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CAPÍTULO 2 – CONHECENDO A ÁREA DE ESTUDO

2.1 Cobertura vegetal e contexto hidrográfico do Mosaico

O território do Mosaico do Espinhaço é constituído essencialmente pelos biomas Cerrado a oeste e a Mata Atlântica a leste, cujos limites ecogeográficos não seguem uma lógica linear, apresentando áreas de transição e a presença de outras fitofisionomias peculiares, como demonstra a Figura 2.

Figura 2: Mapa das fitofisionomias e uso do solo do Mosaico do Espinhaço - 2009

Embora o mapeamento da cobertura vegetal apresentado na Figura 2 seja do ano de 2009, a partir dele podemos tecer algumas observações. Possivelmente, decorridos dez anos, ocorreram transformações significativas nesta cobertura devido à ação antrópica, sobretudo em relação à inserção e expansão de atividades econômicas que incidem na supressão de determinados tipos vegetacionais. A Tabela 1 nos mostra a representatividade, em porcentagem, das fitofisionomias presentes no território do Mosaico.

Tabela 1: Distribuição das fitofisionomias e uso do solo do Mosaico do Espinhaço

Fitofisionomias Área (Ha) Porc (%)

Formações Savânicas 586715 44,0 Formações Campestres 319224 16,9 Mata Atlântica 232171 12,3 Mata Seca 4383 0,2 Silvicultura 30612 1,6 Solo Exposto 719344,19 25,0 Total 1892450 100,0

Fonte: Elaborado pela autora a partir de IEF (2009)

Ávila (2014) chama a atenção para as denominações populares atribuídas pelos moradores da região aos biomas constituintes do Mosaico, a saber: o Sertão, as Matas e a Serra, devido ao (re)conhecimento geográfico particular que esses atores possuem do território em que vivem. Araújo (2007, p. 22), referindo-se a estes biomas, comenta que ―essas são regiões que concentram grande parte da biodiversidade do país, assim como a maior fração das espécies endêmicas do nosso território‖, e justapostos pela Serra do Espinhaço, enfatizam ainda mais a importância biogeográfica desse território. Nesse viés, a Serra do Espinhaço como um todo, e o Mosaico do Espinhaço em particular, apresentam importantes atributos ambientais que lhes conferem relevância de proteção.

Sobremaneira, a Figura 2 e a Tabela 1 nos mostram a presença de formações savânicas, em sua maioria, características do bioma Cerrado, as quais estão concentradas nas regiões central-sul, oeste e extremo norte do Mosaico.

O cerrado, segundo maior bioma do Brasil, é objeto de inúmeros estudos sendo considerado um hotspot, ou seja, uma área prioritária para a conservação a nível mundial, pois dispõe de rica biodiversidade, (aproximadamente 5% do mundo), com a existência de espécies endêmicas. Sua importância hídrica também deve ser mencionada, pois é responsável pela manutenção da dinâmica hídrica (recarga e manutenção do volume, da vazão e da qualidade de água de aquíferos) de bacias

hidrográficas, como a do São Francisco (FERNANDES, et. al., 2016), presente na região.

Ao mesmo tempo em que o cerrado possui grande relevância para proteção ambiental, vem sofrendo há décadas intensa ação antrópica que tem comprometido esse ecossistema. Este bioma chegou a perder cinco vezes mais floresta nativa remanescente do que a Amazônia, como declara Mercedes Bustamante em entrevista concedida ao site do IPAM Amazônia4. Um dos principais fatores causadores da degradação do bioma é o desenvolvimento de atividades como a agropecuária que possui grande relevância para a economia do país. Os municípios do Mosaico que se encontram inseridos na porção do cerrado, tem na agropecuária (não disposta cartograficamente na Figura 1) uma atividade econômica de considerável relevância, o que consubstancia conflitos dessa ordem, inclusive no interior de unidades de conservação de uso sustentável (FRANCO, et. al., 2018).

Em conformidade com a autora supracitada, Calixto (2006) também destaca que a intensa devastação deste bioma se intensificou a partir da década de 1970, onde foi alvo de políticas de modernização agrícola, sobretudo pelo plantio extensivo de monocultura de eucalipto nas regiões do Alto Jequitinhonha e Norte de Minas Gerais, como está representado na Figura 2.

As formações campestres referem-se aos campos rupestres que possuem muita representatividade no contexto do Mosaico. Eles consistem em formações do tipo herbáceo-arbustivas encontradas nas partes mais altas da Serra do Espinhaço, geralmente em altitudes acima de 900m e favorecem a existência de um ecossistema associado. Dadas às condições pedológicas e climáticas, os campos rupestres apresentam expressiva biodiversidade faunística e florística e com alto grau de endemismos. Além disso, esta fitofisionomia possui particularidades ecossistêmicas em relação aos demais biomas brasileiros.

Não à toa, na primeira edição da Revista Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço é ressaltada a relevância dos campos rupestres: ―o ecossistema que distingue a Serra do Espinhaço de outras regiões do mundo é o campo rupestre, ambiente extremamente frágil e de baixa resiliência, com uma megadiversidade formada por um complexo mosaico de comunidades e alto grau de endemismo, configurando-se, dessa forma, como um Centro de Endemismo Mundial‖ (RBSE, 2017, p. 46). A sempre-viva,

4

Entrevista publicada no endereço eletrônico <http://ipam.org.br/mercedes-bustamante-conservacao-do- cerrado-e-urgente/>. Acesso em 20 jan. 2018.

flor utilizada para coleta e venda pelos moradores de muitas comunidades inseridas no Mosaico, é um exemplo de espécie endêmica dos campos rupestres.

