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A cobertura vegetal e o uso do solo refletem a ação histórica do homem sobre o território, auxiliando especialmente na identificação de padrões de relação entre as formas de ocupação e as características da paisagem, possibilitando compreender a influência das atividades econômicas sobre os fatores ambientais, incluindo obviamente a dinâmica dos cursos d’água. Para explicar a variação na produção de sedimentos relacionada ao tipo de cobertura vegetal, os geomorfólogos têm desenvolvido equações de erosão laminar que demonstram que em solos desnudos ou com cobertura vegetal rarefeita as condições de escoamento hídrico superficial e subsuperficial são, inevitavelmente, alteradas. Em áreas vegetadas a infiltração é favorecida pelas raízes que facilitam a descida da água no solo. A cobertura vegetal também atrasa a chegada da água ao solo através da interceptação, sendo o excesso lentamente liberado para a superfície do solo por gotejamento. Vários estudos apontam que nos ambientes densamente florestados, cerca de 1/3 da precipitação interceptada sofre evaporação antes de atingir o solo.

A ocupação da bacia do rio Jequitinhonha, desde o século XVIII, em função da existência de áreas ricas em recursos minerais e áreas relativamente aptas à pecuária extensiva, implicou intenso desmatamento, exposição de vertentes através de plantações sem terraceamento, compactação de solos causada por pisoteamento de animais em extensivas áreas de criação de gado.

Mapa reeditado a partir de original cedido pela RURALMINAS (1995)

Mapa reeditado a partir de original cedido pela RURALMINAS (1995)

Dois mapas foram úteis para o entendimento da situação atual da bacia do rio Jequitinhonha, em Minas Gerais, em termos de cobertura vegetal e uso do solo. Um foi elaborado pelo IEF (Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais) na escala 1:1.500.000 em 1994. O outro é do Planvale, elaborado na escala 1:500.000, em 1995. No momento da utilização desses mapas, e de acordo com a necessidade, as informações foram atualizadas por meio da carta-imagem elaborada a partir de imagens da Embrapa (Brasil Visto do Espaço) e também de informações obtidas em campanhas de campo. O mapa 19 é resultante desse trabalho.

A bacia do rio Jequitinhonha, em Minas Gerais, é uma área de ecótonos, ou seja, uma área de contato entre três diferentes biomas. Das nascentes até o município de Araçuaí a paisagem é dominada pela vegetação do Cerrado, com suas diversas variações (cerradão, cerrado típico, campo cerrado, campo sujo, campo limpo e campo de altitude). A região sofreu forte impacto devido principalmente à retirada de lenha para produção de carvão e ao reflorestamento comercial instalado nas chapadas. Na sub-bacia do rio Itacambiruçu as características originais desse cerrado encontram-se em melhor condição em termos de preservação, podendo ser percebidas várias manchas nativas do bioma.

O ecótono entre o cerrado e a caatinga situa-se na transição entre o trecho alto e médio da bacia, coincidindo com o limite entre a região que apresenta índices relativamente mais altos de pluviosidade e evapotranspiração potencial mais baixa e a região que apresenta índices mais baixos de pluviosidade e mais altos de evapotranspiração. Trata-se da fronteira entre o clima úmido e sub-úmido com o semi-árido. A vegetação da Caatinga também sofreu com a extração de lenha para produção de carvão, mas de forma um pouco mais moderada do que o cerrado. Nesse caso, o problema do desmatamento ocorre principalmente por meio da introdução de pastagens.

Na porção mais oriental da bacia, começando nas imediações do município de Jequitinhonha e estendendo até o limite com a porção baiana, aparece o bioma da Mata Atlântica, exatamente na região onde o clima passa a úmido e úmido a sub-úmido, com índices pluviométricos anuais que superam os 900 mm. Predominam árvores de 25m a 30m, com a presença de espécies que perdem as folhas durante o inverno e com considerável ocorrência de epífitas e samambaias nos locais mais úmidos, e grande quantidade de cipós (florestas estacionais). Percebe-se, também, em áreas mais restritas, a presença de um tipo de transição da Floresta Ombrófila Densa, denominado na literatura por Floresta Ombrófila Aberta. Na região dos municípios de Almenara e Jequitinhonha quase toda a vegetação primitiva foi retirada para a formação de pastagens, restando apenas remanescentes, especialmente nas encostas e no fundo de alguns vales.

Através do mapa 19 é possível observar que os três domínios supracitados ocorrem predominantemente nas referidas áreas, mas há também situações de interpenetração entre eles. No trecho montante da bacia, por exemplo, aparecem várias manchas de florestas estacionais. Há, ainda, no interior desse cenário geral, uma série de combinações mais específicas de arranjos fitogeográficos, imperceptíveis na presente escala. O quadro 4 resume os tipos de cobertura do solo, suas fisionomias principais e os tipos de usos antrópicos mais comuns do território da bacia.

