhes/6895, consultado em Junho de 2015.

Registaram-se os números de polícia de cada edifício, a respetiva cércea231, a existência de cavalariças e dimensão das mesmas. Em espaço urbano, a existência de cavalariça, se pertença clara dum edifício, seria apanágio das estalagens ou casas de burgueses, negociantes, nobilitados ou titulares232. No nosso caso, em que a peça documental-chave é fruto de necessidades logísticas de tipo militar – aboletamento –, a indicação de existência de ‘cavalariças’ é frequentemente associada a quartéis, pré- existentes ou assim assumidos ad-hoc, na adaptação pontual de edifícios, parte de edifícios ou alojamentos.

A informação enriquece-se em detalhes, fornecendo o nome do morador, cabeça- de-casal e/ou representante do alojamentos de cada fogo da habitação, respetiva ocupação, naturalidade. Existe ainda um campo de “Observações”, onde se registariam indicadores variados: o estado de conservação da habitação (“arruinada” ou “em parte demolida”, por exemplo); a sua qualidade (“casa inferior”, “casa muito ruim” ou “casa

231 Utilizamos aqui o conceito de cércea como sinónimo de altura do edifício, definido e

aprovado pelo Conselho Superior de Estatística: “dimensão vertical medida desde a cota de soleira até ao ponto mais alto do edifício, incluindo a cobertura e demais volumes edificados nela existentes, mas excluindo chaminés e elementos acessórios e decorativos, acrescida da elevação da soleira, quando aplicável.” In http://smi.ine.pt/Conceito/Detalhes/4024 ,

consultado em Maio. 2015. Esta indicação de altura do edifício surgia em campo separado na documentação, intitulado “Andares”, e onde se distinguiam “L” como “loja, ou casa térrea”; e “1.2.3.4.” como andares ou, mais corretamente, pisos da casa. Foi necessário desambiguar uma série de códigos existentes, muitas vezes por via do próprio reconhecimento no terreno urbano: o nº 24.25 da Rua de Santo António, lado esquerdo, era indicado no campo “Andares” como “L, 3”; indicação que, na realidade, indicava para “altura do edifício”, quatro (4) andares/pisos (sendo que entendemos por piso, “cada um dos planos sobrepostos e cobertos nos quais se divide um edifício e que se destinam a satisfazer exigências funcionais ligadas à sua utilização.”, sendo exemplos, “o rés-do-chão, as caves, subcaves e águas furtadas habitáveis ou utilizáveis” in http://smi.ine.pt/Conceito/Detalhes/6331 , consultado em Maio. 2015).

Frequentemente, forneciam-se outras indicações neste campo de “Andares”, como por exemplo, “águas furtadas” (nº 90.91 da Rua da Aguardente, com um (1) andar/Piso indicado); “soto” ou “sótão” (nº 145.146 da Rua do Almada, com um total de três (3) pisos mencionado: “L, 2”); entre outras. Assumimos “soto” como termo utilizado como versão popular de “sótão”, confirmado por exemplo em http://www.dicio.com.br/soto/, consultado em Agosto. 2014 e portanto, algo próximo do que seria a apropriação para fins de habitação ou de utilização duma zona do edifício – portanto, serviria funcionalmente também como um piso.

palaçada”, por exemplo); a condição socioeconómica dos habitantes de alguns dos fogos e/ou edifício (“ilha”, “pobreza”, ou “aqui, oito caseiros pobres”, por exemplo); ou ainda informações sobre a ocupação/desocupação do edifício, devido ao abandono dos moradores no contexto de guerra que se vivia e causas do mesmo. Mais, informa-se da situação de cada habitação, por exemplo, “fechada” (e portanto, daí decorreria ausência de informações registadas quanto à ocupação humana da mesma).

Na construção das tabelas das bases de dados que efetuámos, tentou-se distinguir o tipo de informações fornecidas, gerando dois campos, um de “Indicadores sócio habitacionais” e um de “Características da habitação”, respetivamente para descrição socioeconómica do edifício (por exemplo, “barraca”, “casa palaçada”) e para funções residenciais/ocupacionais/de utilização e apropriação de espaço urbano (por exemplo, “forno de cozer pão”, “casa do Paço do Conselho”, “ninfas”, entre outros).

