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Na visão clássica do Código de Processo Civil de 1973, antes das reformas processuais de 2005, a atividade jurisdicional era desempenhada em dualidade de processos tendentes, respectivamente, ao conhecimento e a posterior ‘realização do direito no mundo empírico’.

Certamente que o fim de ambas as atividades é único, qual seja a pacificação social mediante o reconhecimento do direito e a conseqüente entrega do bem da vida pretendido desde a postulação em juízo pelo vencedor do litígio apresentado ao Estado, pois “nenhuma justiça efetiva se realiza sem a realização concreta da alteração fática na situação das pessoas envolvidas no litígio. Daí a importância relevantíssima do processo de execução, pois é certo que por meio dele que se alcança o resultado prático da tutela jurisdicional.” 60

No processo de conhecimento, a atividade desenvolvida é meramente cognitiva, ou seja, com finalidade precípua de obter-se o reconhecimento da certeza jurídica quanto ao direito que deve solucionar o conflito, mediante a “formulação da norma jurídica concreta.” 61

A sentença, assim, declarando o direito concretamente, deve reger a situação vivenciada pelas partes. Com a definitividade da

60 Humberto Theodoro Júnior, O processo civil brasileiro no limiar do novo século. Rio de

Janeiro: Forense, 1999, p. 225.

61 José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do

decisão, formando-se através da coisa julgada, o processo de conhecimento atinge seu fim.

Diz-se que a cognição do processo de conhecimento é exauriente, pois por meio deste o juiz tem pleno conhecimento do conflito de interesses a fim de que possa proferir uma decisão pela qual extraia da lei a regra concreta aplicável à espécie.62

Assim sendo, o magistrado, em tese, exaure, esgota, elimina, extingue qualquer dúvida acerca da pretensão sustentada pelo demandante e da veracidade e firmeza dos fatos nela imputados, podendo, com propriedade, definir e satisfazer o direito reclamado, pois até aquele momento, não haveria mais questionamentos ou dúvidas a serem opostas por quaisquer das partes, vez que seu convencimento também já foi formado de acordo com os elementos produzidos nos autos daquela relação jurídica processual.

62 Paulo Henrique dos Santos Lucon, Eficácia das decisões e execução provisória, São Paulo,

Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 152-167, onde o autor faz estudo sistematizado acerca de todas as formas de eficácia da decisão plena e exauriente, analisando o seu desdobramento em declaratória, constitutiva, condenatória, executiva lato sensu e mandamental.

Através de seus procedimentos, este tipo de cognição se propõe a informar e, logicamente, dar conhecimento, com segurança, aos órgãos jurisdicionais incumbidos de prestar a tutela de direitos, solucionando, não só a pretensão do autor com a resistência que lhe opõe o réu, mas a lide posta em juízo 63.

Com efeito, o cidadão comum teria o direito a uma justiça que lhe garantisse uma resposta, favorável ou não, dentro de um prazo razoável e aceitável.

A técnica do processo de cognição plena e exauriente é uma das possíveis técnicas utilizáveis pelo ordenamento processual, constituindo-se num meio processual sofisticado modelado para garantir de modo pleno o direito de defesa das partes, inclusive em função da qualidade de coisa julgada a que se agregará a decisão judicial proferida a partir desta técnica.64

63 Há que se ressaltar aqui a idéia carnelutiana de lide, pela qual a mesma não é somente

representada pelo pedido do autor, como no entender da concepção elaborada por Liebman, mas sim, também, por todos aqueles elementos que formam a questão sociológica enfrentada pelo autor, mas que por motivos alheios a sua vontade ou não, foram trazidos de forma total ou parcial à juízo, consignados em sua demanda e qualificados em seu pedido.(Francesco Carnelutti, Sistema di Diritto Processuale Civile, Pávia: CEDAM, 1936. p.. 32)