A Mata Atlântica está presente no Mosaico na porção leste, mais próximo da faixa litorânea do país. Esse bioma é caracterizado pela presença de vegetação de médio e grande porte associada às particularidades do solo e clima, o que lhe confere a existência de uma densa floresta. É predominante na região litorânea brasileira, estendendo-se por 17 estados brasileiros e ocupando, originalmente, mais de 1,3 milhões de km² (MMA, 2010). Devido à predominância em regiões costeiras, essa cobertura vegetal vem sendo devastada, em função inicialmente do processo de ocupação do território brasileiro ter sido pelas ―bordas‖. Ademais, devido a sua importância ecossistêmica esse bioma é considerado como Patrimônio Nacional pela Constituição Federal (BRASIL, Art. 225, 1988).

Diante da consistente descaracterização desse bioma, foi instituída a Lei da Mata Atlântica (BRASIL, 2006) que objetiva disciplinar o uso das espécies vegetais nativas inseridas nesse ecossistema. Não obstante, Warren Dean, com a publicação do livro ―A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira‖, de 1995, trata sobre as articulações ambientais e sociais estabelecidas no âmbito das matas, atentando sobre a multiplicidade de interação entre homem e natureza e as necessidades materiais e simbólicas que configuram na sua descaracterização.

Dentre as fitofisionominas existentes no Mosaico, as florestas deciduais, comumente designadas Mata Seca se concentram timidamente na porção central e norte. Esse tipo de cobertura vegetal é caracterizado pela perda de suas folhas no período seco, justificando sua denominação popular. Rocha e Barbosa (2013) comentam que esse tipo vegetacional é muito presente no norte de Minas Gerais, sendo muito importante para a manutenção das atividades econômicas de alguns municípios mineiros. Os autores ponderam sobre a contradição jurídico-normativa ao enquadramento da mata seca sob o domínio da mata atlântica, pois com a Lei 11.428/2006 ela tem sua proteção mais extensa, sobretudo no que se refere à obrigatoriedade de proteger 70% da área de remanescentes dessa fitofisionomia. Contudo, por decisão da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2008), essas áreas foram excluídas da referida legislação sob justificativa de manter o desenvolvimento econômico da região em função das atividades exercidas nas áreas em que ocorrem.

Grosso modo, o Mosaico do Espinhaço é constituído por uma amálgama dos ecossistemas mencionados que propiciam a rica biodiversidade e elevado grau de endemismos. Essa transição entre biomas no Mosaico do Espinhaço é destacada como um dos fatores que legitimaram sua institucionalização: ―conservar e desenvolver de forma sustentável um segmento representativo da cadeia do Espinhaço que integra, cerrado, campos rupestres e mata atlântica‖ (AZEVEDO, et. al., 2009, p. 17).

Não à toa, diante dessa diversidade florística e alto grau de endemismos, Gontijo (2008) é enfático sobre a importância da Serra do Espinhaço ao afirmar que esta pode ser entendida ―como um grande fator ecológico em si – neste sentido, poderíamos considerá-la como a base de um bioma, o quarto grande bioma de Minas Gerais‖ (GONTIJO, 2008, p. 10). No Mosaico, tanto a porção que integra o Cerrado, quanto a Mata Atlântica, são reconfigurados constantemente por meio da produção do espaço devido as já citadas atividades socioeconômicas estabelecidas na região, historicamente e na atualidade. Muitas dessas atividades como a agropecuária, silvicultura e mineração desordenadas podem afetar negativamente o contexto ambiental local e regional, como poluição dos recursos hídricos, exposição do solo, diminuição de vegetação nativa, perda de biodiversidade, erosão, assoreamento de cursos d‘água, comprometimento das atividades de subsistência dos moradores ocasionadas pelos problemas mencionados, etc.

Dessa forma, configura-se à Secretaria Executiva do Mosaico do Espinhaço e aos representantes do conselho, maior complexidade quanto à articulação das ações de proteção ambiental. A problemática dos usos também é enfatizada pelos responsáveis pelas APAMs que declararam como conflitos existentes nas UCs a agropecuária, a caça, o extrativismo e a silvicultura (FRANCO, et. al., 2018). Essas atividades, associadas à dificuldade de disciplinar os usos desses recursos ambientais nas unidades de conservação de uso sustentável e os interesses setoriais de proprietários de terras, delineia uma tarefa de grande esforço gerencial para os envolvidos com áreas protegidas.

No que se refere ao contexto hidrográfico do Mosaico, ele é integrado por três bacias federais: Rio São Francisco (porção oeste), Rio Jequitinhonha (a leste) e uma pequena parcela da bacia do Rio Doce (ao sul), como demonstrado na Figura 3. São esses grandes cursos d‘água e seus afluentes associados à coexistência da Serra do Espinhaço que garantem o abastecimento das necessidades básicas e econômicas da

região, além de colaborarem para manutenção do equilíbrio ecológico como um todo, constituindo-se como zona de recarga de aquíferos.

Além das funções básicas e econômicas da volumosa hidrografia existente no território do Mosaico, associada às feições geográficas e geomorfológicas do Espinhaço, existem inúmeros atrativos naturais como cachoeiras, corredeiras e cânions, propícios para o turismo na região como um todo.

Figura 3: Bacias hidrográficas e principais rios que integram o Mosaico do Espinhaço