A análise da totalidade da documentação sugere que a cobertura pretendeu ser exaustiva, já que, além de entradas dos prédios urbanos, se registam quintais, zonas de casas por acabar, prédios demolidos, zonas de armazéns, entradas de prédios fechadas, quintas, entre outros. Mesmo ao nível da própria informação dentro de cada prédio urbano, a desagregação de dados é muito evidente: “estes (José e sua mulher), em parte da casa, o resto, vazio”; informação fornecida num dado prédio: referem-se “nos baixos, (porque) os altos, fechados”; Manuel Rodrigues “vive em parte da casa e aluga a outra parte”; informação fornecida para os pisos “2º e 3º, o 1º e 2º, com caixeiros pobres”; informação fornecida para o “2º andar, os outros, vazios”; e assim por diante.

Muita informação não é, no entanto, sinónimo de informação sistemicamente completa. Verificámos que à informação física não correspondia respetiva informação sociodemográfica. Na amostra de cerca de oito mil (8000) alojamentos, emergiu a imagem de duas (2) matrizes de dados. Uma, relativamente completa, em que à informação física respondia uma informação sobre os representantes de alojamento; a outra, bastante menos complementada, em que à informação física era ligada informação bastante esparsa quanto a ocupação humana. Nesta última situação encontravam-se cerca de ¼ dos casos, i.e., 2097 registos sem qualquer representante de alojamento (ANEXO D, QUADRO D-1 e respetivo comentário). O trabalho efetuado sobre a informação teve em conta o impacto desta matriz ‘esparsa’ nos resultados, sendo que, sempre que necessário, foi devidamente mencionada.

Tomemos a rua do Bonjardim como exemplificativa de alguns dos procedimentos exercidos aquando do recenseamento e que ditaram opções de análise:

a) os indivíduos que eram oficiais do exército foram registados, mas não lhes foi atribuída classe de habitação. Ou seja, as respetivas habitações não eram tidas como elegíveis para o aboletamento. O mesmo acontecia com os estrangeiros;

b) do cruzamento de listas de origem diversa (deduzimos nós), resulta que uma razoável proporção dos inquiridos ‘respondia’ duas ou mais vezes, originando uma identidade pessoal georreferenciada dupla ou triplamente, na cidade. Na maior parte dos casos, a repetição acontecia pela separação de lugar entre local de trabalho e residência, sendo que não raro, uma seria em frente à outra: veja-se o exemplo de António Coelho Rocha, negociante de peso que, na rua do Bonjardim, responde ao recenseamento na sua residência (nº 144.146, com dois pisos, de 3ª classe) e na sua loja, defronte (nº 359 A.C, loja de 3ª classe). Obtivemos um total de 299 indivíduos registados em 2 locais na cidade;

Outros, chegavam a ‘responder’ triplamente ao recenseamento (num total de 7 indivíduos): o negociante de peso António Luís Gonçalves ‘respondia’ na rua de Santo António, nºs 1.2, prédio de dois pisos, de 3ª classe (aqui, seria sua residência), tendo loja na rua de Porta de Carros, nº 70.72, sem classe habitacional atribuída, sendo que ainda no nº 7 da mesma rua era de novo mencionado (provavelmente, outro armazém). Ocorrendo aqueles e estes casos numa proporção não negligenciável233 e sendo um grupo importante pela prova de separação de espaço laboral e doméstico, decidimos tratá-los utilizando um único “Nº de morador”, repetido no campo do alojamento quando necessário

c) o género era uma forte linha de divisão social e jurídica. As mulheres que foram registadas, foram-no enquanto cabeça de casal ou representantes do alojamento. Distinguia-se o seu estado civil, indicava-se a sua condição de viuvez ou de solteira.

Surgem elas nos dois extremos da escala de rendimentos, ou na “pobreza”, ou como “proprietárias” (informações escritas na fonte, ao lado do texto).

Na ponta superior da escala de rendimentos, surgem as “proprietárias”, assim unicamente mencionadas, ou indicando precisamente, “desta casa”.

