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Co-gasificação de carvão com resíduos

1 Introdução

1.4 Sistemas de gasificação e de co-gasificação

1.4.8 Co-gasificação de carvão com resíduos

Aproveitando a experiência obtida com a gasificação de carvão e de biomassa, recentemente tem sido proposta a co-gasificação destas duas espécies. Deste modo seria possível aproveitar as características complementares de cada combustível e assim melhorar o rendimento do processo envolvido na sua gasificação conjunta em comparação com a utilização separada.

Na realidade como já foi afirmado anteriormente as características dos processos e dos produtos de gasificação são diferentes para o carvão e para a biomassa, mas a utilização destas misturas pode originar as seguintes vantagens:

• aproveitamento das características diferentes de cada combustível.

• possibilidade de gasificar em misturas alguns combustíveis que normalmente não são usados isoladamente devido às suas características adversas: composição, teor em cinzas, quantidade disponível.

• ajuste das proporções dos componentes na mistura a gasificar para optimizar as características dos produtos obtidos.

• maior flexibilidade intrínseca ao processo de gasificação permitindo a substituição parcial de um dos componentes da mistura sem serem necessários grandes ajustes ao equipamento ou às condições do processo.

• possibilidade de substituição sazonal do tipo de biomassa usada sempre que exista uma maior disponibilidade de outra variedade.

Estes benefícios podem ainda ser alargados se considerarmos a possibilidade de inclusão na mistura de quaisquer tipo de resíduos combustíveis, pois poderão contribuir para o processo de gasificação reduzindo a dependência relativamente a combustíveis tradicionais. Mesmo em situações em que o benefício económico seja reduzido existirá sempre o benefício ambiental devido ao aproveitamento energético dos resíduos e à redução das quantidades depositadas em aterros. Para além da biomassa, outros resíduos poderão ser gasificados tais como: resíduos sólidos urbanos, resíduos plásticos, as lamas provenientes das estações de tratamento de águas residuais, óleos alimentares usados, etc.

Alguns dos trabalhos de co-gasificação têm sido dirigidos para o aproveitamento de carvões pobres ou cujas características impedem a sua utilização de um modo económico ou ambientalmente aceitável, segundo as tecnologias tradicionais. As conclusões destes estudos têm sido positivas indicando a viabilidade técnica destes processos.

1.4.8.1 Co-gasificação de carvão com biomassa

O trabalho de Pan Y.G et al., 2000, envolveu o estudo da gasificação de misturas de biomassa residual com dois tipos de carvões pobres de Espanha. Ensaios efectuados usando misturas de ar e vapor na co-gasificação a 840–910ºC indicaram que a presença de 20 a 40% de

biomassa aumentava a eficiência da gasificação do carvão. Consoante o carvão e a fracção de biomassa era possível obter uma produção de gás de 1,7 a 2,3 vezes superior assim como um poder calorífico cerca de 20% superior ao obtido com a gasificação de carvão isoladamente.

Estes resultados foram considerados muito promissores pois indicaram um dos rumos a seguir na pesquisa de fontes alternativas de energia através do aproveitamento de reservas já conhecidas usando uma tecnologia inovadora.

Resultados promissores foram também obtidos por Wiebren de Jong et al., 1999 ao estudarem a co-gasificação de diferentes tipos de biomassa (palha e “miscanthus”) com carvão usando misturas ar/vapor num gasificador pressurizado. Usando temperaturas na gama 765–905ºC foram obtidas misturas gasosas de baixo poder calorífico que eram em seguida sujeitas a combustão num sistema pressurizado acoplado. Foi estudada uma gama alargada de razões de equivalência, entre 0,4 e 0,97 e de razões vapor/combustível entre 0,09 e 2,06 kg/kgssc. Usando razões de equivalência de cerca de 0,4 foi possível obter gases que podiam ser queimados adequadamente no sistema acoplado, sendo obtidas conversões de carbono superiores a 80%. Os autores verificaram ainda na co-gasificação uma redução da conversão de azoto do combustível para NH3. Nas condições de operação não foi observada qualquer sinterização no leito.

Pratola F. et al., 2002 estudaram a co-gasificação de biomassa e carvão num sistema de Ciclo Combinado Integrado com Gasificador. O gasificador a funcionar segundo a tecnologia de leito fixo em contra corrente usava ar e vapor como agente de gasificação, tendo sido estudado o uso de ar enriquecido em oxigénio para reduzir a necessidade de remoção de azoto a jusante do sistema. Este sistema incluía uma unidade de co-geração de energia para uma capacidade nominal de 700 kg/h de combustível e uma eficiência de gasificação superior a 90%. O produto intermédio era um gás de síntese com baixo PCS (4,5 MJ·Nm-3) e um caudal de 1300 Nm3·h-1, tendo na sua composição 17 % H2, 25% CO e 1,5% CH4. Neste sistema o gás era submetido a uma limpeza por precipitação electrostática e “wet scrubbber” ficando com um teor em alcatrões inferior a 10 mg/Nm3. Após uma dessulfurização para a remoção de compostos com enxofre, o gás era submetido a uma conversão por reacção com vapor sobreaquecido, dando-se a reacção de “water- gas shift” (1.7) com conversão quase total do CO em CO2 e enriquecimento em H2. Este processo era efectuado em duas etapas a diferentes temperaturas, sendo o teor de CO reduzido a 1–2%. Finalmente esta gás era purificado, sendo removido o CO2 por processos químicos (por absorção em aminas) e físicos (usando remoção com metanol1). A água era removida por condensação sendo obtido um gás com cerca de 80% de H2 que era alimentado a um motor de combustão interna. A eficiência global do processo era de cerca de 40–45%.