64 Cfr. Proto Pisani, Appunti sulla tutela sommaria, in Processi Speciali (Studi Offerti a Virgilio

Porém tal não acontece nos dias de hoje, pois a falta de vontade política visando a redução do longo tempo do processo, os altos custos demandados até o final da cognição, a função ideológica oculta por trás dos procedimentos, a infinidade e complexidade de legislações, a falta do reconhecimento de direitos por parte do cidadão brasileiro, a intimidação por vários motivos psicológicos ante a determinadas formas de manifestação de poder, põem em xeque a eficiência e as bases estruturais do processo de conhecimento e estrangulam os direitos fundamentais, imediatos ou fundados em fatores emergenciais. 65

A universalização do procedimento ordinário não levou prejuízo a todas as castas sociais, mesmo porque, os ‘privilegiados’ e detentores de poder sempre se abeberaram nos procedimentos especiais e, sobretudo, porque o procedimento ordinário, ainda tem certa dose de efetividade, juntamente com o processo de execução, em relação a direitos patrimoniais.66

65 A descrição desses fatores é apresentada por Marinoni, em estudo acerca da nova maneira de

encarar o processo, in Novas linhas do processo civil, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1993

66 Kasuo Watanabe, in “Assistência judiciária como instrumento de acesso à ordem jurídica

justa" in Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, vol. 22, p.87-8, alega que “é necessário, pois, para uma correta visão do problema da morosidade processual, percebermos a ideologia oculta atrás do procedimento comum, como também dos procedimentos especiais,

Mas no momento em que a busca da tutela de direitos abrange o campo dos ‘novos direitos’ 67, assim modernamente denominados

os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, e aqueles que se relacionam a fatos que merecem pronto-atendimento jurisdicional, a neutralidade do procedimento comum, face a esses direitos substanciais constitucionalmente garantidos, é demasiada, ao ponto de que ao momento da prolação da sentença, a lesão ao direito, quase em muitos casos, há muito, já se consumou.

O entendimento de que o processo de conhecimento constituía a célula-núcleo e principal fonte de obtenção de tutelas e provimentos jurisdicionais, e de que era unitário e neutro, provocou, de certa forma, durante algum tempo, o abandono da manipulação de técnicas de procedimentos diferenciados e formas alternativas de

pois os segmentos da sociedade que têm a possibilidade de patrocinar o lobby, conseguem legislações que tutelam ampla e egoisticamente seus interesses.”

67 O tratamento dos ‘novos direitos’ é analisado por Cristina Rapisarda, in Profili della tutela

civile inibitoria, CEDAM, Padova, 1987, capítulo II, p. 77-112, quando faz menção aos novos direitos e a nova projeção da tutela preventiva, qual seja, na forma inibitória, asseverando que a difusão das formas de produção de massa e o desenvolvimento tecnológico dos sistemas informativos determinaram, nestes anos, a emersão dos novos direitos, que não encontram adequada posição ou regulamentação no catálogo das situações substanciais tuteladas pelos Códigos. “Si trata in particolare, dei bisogni di tutela connessi com lo sviluppo della salute umana e della personalità individuale, com la fruizione dei beni ambientali e con la posizione del consumatore sul mercato.”, cit. , p. 77-8. Rapisarda ainda acrescenta a esse ‘catálogo’ que faz menção, os direitos relativos às liberdades individuais de conteúdo antidiscriminatório, cit., p. 78 (nota nº 2)

obtenção de tutelas que satisfaçam e efetivem os direitos reclamados.68

Obtida a regra jurídica concreta e imutável que deve regular a conduta das partes, a alteração fática do conflito é medida de justiça que se impõe. A efetividade da tutela jurisdicional pressupõe a capacidade da norma concreta fixada na sentença de atuar no mundo dos fatos de forma tempestiva.

Porém, nem sempre, ou na maioria das vezes, o vencido se comporta de acordo com a forma imposta pela atividade jurisdicional.

Talvez seja da índole do ser humano não se conformar com a derrota, mas é certo que de acordo com o atual momento histórico- social em que vivemos, impõe-se uma mudança da consciência jurídica do cidadão, quanto aos seus direitos e obrigações e, sobretudo, a necessidade de um eficaz sistema legislativo processual que permita a entrega do bem da vida pretendido e obtido pelo

vencedor na primeira etapa da atividade jurisdicional, sem intervalos ou incidentes.

2.2 A crise do processo de execução e a conseqüente necessidade