A situação de pobreza, relativa ou extrema, é quase sempre associada ao exercício da ocupação de “meretriz” e ao estado civil de solteira. Das cento e trinta e três (133) meretrizes ou “ninfas”, “públicas” e “mais particulares”, que em Fevereiro de 1833 se arrolam para o bairro de Santo Ovídio234, conseguimos cruzar diretamente com o censo habitacional de 1832 apenas três (3) casos. São indicadas como solteiras e vivem em casas térreas classificadas como de 4ª classe. Todos os outros cruzamentos, indiretos, indicavam “ilhas e pobreza”, “mizéria” (FIGURA ‎3-23 e comentário, ponto ‎3.1.4).

O estado civil de viuvez propiciava a possibilidade do exercício de uma ocupação, por uma, de duas vias: ou a ocupação derivada daquela detida pelo falecido cônjuge; ou uma ocupação diretamente associada ao género: respetivamente, azeiteira, casa de comer, ferreira, armadora, marchante, tendeira, vendeira, estalajadeira… ou costureira, modista, adeleira, parteira, enfermeira, hospitaleira, bacalhoeira, entre outras.

Na totalidade dos registos efetuados em 1832 (listagem abrangente da fatia populacional que, no Porto, seria cabeça-de-casal de fogo ou representante de alojamento face ao inquiridor) as mulheres representam 22%, valor relativamente próximo àqueles que, quase duzentos anos antes, salvo os devidos ditames da produção documental e da amostra, Francisco Ribeiro da Silva encontra para a existência de mulheres no tecido produtivo da cidade – cerca de 31%. “Os factos enunciados indicam que à mulher era conferida maior importância social do que aquela que se supõe. Aliás, há indícios de que o sexo feminino era numeroso relativamente ao masculino”235.

Os exemplos acima enunciados e a trabalhosa exposição informativa que os três grossos livros do recenseamento nos apresentaram, sugeriram algumas advertências ao investigador. Sabemos que a produção final do censo resultou dum cruzamento de várias listas circunstanciadas, livros de informações paroquiais, informadores diversos, num trabalho que se estendeu entre meados de 1832 e primeiro quartel de 1834236.

234 Lista das mulheres meretrizes existentes no bairro de Santo Ovídio, Arquivo Histórico

Municipal do Porto/AHMP, in Maço 6041.

235 Silva, 1988: 230.

236 Em Fevereiro de 1834 uma portaria manda cessar completamente o aboletamento em casa

dos habitantes de Lisboa (Colecção de leis desde 1829 até Agosto de 1834. Lisboa: Imprensa Nacional, s.d., pp. 129-130) e tais disposições tornam-se extensíveis à cidade do Porto em Abril de 1834 (Colecção de leis desde 1829 até Agosto de 1834. Lisboa: Imprensa Nacional, s.d., Portaria de 16. Abril. 1834, p. 49).

O ponto de partida deste arrolamento da cidade fez-se a partir das diligências desenvolvidas pela Comissão de Recenseamento e Aboletamento, entretanto criada após entrada do exército liberal na cidade do Porto, em Julho de 1832237. Tal Comissão, trabalhando sob os desígnios da Comissão Municipal da Cidade do Porto, deveria recolher, coligir e elaborar “listas circunstanciadas e exactas dos nomes de todas aquelas pessoas que se têm ausentado d’esta cidade por ocasião da entrada do Exército Libertador, casas em que habitavam, ruas, e números d’elas”238. Deveria ainda requisitar os livros de ‘Róis de Confessados’ aos párocos da cidade do Porto, chamando também informadores que “melhor os esclareçam sobre o número e qualidade dos aquartelados que qualquer (um) poderia ter em sua casa”239.

A análise da construção deste fundo documental corroborou a ideia duma multiplicidade de informações, recolhida a partir de fontes diversas, propiciando uma coleção de dados em que decerto muitas sobreposições, diversidade de informações e critérios e conceitos utilizados, ocorreram. Não por acaso, tivemos de destrinçar quase três centenas de repetições de arrolamento dum mesmo indivíduo, recenseado em dois, ou mais, pontos da cidade, como já tivemos a ocasião de aludir; situação especialmente frequente nos casos em que residência e local de trabalho não eram pontos geograficamente coincidentes.

