• Nenhum resultado encontrado

Processos termoquímicos de conversão energética

1 Introdução

1.3 Processos termoquímicos de conversão energética

1.3.1 Gasificação de combustíveis sólidos

Os processos termoquímicos convencionais usando combustíveis sólidos envolvem essencialmente a sua combustão completa, para aproveitamento do seu conteúdo energético ou a conversão parcial para um uso posterior de que um exemplo simples é a produção de carvão vegetal a partir da madeira. Em todos estes processos parte-se de um combustível sólido que por efeito da temperatura ou por reacção com uma ou mais espécies gasosas sofre diversas transformações fisico-químicas tendo como produtos possíveis um resíduo sólido carbonizado, uma mistura complexa de gases e nalguns casos uma fracção líquida. Nos casos em que este processo é exotérmico é habitualmente possível aproveitar a energia libertada. A este conjunto de reacções e fenómenos em que se produzem espécies gasosas a partir de combustíveis sólidos pode dar-se o nome de gasificação (Souza-Santos, 2004).

De uma forma detalhada os processos que ocorrem durante o aquecimento de combustíveis sólidos são os seguintes:

• Secagem: Fase inicial em que se liberta o vapor de água existente à superfície e nos poros intersticiais do combustível alimentado. A extensão deste processo dependerá da distribuição de diâmetros dos poros. Nesta fase podem ainda ser libertados alguns dos componentes orgânicos ou inorgânicos mais voláteis;

• Desvolatilização ou Pirólise: Fase em que por acção da temperatura se verifica uma complexa transformação da estrutura sólida do combustível com a formação de novas espécies químicas. Esta fase conduz habitualmente à formação de três fracções principais:

gases leves, alcatrões e carbonizado. Os principais componentes dos gases libertados são H2, CO, CO2, H2O, CH4 e outros hidrocarbonetos. Podem ainda formar-se outras espécies como NH3, H2S, fenóis, álcoois e cetonas. A fracção de alcatrões (“tars”) é constituída por moléculas orgânicas pesadas que são libertadas como gases (à temperatura de pirólise) ou arrastadas como gotas de líquidos. A temperaturas mais elevadas estas moléculas orgânicas podem sofrer “cracking” podendo dar origem a moléculas de hidrocarbonetos mais pequenas. O carbonizado é constituído essencialmente por carbono e matéria mineral. • Gasificação ou Combustão: Durante esta fase ocorrem as principais reacções heterogéneas

entre o combustível sólido (ou o carbonizado) e as espécies gasosas da atmosfera envolvente. Estas espécies poderão ser provenientes das fases de secagem e pirólise mas são numa maior proporção fornecidas externamente ao processo. Nos processos de combustão é habitual a alimentação de oxigénio (puro ou do ar atmosférico) em proporção adequada para a conversão completa do combustível enquanto que outros processos envolvem também reacções com vapor de água, CO2, hidrogénio ou outros gases. Na fase gasosa ocorrem ainda inúmeras reacções homogéneas entre as espécies existentes, havendo uma redução do teor das espécies mais reactivas ou termodinamicamente mais instáveis.

Enquanto que nos processos de combustão as principais espécies formadas são CO2 e H2O, nos processo de gasificação usando vapor de água ou oxigénio obtém-se uma mistura mais complexa, contendo CO, H2 ,CO2, CH4 e H2O. Quando os teores de H2 e CO são maioritários e a sua proporção em base molar se aproxima de 3 este gás é designado por gás de síntese (Probstein R.F. et al., 1982).

Este gás após purificação e remoção da humidade pode ser usado directamente como combustível ou em síntese orgânica, através dos processos de síntese de Fischer-Tropsch ou síntese de metanol (abordados no Capítulo 1.5.2). Os compostos formados por estes processos podem ser usados como combustíveis líquidos ou como matéria prima na indústria química.

1.3.2 Principais reacções que ocorrem durante o processo de gasificação

Quando a temperatura do combustível sólido, isto é, do carbonizado obtido após os passos anteriormente descritos atinge uma temperatura suficientemente elevada, superior a 973K (700ºC), ocorrem reacções heterogéneas envolvendo o carbono do resíduo e os diversos componentes da atmosfera envolvente. Simultaneamente ocorrem diversas reacções homogéneas entre as diversas espécies presentes em fase gasosa. A estequiometria destas reacções, assim como as respectivas entalpias padrão, a 298 K, são apresentadas na Tabela 1.1, sendo em seguida caracterizadas com maior destaque.