Reinoso et al., 1995 efectuaram estudos de co-gasificação de carvão com biomassa em duas instalações de leito fluidizado, uma com 1,7 e outra com 2 MW de potência. Nestes estudos usaram uma lignite e uma antracite provenientes de Espanha. Embora quer a biomassa quer os carvões

1 O processo “Rectisol” de absorção com metanol baseia-se no facto de o CO

2 e outras impurezas como o H2S serem muito solúveis em metanol frio enquanto outros gases como H2, CO ou CH4 são relativamente insolúveis. A selectividade do processo aumenta a temperaturas negativas, sendo usados valores da ordem de –40ºC (Probstein et al., 1982).

pobres utilizados fossem difíceis de gasificar separadamente, a co-gasificação verificou-se vantajosa pois era possível contrabalançar mutuamente as características dos combustíveis. A biomassa, apresentando um elevado teor em matéria volátil e baixos teores de cinzas e enxofre, facilitava a gasificação dos carvões que possuíam teores elevados em enxofre e cinzas assim como um baixo teor em matéria volátil.

Maurer et al., 2002 referem um projecto piloto de gasificação de carvão e biomassa em operação em Itália desde 1998. O reactor tem 1,3 m de diâmetro e usa a tecnologia de leito fixo, com misturas de ar e vapor para gasificar uma gama larga de combustíveis desde biomassa sob a forma de estilha até “pellets” de carvão/biomassa. Devido à maior reactividade da mistura biomassa/carvão e ao teor mais elevado de humidade, o corpo do gasificador foi modificado para aumentar a retenção de energia na zona superior do leito. Para permitir o uso de combustíveis com maior teor em cinzas foi introduzido um sistema de controle da altura do leito, especialmente necessário em gasificadores de leito fixo, permitindo a sua remoção parcial do material do leito de modo a manter a estabilidade da operação para qualquer tipo de combustível utilizado. O sistema de alimentação foi adaptado para uma gama alargada de combustíveis, com diversas formas de apresentação usando biomassa ou misturas de carvão e biomassa. Este sistema operou de modo satisfatório em Génova (Itália) tendo uma potência eléctrica de 0,7-1,0 MWe e uma produção de gás de 14-16 MM/BTU/hr usando combustível equivalente a 0,7-1,0 ton/h de carvão.

A co-gasificação de carvão com palha foi estudada em instalações de gasificação na Alemanha, Finlândia e em escala laboratorial na Dinamarca, nos laboratórios da “Risø National Laboratory (Davison R, 1997). Os resultados obtidos na instalação piloto de Freiburg na Alemanha revelaram que para assegurar uma alimentação estável e contínua a palha teria de ser reduzida ao tamanho de partículas do carvão pulverizado, o que dificultava a fluidização. A palha, por ser menos densa, obrigava a alimentação de maiores caudais volumétricos exigindo o uso de maiores diâmetros no alimentador. Depois de utilização de um novo sistema de alimentação foi possível operar adequadamente, alimentando 150 kg/h de palha com diâmetro de partículas entre 1 e 3 mm, obtendo-se uma boa conversão de carbono (Davison,1997).

Estudos de gasificação realizados utilizando “pellets” de palha no “VTT–Technical Research Centre of Finland” revelaram que os custos associados à produção destes “pellets” tornavam o processo economicamente inviável (Davison, 1997). Por outro lado a composição da palha comum utilizada provocava sérios problemas decorrentes da sinterização do leito do gasificador. Embora fosse possível seleccionar palhas de características mais vantajosas, os custos associados e o risco de uma possível sinterização inviabilizavam uma instalação comercial. A co- gasificação de carvão com palha em teores de 54% permitia ultrapassar os problemas de sinterização e reduzir ainda a produção de alcatrões relativamente à gasificação isolada de palha.

Os bons resultados obtidos incentivaram a realização de testes numa instalação piloto de maior diâmetro pertencente à “Enviropower”, depois “Carbona Inc” na Finlândia, com tecnologia baseada no “U-Gas Technology” dos EUA. A palha usada nesta instalação tinha dimensões adequadas para o sistema de alimentação usado. Para um proporção mássica de palha/carvão de

30/70 era possível uma alimentação de 0,9 kg/h sem problemas. Era aconselhável utilizar temperaturas inferiores a 850ºC, para evitar os problemas de sinterização do leito, sendo possível garantir uma elevada eficiência, sobretudo devido aos elevados teores em oxigénio da palha e ao seu baixo teor em cinzas, sendo obtidas elevadas conversões de carbono (Davison, 1997).

