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A fragmentação do conhecimento geográfico, revelada em uma persistente dicotomia, sempre gerou um acirrado debate entre os geógrafos. Nesse sentido, alguns autores buscam a construção de uma perspectiva teórica destinada a um conhecimento mais conjuntivo, baseada na abordagem sistêmica. Enquanto isso, a necessidade de compreensão integrada dos fatores naturais e antrópicos em funcionamento no território tem colocado os estudos ambientais, nas últimas décadas, no centro dos debates teóricos da geografia. “As características naturais de

um determinado lugar influenciarão nos resultados do processo de ocupação. Da interação entre as características do meio físico e as formas de ocupação surgirão alterações ambientais de diferentes amplitudes” (SARAIVA, 2005, p.84). Neste contexto a análise da paisagem tem se apresentado como uma útil alternativa. O presente item apresenta as principais contribuições científicas em termos do oferecimento de uma base teórica, conceitual e metodológica para o estudo objetivo e aplicado das paisagens no contexto geográfico.

Conforme mencionado anteriormente, originalmente e no sentido mais corrente, o termo paisagem designa a parte de um território que a natureza disponibiliza ao observador. A paisagem seria a natureza vista através do olhar humano, transformada pela intervenção e pelos olhos do homem. Sendo assim, não existiria uma paisagem real e, portanto, não seria possível analisá-la cientificamente? A esse respeito, Passos apud Dias (1998, p.03), considera que:

"Há essencialmente duas maneiras de abordar o espaço que nos cerca, contendo as paisagens que nos interessam: aquela que toma o indivíduo como ponto de partida e aquela que considera o espaço como um objeto de observação. A primeira maneira liga-se à filosofia que faz do Eu o centro do mundo. Isto que cada um de nós percebe diretamente, não é um espaço neutro, mas uma esfera imaginária de sinais e de sinais pessoais. A segunda maneira liga-se à filosofia da extensão cartesiana. Neste caso, o cientista adota a atitude de um observador voluntariamente desligado do espaço-objeto, que é então examinado in vitro". A busca por uma visão integrada ou global dos atributos da paisagem segundo os princípios da geografia moderna não é fato recente. Desde o século XIX, tem-se buscado uma perspectiva metodológica que possibilite uma visão objetiva, sistemática e de conjunto dos atributos da natureza em sua interação com a sociedade.

Alexander Von Humboldt, no prefácio para a sua obra “Cosmos” de 1847, afirma que esteve engajado durante vários anos “no estudo de ciências especiais como a Botânica, a Geologia, a Química, ou no estudo de questões como as das posições dos astros e do magnetismo terrestre”. Segundo ele tratava-se de “estudos preparatórios para fazer, com utilidade, viagens longínquas”. Mas Humboldt também afirmava que tinha, nesses estudos, um objetivo mais elevado. Ele desejava “compreender o mundo dos fenômenos e das forças físicas em sua conexão e em sua influência mútua” (HUMBOLDT, 1847, p.1).

Humboldt (1847, p.1) colocava a fisionomia da vegetação como essencial para a caracterização de uma paisagem. Segundo ele, o agrupamento natural das plantas mostra uma ordem no aparente caos. Disso resultou a sua concepção de região natural. Mais tarde outros

autores argumentaram que a paisagem não deve ser concebida em uma perspectiva essencialmente natural, mas integradora, global, em sua totalidade objetiva incluindo, portanto, as intervenções humanas.

No início do século XX, inúmeros geógrafos demonstravam interesse pelo estudo do caráter único de determinadas áreas da superfície terrestre. Claval (1974) afirma que Richard Hartshorne, em sua clássica obra denominada “The Nature of Geography”, de 1939, apresenta a Geografia como uma ciência-método capaz de considerar as diferenciações regionais da superfície terrestre. Para Hartshorne (1939), a Geografia era uma ciência idiográfica, que descreve o único. Ele estabeleceu o conceito de “unidade-área” como um elemento particular nos procedimentos de investigação geográfica. Uma unidade-área seria uma partição do espaço geográfico, definida pelo pesquisador em função do objeto de estudo e da escala de trabalho, que apresenta características individuais.