Tabela 1.1 – Estequiometria e entalpias das reacções de gasificação. (Smoot L.D. e Smith P.J., 1985; Probstein R.F., Hicks R.E., 1982)

Designação Reacções ∆Hº 298 (kJ/mol) C(s) + O2 ⇆ CO2 -392,5 (1.1) Oxidação C(s) + ½ O2 ⇆ CO -110,5 (1.2) Boudouard C(s) + CO2 ⇆ 2 CO 172,0 (1.3) C(s) + H2O ⇆ CO + H2 131,4 (1.4) Gás de água: primária secundária C (s) + 2 H2O ⇆ CO2 + 2 H2 90,4 (1.5) Metanação C(s) + 2 H2 ⇆ CH4 -74,6 (1.6) “Water-gas shift” CO + H2O ⇆ CO2 + H2 -41,0 (1.7) CH4 + H2O ⇆ CO + 3 H2 205,9 (1.8) CH4 + 2 H2O ⇆ CO2 + 4 H2 164,7 (1.9) CnHm + n H2O ⇆ n CO + (n + m/2) H2 210,1†‡ (1.10) “Reforming” com vapor

CnHm + n/2 H2O ⇆ n/2 CO + (m-n) H2 + n/2 CH4 4,2†‡ (1.11) CH4 + CO2 ⇆ 2 CO + 2 H2 247,0 (1.12) CnHm + n CO2⇆ 2n CO + m/2 H2 292,4†‡ (1.13) “Reforming” com CO2 CnHm + n/4 CO2⇆ n/2 CO + (m-3n/2) H2 + (3n/4) CH4 45,3†‡ (1.14) “Cracking” Cn+pHm+q (+ x H2 ) → CnHm+x + CpHq+x … (1.15) Notas:

Valor confirmado usando o programa CHEMKIN, tal como se explica no Anexo II.

Valor calculado usando o programa C

HEMKIN e considerando a espécie C2H4.

As reacções de combustão entre o carbono e o oxigénio, (1.1) e (1.2), são exotérmicas e quando ocorrem em extensão adequada, fornecem a energia necessária para os passos de secagem e pirólise do combustível. Os produtos formados são o monóxido e dióxido de carbono em diferentes proporções consoante a temperatura atingida e a razão de equivalência (RE) definida como a razão entre o oxigénio fornecido ao sistema e o oxigénio estequiometricamente necessário para a combustão completa do combustível. Para gamas de RE superiores a 1 produz-se essencialmente dióxido de carbono. Em gamas mais baixas de RE, habitualmente usadas em gasificação, produzem-se fracções mais elevadas de CO e de carbonizado, dependendo ainda da temperatura e do combustível considerado. O carbono sólido pode ainda reagir com o dióxido de carbono segundo a chamada reacção de Boudouard, (1.3), produzindo CO. Esta reacção é endotérmica, ocorre essencialmente a temperaturas superiores a 1000 K e é inibida pela presença de CO.

As reacções de gás de água ocorrem entre o carbono e o vapor de água, (1.4) e (1.5), são endotérmicas e favorecidas por elevadas temperatura e pressão reduzida.

A reacção de metanação ou hidrogasificação ocorre e entre o carbono e o hidrogénio, (1.6). Esta reacção é muito lenta excepto a pressões mais elevadas.

A temperaturas mais elevadas pode ocorrer um deslocamento do equilíbrio em fase gasosa entre o CO, vapor de água, hidrogénio e CO2, segundo a denominada reacção de “water-gas shift”, (1.7). Embora o seu efeito energético não seja muito importante provoca uma alteração na composição da mistura gasosa obtida, especialmente sentida na razão CO/H2.

Em fase gasosa podem ainda ocorrer diversas reacções de “reforming” entre o metano e outros hidrocarbonetos com vapor de água e CO2, com formação de CO, H2 ou metano, (1.8) a (1.14). Estas reacções são processos endotérmicos que normalmente são considerados para explicar a evolução das misturas gasosas a temperaturas mais elevadas. Também se designa como “reforming” com hidrogénio à reacção inversa da (1.8) que ocorre entre o CO e o hidrogénio, produzindo-se metano e vapor de água. Embora aumente o poder calorífico do gás, normalmente é pouco extensa excepto a pressão mais elevada ou na presença de catalisadores adequados

Há ainda que considerar as reacções de “cracking” (1.15) em que por acção da temperatura ocorre a quebra de ligações químicas em moléculas pesadas de hidrocarbonetos com a formação de fracções moleculares de menor massa. Estas reacções podem ocorrer com a formação de radicais como espécies intermediárias e podem ainda envolver o consumo de hidrogénio, necessário para estabilizar as moléculas de hidrocarbonetos leves.