237 Organismo instituído por resolução régia a 26. Julho. 1832 (in Copiador 13. Governo, 1826-

1832, Arquivo Histórico Municipal do Porto/AHMP, fl. 119), com membros propostos e nomeados pela Comissão Municipal da Cidade do Porto (esta, formada a 9. Julho. 1832, data da entrada de D. Pedro e do exército liberal no Porto, para substituir provisoriamente a Câmara Municipal).

238 Vereações, 1832-34, Arquivo Histórico Municipal do Porto/AHMP, fl. 45v. De facto, na

documentação analisada, existe uma série de informações, reunidas no campo “Observações”, sobre indivíduos que se haviam ausentado da cidade, fugindo aos bombardeamentos; sobre casas “sequestradas” a moradores “fugidos para os rebeldes”; anotaram-se dados sobre nomes e patentes de militares aboletados no edifício, com datas de entrada e saída; bem como indicações sobre indivíduos “retirados” de uma morada para outra, devido às destruições do cerco militar então vivido.

Não temos a certeza de quantas e quão aturadas informações foram verificadas in situ. Nem sabemos se os percursos que as listagens de artérias urbanas deixam entrever, foram previamente, total ou parcialmente delimitados240.

Sabemos, sim, que o agrupamento de artérias efetuado no censo foi realizado de novo, dividindo freguesias antes unidas, mercê da nova divisão administrativa da cidade do Porto: a criação dos três bairros administrativos atrás mencionada ocorreu apenas por decreto de 4. Dezembro. 1832241, enquanto se procedia ao coligir de informação (entre meados de 1832 e meados de 1834, já acima referimos). O fracionamento de informação antes coligida de forma unificada, deve ter introduzido alguma instabilidade e favorecido a heterogeneidade terminológica.

A abordagem à representatividade das informações recolhidas forneceu, não obstante, um panorama promissor: se excluíssemos os casos em que havia ausência de informação sobre os edifícios na artéria242 “classe de casa”, “observações” ou “indicadores socio-habitacionais”, “características”, o resultado obtido em termos de proporção de conhecimento sobre o habitat, por artéria, era bastante completo243 (ANEXO E, FIGURA E-1).

Também a análise da consistência de informação relativamente às artérias registadas revelou um levantamento apurado, quando confrontados os livros do recenseamento, com os mapas das assembleias eleitorais de cada círculo/freguesia de 1822244 e com a consulta de fontes cartográficas coevas245. Evidentemente, a dinâmica

240 Tal como acontecia em certas cidades francesas, para a recolha de impostos, por exemplo. in

Zeller, 1983: 38-39.

241 Apêndice à segunda série de legislação. Ano de 1832. (Dec. 4. Dez. 1832, “determinando a

divisão da cidade do Porto”), in Colecção de leis desde 1829 até Agosto de 1834. Lisboa: Imprensa Nacional, s.d., pp. 255-258.

242 Quando, por exemplo, se menciona apenas “traseiras da rua”, ou “pobres”, entre outros

exemplos, num total de 134 casos.

243 Média: 86,3%; Mediana: 89,2%; Quartil 1: 80%. In ANEXO E, FIGURA E-1. 244 Borboleta Constitucional, 1822, nº 229, 11 de Outubro, Porto: Imprensa do Gandra.

245 Balck, George - Planta da cidade do Porto. 1813 (Porto: AHMP, s.d.); Planta da cidade do Porto e arredores, com localização das fortificações liberais e miguelistas durante o Cerco do Porto. Litografia inglesa, espólio do Arquivo Histórico Municipal do Porto/AHMP (Porto: Ed. Câmara Municipal do Porto, 1982); e Andrade, Monteiro de (compil. de) -

de construção e ocupação do espaço citadino ao longo do tempo comporta um grau de incerteza inevitável, quanto aos registos; mas, dentro dos cruzamentos de informação possíveis de serem realizados, o acervo documental assumiu contornos de segurança relativa.

Fornecia o recenseamento de 1832 os elementos necessários para realizarmos uma aproximação global ao alojamento portuense nesta época?