Tal definição nos conduz naturalmente ao conceito de áreas homogêneas, delimitadas por meio de critérios pré-estabelecidos e passíveis de comparações entre si. E esta é a essência dos conceitos de paisagem apresentados a partir da década de 1960 (mencionados na seqüência do presente texto) que se baseiam na identificação da interação entre o processo de apropriação de um território pelo homem e a base natural.

Depois de Humboldt e Hartshorne, muitos progressos foram alcançados no sentido da construção de modelos representativos da estrutura e dinâmica da paisagem, incluindo seus constituintes em níveis diversos de integração, porém o compromisso de entender definitivamente a ordem funcional dos sistemas naturais integrados segundo seus padrões de regularidade ou aleatoriedade em diferentes graus de humanização ainda permanece como um grande desafio para os geógrafos.

Tratando de questões teóricas, conceituais e metodológicas relacionadas aos estudos geográficos e ambientais, Christofoletti (1993b, p.22) discute as diferenças existentes entre duas abordagens: a analítica e a holístico-sistêmica. Na primeira, o procedimento metodológico desenvolve-se focalizando o problema de forma segmentada, levando-se em consideração os principais grupos de processos geoambientais. A segunda abordagem permite que “[...] a análise do fenômeno seja realizada em seu próprio nível hierárquico, e não em função do conhecimento adquirido nos seus componentes [...]”. Isso significa que ela procura compreender o conjunto mais do que seus segmentos. “[...] Sugere que o todo é maior que a

somatória das propriedades e relações de suas partes”, ou seja, o todo possui propriedades que não podem ser explicadas em termos de seus constituintes individuais.

Na perspectiva de Medeiros (1999, p.20) a superfície terrestre é resultante de um balanço que ocorre através do tempo, entre as forças internas e externas que atuam em todo planeta. Quando as forças internas (vulcânicas, sísmicas e tectônicas) agem muito vagarosamente, numa intensidade constante, e contrapõem-se às forças externas (ação do clima e da gravidade), alguns aspectos da superfície da terra aproximam-se a um estado de equilíbrio dinâmico com o ambiente. Adquirem certa ordem, demonstrando forte interdependência dos seus atributos e por isso podem ser analisados sob a ótica da teoria dos sistemas abertos2.

Guerasimov (1980) já havia sugerido que as investigações relacionadas ao uso racional dos recursos da biosfera, proteção e melhoramento do meio ambiente deveriam efetuar-se de forma integrada porque possuem um sentido único: a ação recíproca do objeto que se estuda e seu meio natural.

Atualmente, esta visão representa a abordagem conceitual utilizada pela maioria dos estudos geográficos de classificação dos sistemas territoriais. O compromisso de entender a ordem de um sistema segundo seus padrões de regularidade ou aleatoriedade tem sido o arcabouço teórico mais familiar para tratar com a complexidade da funcionalidade das paisagens em diferentes graus de humanização. Apesar das inúmeras reformulações conceituais, os métodos e técnicas desse tratamento objetivo da paisagem sempre obtiveram suporte teórico da Teoria Geral dos Sistemas. A esse respeito, Tricart (1977, p.19), afirma que a perspectiva sistêmica “[...] é o melhor instrumento lógico de que dispomos para estudar os problemas do meio ambiente”, já que permite “[...] adotar uma atitude dialética entre a necessidade da análise – que resulta do próprio progresso da ciência e das técnicas de investigação – e a necessidade, contrária, de uma visão de conjunto [...]”.

"Estudar uma paisagem é antes de tudo apresentar um problema de método" (BERTRAND, 1971, 02). Nesse caso, é importante perseguir uma forma de demonstrar a viabilidade objetiva e o caráter científico do estudo da paisagem, segundo concepções devidamente embasadas do ponto de vista teórico e metodológico.

2

A Teoria Geral dos Sistemas (TGS) pressupõe uma ação científica baseada na ordem hierárquica da natureza, abordando-a como sistemas abertos, com complexidade e organização crescente (NAVEH & LIEBERMAN, 1993).