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2. DOCUMENTOS E MÉTODO OBJETIVOS PERSEGUIDOS 57

2.1 Fontes e método 57

2.1.1 Coerências e ruturas nas séries documentais: censos e cartas topográficas urbanas 57

2.1.1.2 Panorama sobre o Porto em 1808 63

A Contribuição de Guerra – 1808210 deriva da aplicação do decreto de Junot de 1. Fevereiro. 1808, impondo uma contribuição extraordinária de guerra, aplicável às corporações de ofícios mecânicos e ao comércio a retalho (“loja aberta e lugares de venda”, artº 20º)211.

Consiste o fundo documental numa listagem de dois mil, duzentos e oitenta e nove (2289) mestres das corporações de ofícios existentes e dos donos de lojas e vendedores de rua, organizada por atividade comercial/ofício (por exemplo, “loja aberta no ofício de alfaiate”) e rua, logradouro212, zona urbana ou extraurbana – lugar, freguesia, entre outros - ou mesmo vilas extramuros, como Vila Nova de Gaia.

Recenseando um total de cento e setenta e três (173) designações no espaço urbano portuense e arredores, incluem-se em tal listagem artérias e lugares do espaço urbano, completando cento e cinquenta e seis (156) casos; quinze (15) freguesias intra e extramuros e duas (2) povoações limítrofes, Valbom e Vila Nova de Gaia. Embora o concelho do Porto abrangesse sete (7) freguesias213, difícil é destrinçar da malha económica outras, tão intimamente ligadas, como as freguesias de Campanhã e Paranhos, contíguas; ou as de Santa Marinha ou Mafamude, do outro lado do rio.

O rol inclui assim dois tipos de informação diversa, embora complementar: por um lado, temos o nome de cada mestre inscrito em cada uma das trinta corporações de

210 Arquivo Histórico Municipal do Porto/AHMP, cota 2024.

211 Texto existente em J. Acúrsio das Neves - História geral da invasão dos franceses em Portugal e da restauração deste reino. Lisboa, Of. de Simão Tadeu Ferreira (2ª ed., Porto: Ed. Afrontamento, s.d. [Col. “Obras Completas de José Acúrsio das Neves”, I e II], 1811-12, pp. 326-332).

212 “Logradouro significa aquilo que pode ser logrado, usufruído ou desfrutado por alguém. Em

Urbanismo, logradouro é um espaço público reconhecido oficialmente pela administração de cada município. São os espaços livres como as ruas, avenidas, praças, jardins, etc., destinados ao uso comum dos cidadãos e à circulação de veículos.” http://www.significados.com.br/logradouro/, consultado em Julho. 2014; “Espaço público comum que pode ser usufruído por toda a população” http://www.priberam.pt/DLPO/default.aspx?pal=logradouro, consultado em Julho. 2014.

213 Na entrada do século XIX, o concelho do Porto era constituído por sete freguesias, intra e

extramuros: Sé, S. Nicolau, Vitória, Santo Ildefonso, Miragaia, Cedofeita e Massarelos. Borboleta Constitucional, 1822, Nº 229 (11. Outubro), Porto: Imprensa do Gandra.

ofícios mecânicos então oficialmente existentes na cidade, que tivesse loja aberta, e respectivo pagamento a que foi obrigado (de forma não sistemática, é mencionada a localização, na cidade, da sua oficina). A construção documental desta sub-lista foi realizada a partir das informações dos juízes da respetiva corporação, sendo a informação confirmada pelo procurador da cidade. Lamentavelmente, não há indicação alguma acerca do número de oficiais e aprendizes ligados a cada mestre. De igual forma, ofícios mecânicos que não estivessem inscritos nas corporações de ofícios são ignorados nesta sub-relação, embora surjam eventualmente mencionados na listagem das lojas de venda.

Por outro lado, a listagem fornece-nos uma localização topográfica dos pontos de venda urbana ao público, dos artigos aí comercializados, do nome dos donos da loja ou tenda, seu ofício, produção ou tipo de artigo comercializado e a quantia paga relativa a tal imposto, a partir do levantamento efetuado pelo juiz da quadrilha responsável pela zona.

Não há forma de calcular da fiabilidade da informação fornecida: para os mestres dos ofícios tratados, podemos inferir de um grau razoável de exatidão, mercê do facto de que o procurador da cidade que confirmava as informações dos juízes das corporações ser um reconhecido colaboracionista do poder francês214. Para a listagem das lojas e tendas, apenas ao juiz de quadrilha, próximo que este tipo de personagem era dos habitantes, competia a informação recolhida, estando-nos vedada qualquer hipótese a testar de eventuais favores concedidos – a cobrança de um imposto seria certamente um momento difícil e portanto, o documento que até nós chega é o resultado de um processo de que não podemos apurar os trâmites. Alguns indicadores fornecem promissora segurança na exatidão da recolha de dados: com alguma frequência, há lojas mencionadas como estando “fechadas”215. O critério relativo à atividade comercial utilizada pelos autores da documentação é, também ele, de consistência duvidosa. Nos vinte e seis bairros abrangidos pelos vários juízes de quadrilha, alguns há que incluem profissionais liberais; outros, ofícios mecânicos; nalguns casos, surgem indicados negociantes dependentes da Junta de Comércio e portanto, já taxados por listagem construída seguindo as indicações do artigo 2º do acima citado decreto de 1. Fevereiro.

214 In Moura, 1989: 45.

215 Exemplo de loja de serralheiro, posse da viúva Josefa Teresa, na Ferraria de Cima, que é

1808. (pusemos a hipótese destes indivíduos associarem o comércio por grosso, à venda a retalho). A alguns dos tipos de loja eram atribuídas classes diversas de pagamento, bem como em casos não menosprezáveis, uma loja dedicava-se a duas atividades comerciais não afins216. Para um tratamento mais legível das informações recolhidas, foi necessário o agrupamento das lojas em atividades afins e casos como o descrito imediatamente atrás, foram tratados por via da inserção da loja no grupo para o qual apontava a sua contribuição individual. Neste ponto, seguimos de perto as opções tomadas por um trabalho anterior que também se chegou a debruçar sobre este fundo documental217, aproveitando em momentos vários, devidamente assinalados, informações do mesmo. Ainda há o facto de não conseguirmos distinguir as lojas propriamente ditas, das tendas ou vendedores ambulantes. Sabemos que as artérias urbanas oitocentistas incluíam lojas abertas a par de uma multitude de tendas na própria artéria, e esta mistura surge plasmada na documentação.

Não é também, sistemática, nem segue o mesmo critério, a indicação topográfica da loja ou tenda: por vezes, menciona a artéria, outras, a zona a que o vendedor estava adstrito (casos das menções de lugares, freguesias, ou de povoações próximas – como acima mencionámos); outras vezes, ainda, nada é mencionado.

Surgem ainda casos de oficiais mecânicos listados em zonas ou freguesias externas ao casco urbano, concretamente, no que toca aos enxambladores e pedreiros.

Os critérios topográficos variados levaram-nos a utilizar, para uma leitura das informações, as unidades diversificadas de “artéria”, “zona”, “freguesia” ou “indeterminado”. O quadro revelado foi, não obstante, rico em termos de um esquiço de promessa de estabelecimento de modelos de concentração e dispersão da geografia económica do Porto.

216 Exemplo: “loja de bacalhau e miudezas”, na Ribeira. 217 Moura, 1989