Já atrás aludimos ao facto de que o estudo do parque imobiliário nunca é fácil. As imprecisões – ou mesmo, falsificações - que afetam todos os tipos de recenseamento, tornam duvidoso o conjunto das informações, repercutindo-se sobre o conhecimento do alojamento, da população, do emprego246.

Numa tentativa de sensibilização ao espaço em causa e de perceção dos (i)mobilismos urbanos, fizemos abordagens variadas, inclusive de tipo etnográfico, com a respetiva produção escrita e visual247, a algumas áreas do mesmo, em amostras selecionadas por intenção. Explorámos meia dezena de artérias do centro medieval portuense, selecionadas pelo carácter reconhecidamente tradicional na cidade, na encosta do morro da Vitória. Âmago da urbe, seriam dos sítios mais improváveis de ocorrerem grandes mudanças, mercê da antiguidade da ocupação humana e dos loteamentos. Foram elas a rua da Ferraria de Baixo (atual rua do Comércio do Porto), o largo de S. Domingos, a rua e o largo de S, João Novo e a rua de Belomonte. Comprovámos que, cento e oitenta anos depois, os números de polícia haviam mudado drasticamente, não tendo a autora conseguido detetar correspondência alguma. Outras verificações foram efetuadas, devidamente exploradas no capítulo 3, ponto 3.1. (Condições de vida urbana portuense…, Alojamento); deixando nós aqui, por agora, a perceção duma manutenção dos traços populares e costumeiros, a par duma degradação reconhecida na atualidade citadina.

Plantas antigas da cidade (séc. XVIII e primeira metade do séc. XIX). Porto: CMP/Gabinete de História da Cidade, 1943, concretamente, planta de J. Costa Lima.

246 Zeller e Gauthiez, 2010: 197-230.

247 Dados recolhidos em Agosto. 2010 e 2014, nas Ruas do Comércio do Porto (ex-Rua de

Ferraria de Baixo), Largo de S. Domingos, Rua de S. João Novo, Largo de S. João Novo, Rua de Belomonte, analisadas no capítulo 3 (Condições de vida urbana portuense…, Alojamento) e ainda no ANEXO P, QUADRO P-1.

A metódica e exaustiva recolha de dados comportava certas especificidades intrínsecas à construção dos censos que, paradoxalmente, levantou alguns problemas de cobertura da malha urbana. Com frequência, assentava-se a presença de edifícios, mas omitia-se a sequência exata de entradas – e respetivos números de polícia, por exemplo - de prédios urbanos, fazendo com que surgissem omissões de dados preciosos para que as sequências quantitativas de informação ficassem completas. Os exemplos auxiliam a compreensão da questão. As indicações são tão díspares, como “cinco lojas fechadas”, ou “sete casas, fechadas e arruinadas” numa qualquer área da cidade. Para os nºs “1 a 26” da rua dos Mercadores, indica-se apenas "armazéns. Traseiras da rua de S. João”, acontecendo algo similar para os nºs “75 a 80” da mesma rua (“armazéns”). Lacónicas indicações de “arruinadas” ou “demolidas” para quantidades de prédios urbanos difíceis de definir (exemplo: nºs "40 a 55" na rua da Ponte Nova); “barracas com pobreza”; “casas por acabar”, “casas térreas com pobreza”, entre outras; abrangendo extensões de artérias não passíveis de virem a ser analisadas de forma sistemática e com critério de quantificação uniforme.

Quando se indica "armazéns", ou "traseiras da rua de …", de quantos prédios urbanos estamos a falar? Esta questão abalou o critério de uniformidade ‘um registo, uma unidade’; mas acabámos por assumir tais exceções, como entidades próprias e tratá-las, agrupando-as na sua dimensão - um registo para várias unidades, passíveis de não quantificação, mas com informação qualitativa valiosa. Indicámos a especificidade do assento sempre que considerado necessário. Por outro lado, tentámos seguir o raciocínio da fonte: se a preocupação era a de aboletar (alojar, portanto), então, tratava- se de buscar essencialmente espaços para um possível alojamento. Estas ausências de