Kiel et al., 1995 também realizaram estudos de co-gasificação de carvão com palha na forma de “pellets” num gasificador de leito fixo com 0,3 MWt, o qual apresentava um bom desempenho e produção estável de gás de síntese, não existindo problemas na alimentação quando o teor de “pellets” de palha variava entre 0 e 20% (% m/m). Para o teor mais elevado de palha verificava-se a formação de escória sem contudo afectar a operação do gasificador.

Segundo os estudos comparativos apresentados por Davison R., 1997, ressalta que não seria possível resolver todos os problemas associados à co-gasificação de misturas contendo teores mássicos superiores a 50% de palha, quer em leitos fixos quer em leitos fluidizados, sendo necessário estudar aprofundadamente este sistema antes de propôr qualquer instalação comercial.

Alguns autores têm estudado a aplicação da co-gasificação no tratamento das lamas produzidas em estações de tratamento de águas residuais (ETAR), devido aos problemas ambientais que a sua deposição em aterros pode causar e também porque o teor em matéria orgânica que apresentam alicia o aproveitamento do seu teor energético. Geralmente estas lamas apresentam teores mais elevados em azoto, enxofre e cloro, do que o carvão ou os resíduos de biomassa, pelo que a sua mistura com estes componentes poderá ser benéfica, permitindo reduzir a libertação de compostos poluentes. A co-gasificação de lamas apresenta vantagens face à combustão, uma vez que a atmosfera redutora em que ocorre a gasificação, reduz substancialmente a libertação de óxidos de azoto e de enxofre, favorecendo a formação dos seguintes compostos: H2S, NH3 e HCl, para além da retenção de azoto, enxofre e cloro nos resíduos sólidos formados durante a co-gasificação. A co-gasificação de carvão com lamas tem sido estudada por vários autores, os quais procuram optimizar as condições experimentais que permitam controlar e reduzir a libertação de compostos de azoto, enxofre, cloro e de metais pesados. Paterson et al., 2002 verificaram que a utilização de lamas na gasificação de carvão era vantajosa, pois permitia aumentar a conversão do processo e o poder calorífico do gás produzido. Khan et al., 1989 verificaram que o aumento da temperatura de gasificação favorecia a libertação de H2S, enquanto que um acréscimo no caudal de ar diminuía a sua formação e favorecia a libertação de SO2. Por outro lado, o aumento da temperatura e do caudal de ar diminuíam a libertação de NH3 na fase gasosa, uma vez que a sua decomposição é uma reacção endotérmica. Contudo, este tema está ainda em fase de estudo e desenvolvimento, sendo necessário compreender e controlar os complexos fenómenos que ocorrem durante a co-gasificação das lamas, antes que possam surgir instalações industriais.

1.4.8.2 Co-gasificação de carvão com resíduos plásticos

Estudos mais recentes de co-gasificação de carvão envolveram o uso de misturas com resíduos plásticos. Yasuda H. et al., 2004, estudaram a hidrogasificação de carvão, polietileno e uma mistura de ambos a 800ºC usando uma atmosfera de H2 a 7,1 MPa. Nestas condições o produto era essencialmente metano, mas os autores encontraram um processo sinérgico em que a conversão da co-gasificação era nitidamente superior relativamente à gasificação dos combustíveis isolados. Estudos da variação de temperatura indicaram que o processo de hidrogasificação do carvão era endotérmico, pelo que apresentava algum atraso inicial na conversão a metano, por comparação com o polietileno em que o processo era exotérmico. No caso da mistura existia uma óbvia vantagem em termos energéticos entre estes dois componentes que aumentava o rendimento dos produtos obtidos.

Ensaios de co-gasificação de carvão com resíduos plásticos foram realizados numa instalação usando o processo Winkler a alta temperatura, “High Temperature Winkler Process” (Davison, 1997). A presença do carvão permitia atenuar os problemas associados às diferentes características dos resíduos plásticos, que neste caso sendo provenientes de resíduos sólidos urbanos também continham papel, restos orgânicos e metais em proporção variável. Embora a utilização de resíduos plásticos permitisse obter cerca de 850 kg de gás de síntese por tonelada de resíduos, o gás apresentava maiores teores de benzeno e naftaleno do que os obtidos durante a gasificação de carvão. O principal problema provocado pela utilização de plásticos era devido ao manuseamento e armazenagem dos “pellets” que se desagregavam facilmente, alterando o escoamentos nos silos de armazenagem e dificultando a sua alimentação ao reactor.

1.4.8.3 Instalações de co-gasificação de carvão

Tabela 1.5 – Exemplos de instalações de co-gasificação de carvão já existentes e planeadas (Minchener, 2005).

LOCAL INSTALAÇÃO TECNOLOGIA COMBUSTÍVEL PRODUTO ANO

Japão Ube ChevronTexaco Carvão e PetCoque Amoníaco 1984

Espanha Unidade GCC – Puertollano PRENFLO Carvão e Lamas Electricidade 1997 Reino Unido Fife Power BGL Carvão e Lamas Electricidade 2005 Reino Unido Fife electric BGL Carvão e Lamas Electricidade 2005