Nas cabeceiras do rio Jequitinhonha verifica-se a ocorrência dos campos rupestres e campos de altitude (Serra do Espinhaço) com o nítido predomínio dos estratos herbáceo e arbustivo. No interior dos campos aparecem manchas de cerrado e campo cerrado e também florestas estacionais nos fundos de vale. Nas chapadas, apesar do predomínio dos cerrados, também aparecem manchas de florestas estacionais (Mata de Acauã, por exemplo). Nas baixas encostas, nos vales dos rios Jequitinhonha, Itacambiruçu e Araçuaí também ocorrem as florestas estacionais que se estendem até a margem dos cursos d’água. Na região dos municípios de Felício dos Santos e Senador Modestino Gonçalves ocorrem amplas manchas dessas florestas.

No município de Botumirim existem veredas, muito semelhantes às encontradas na bacia do rio São Francisco, no norte e noroeste de Minas Gerais. Trata-se de áreas mal drenadas de dimensões restritas, situadas nas proximidades das nascentes do rio Itacambiruçu.

Ainda na região do Alto Jequitinhonha, as áreas ocupadas por agricultura de subsistência aparecem quase sempre nas proximidades dos cursos d’água, inclusive ocupando áreas de preservação permanente. A mineração e o garimpo também estão normalmente nas planícies aluviais. A figura 21 apresenta amostras representativas das formações vegetais que ocorrem nessa região. O plantio de eucalipto e a cafeicultura, duas importantes modalidades de uso antrópico do espaço regional, também estão representados.

Na região central da bacia a caatinga predomina, ocupando amplas áreas dos municípios de Araçuaí, Virgem da Lapa, Berilo, Cel. Murta, Rubelita e Salinas e prolongando-se em direção à região Nordeste do País. Mas o cerrado ocupa os topos de algumas chapadas dessa área. Pecuária extensiva, exploração de minerais preciosos e semi-preciosos degradam os terraços dos rios principais e desencadeiam processos erosivos nessa região. A figura 22 apresenta aspectos elucidativos da vegetação e uso antrópico do domínio da caatinga.

Tipos de cobertura do

solo Fisionomias Área de ocorrência e antropização

Cerrado

Campo de altitude e campos rupestres

Vegetação de refúgio ecológico que ocorre na Serra do Espinhaço em áreas de solos rasos e frequentemente pobres em nutrientes. Apresenta estrato predominantemente herbáceo, arbustos rarefeitos e uma vasta proporção de áreas rochosas. Várias pesquisas têm mencionado o alto grau de endemismo desses ambientes. Os problemas edáficos dificultam a ocupação antrópica e, assim, o estado de preservação é relativamente bom, ocorrendo, entretanto, problemas com queimadas constantes, usos da vegetação como pastagem natural e ainda retirada de plantas ornamentais.

Campo cerrado

Formação de transição entre o campo e o cerrado “sensu stricto” que ocorre nas cabeceiras dos rios Jequitinhonha, Itacambiruçu e Araçuaí. Apresenta estrato herbáceo predominante, seguido de estrato arbóreo-arbustivo rarefeito. Nestas áreas ocorrem problemas relacionados ao pastoreio extensivo, queimadas periódicas e desmate para produção de carvão.

Cerrado “sensu stricto”

Vegetação mais densa e com estrutura mais desenvolvida, se comparada ao campo cerrado. Ocorre principalmente sobre as chapadas, nos latossolos, ou nos cambissolos de encostas (porte menos desenvolvido). O estrato arbóreo-arbustivo predomina, reduzindo-se, portanto, a participação do estrato herbáceo. Praticamente todas as ocorrências foram substituídas por florestas plantadas (pinus e eucaliptus), além de haver áreas também submetidas aos desmates para produção de carvão, pastagens e cafeicultura.

Cerradão

Formação semelhante às florestas estacionais, que ocorre principalmente nas chapadas onde há presença de latossolos vermelho-escuro distróficos. O estrato herbácio praticamente não existe, cedendo espaço a um estrato arbóreo denso. Os reflorestamentos e a cafeicultura praticamente extinguiram os cerradões da bacia do rio Jequitinhonha, restando apenas algumas manchas ainda submetidas à forte pressão antrópica.

Veredas

Aparecem na região de Botumirim e Itacambira, mais especificamente numa localidade denominada “Gigante”, nas proximidades da nascente do rio Itacambiruçu. O traço marcante é a presença de agrupamentos de buritis, com intercalação de espécies florestais, circundados por vegetação rasteira. Estão sofrendo forte impacto da criação de gado. Na sub-bacia do rio Araçuaí também existem veredas. Quase todas desapareceram após a introdução da silvicultura.

Matas ciliares

São encontradas ao longo dos cursos d’água, em faixas de extensão variável. São importantes do ponto de vista hidrológico, pois garantem a conexão hidráulica entre a planície aluvial e o canal, contribuindo assim para a perenização de vários cursos d’água. Têm sido severamente atingidas por diversas atividades antrópicas tais como agricultura, pecuária, retirada de lenha, mineração e garimpo, além da construção de infra-estrutura urbana e obras de engenharia.

Tipos de cobertura do solo

Formas fisionômicas Características e antropização

Caatinga Ocupa a região central da bacia do rio Jequitinhonha, representando o limite sul do sertão semi- árido brasileiro. Trata-se de vegetação predominantemente arbustiva, amplamente caducifólia, garranchenta e espinhenta. Algumas espécies são suculentas. Encontra-se fortemente descaracterizada pelos desmatamentos, queimadas periódicas e criação extensiva de gado.

Mata Atlântica Floresta estacional São florestas deciduais ou semi-deciduais que ocorrem em praticamente toda porção mineira da bacia do rio Jequitinhonha, principalmente a jusante do município de Jequitinhonha. No fundo dos vales praticamente perdem a característica de caducifolia. Entretanto, a partir da média encosta a caducifolia é mais pronunciada. Grande parte dessa vegetação já foi substituída, tendo em vista a retirada de madeira, a substituição por pastagens, a queima para produção de carvão, o reflorestamento e a agricultura de subsistência.

Floresta ombrófila aberta É considerada um tipo de transição entre a floresta ombrófila densa e a floresta estacional, ocorrendo algumas manchas nas duas margens do trecho jusante da presente área de estudo, em ambientes com características climáticas mais úmidas devido à penetração do ar úmido do oceano.

Atividades antrópicas Pastagens No setor alto da bacia apresentam tamanhos reduzidos (pequenas propriedades). No setor médio adquirem maiores dimensões. As espécies mais utilizadas são o capim gordura, o colonião e principalmente a braquiária.

Áreas cultivadas Predominam culturas de subsistência que ocupam propriedades de pequenas extensões (feijão, milho, mandioca e algodão). Na região de Capelinha, nos topos das chapadas, observam-se amplas áreas ocupadas por cafezais. A implantação de alguns perímetros de irrigação está prevista para a região.

Reflorestamento Ocupa vastas áreas do setor alto da bacia, nos topos das chapadas anteriormente ocupadas principalmente pelo cerrado. Destina-se à produção de carvão e, secundariamente, celulose e extração de essências. Devido às mudanças na política de incentivos fiscais, a partir da década de oitenta quase não ocorreu implantação de novas áreas de cultivo.

QUADRO 4: Tipos de cobertura do solo, suas formas fisionômicas principais e áreas de ocorrência na porção mineira da bacia do rio Jequitinhonha

Campos rupestres (Itacambira/MG) Veredas (Botumirim/MG)

Florestas estacionais de encosta (Lelivéldia/MG) Cerrado (Grão Mogol/MG)

Reflorestamento de eucalipto (Carbonita/MG) Cafeicultura (Capelinha/MG)

Fotos: Vanderlei Ferreira

FIGURA 21: Imagens representativas da cobertura vegetal e uso do solo no setor montante da bacia do rio Jequitinhonha

Vegetação de caatinga na estação chuvosa (Araçuaí/MG)

Vegetação de caatinga na estação seca (Jequitinhonha/MG)

Pastagens situadas em área de preservação permanente (margens do rio Pasmado – Itinga/MG)

Pequena propriedade com atividades econômicas variadas (Araçuaí/MG)

Fotos: Vanderlei Ferreira

FIGURA 22: Aspectos da vegetação e da ocupação antrópica no setor central da porção mineira da bacia do rio Jequitinhonha

De Araçuaí até o município de Itaobim predomina a caatinga de porte arbustivo e algumas pequenas ocorrências de cerrado. A partir de Jequitinhonha a vegetação dominante é a floresta estacional, com porte arbóreo e deciduidade reduzida. Nesse trecho ainda é comum a presença de algumas manchas de caatinga. Pequenas inclusões de floresta ombrófila aberta também estão presentes. As pastagens são extensas e substituem praticamente toda a vegetação até as médias encostas. A figura 23 apresenta traços significativos da vegetação e do uso antrópico dessa região.

Floresta estacional (Jequitinhonha/MG) Substituição da floresta estacional por pastagens (Rubim/MG))

Substituição da floresta estacional por pastagens (Pedra Azul/MG)

Transporte de gado na estrada (Bandeira/MG)

Fotos: Vanderlei Ferreira

FIGURA 23: Aspectos da vegetação e da ocupação antrópica no setor jusante da porção mineira da bacia do rio Jequitinhonha

4.5 – DIVISÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA, POPULAÇÃO,