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A importância do estudo da história do direito processual e do direito comparado para o entendimento das estruturas processuais

nacionais

O estudo histórico e comparatístico das instituições e normas processuais nos levará a encontrar as raízes e origens dos recém- estruturados conceitos da nova sistemática processual que visa operar o cumprimento das sentenças, bem como, abrir caminho para a compreensão da importância jurídico-processual que detém as respectivas fontes frente o atual ordenamento jurídico e das influências que vieram produzir junto ao sistema processual e a realidade do direito nacional vigente.96-97

96 Segundo Carnellutti, “non basta la scienza senza la storia, ne questa senza di quella. Cosi si

intende il beneficio che rendono alla scienza del diritto la storia, in senso stretto, intesa come narrazione di fatti passati, e la comparazione; l’una e ‘altra allargano il suo campo di osservazione nel tempo e nello spazio. Storia e comparazione sono due manifestazioni di una tendenza, anzi una esigenza unica; anche la comparazione, intesa come ricerca del diritto vigente in altri paesi, è storia, cioè, rappesentazione de fatti; anvhe la storia, intesa come ricerca di diritto vigente in altri tempi, è comparazione perchè la utilità della conoscenza del diritto passato non altrimenti si releva che mediante il confronto col diritto attuale.” (Francesco Carnelutti, Sistema di Diritto Processuale Civile, Pávia: CEDAM, 1936. pp. 1-2)

97 De certo que “já se acentuou que o presente melhor se esclarece, quando se vão buscar as suas

raízes, situadas no passado. Método, crítica e sobretudo uma laboriosa pesquisa, são os instrumentos de que se vale o historiador para aclarar e procurar entender a razão deste comportamento, ou daquela tendência, que nada mais são, senão o reflexo de hábitos que já existiram, que nunca deixaram de existir, mas que se encontram parcialmente encobertos na passagem do tempo.” (José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo, Lições de história do processo civil romano, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 21)

É pela análise da forma e dos meios com que determinada civilização enfrentou as questões processuais à sua época, levando- se em conta os costumes, a enorme influência romano-canônica, as dificuldades das fontes imediatas, as influências das fontes subsidiárias, etc., é que podemos tomar rumo e orientação no estudo tanto dos institutos de processo civil concebidos, como de todo o sistema vigente na atualidade, relevando-se a importância, a estrutura e as transformações por que passaram os mesmos institutos até o momento em que vieram compor a complexa sistemática processual de nossos dias.98

A busca de fontes históricas para o estudo e compreensão de determinado instituto processual, e dos pronunciamentos jurisdicionais, no contexto do sistema processual é de suma importância, pois, na verdade, é com base nas orientações antecedentes e históricas, é que se poderá captar o real fundamento de existência e validade das influências que vieram a ser inseridas

98 Nesse sentido, é o entender de Cannata, ao afirmar que “ è lo studio del processo che, in ogni

momento storico, ci può dare le indicazioni più precise pre stabilire quali siano gli elementi che una certa collettività riduce a diritto, quali i rapporti tra il collettivo e l’individuale, quali gli eventi rilevanti, quali i rapporti di potere tra le classi, quali i privilegi; e, nell’evoluzione del processo, quali gli sforzi di emancipazione che hanno avuto quel successo autentico, che consiste nel modificare l’ordine giuridico.” (Carlo Augusto Cannata, Profilo istituzionale del processo privato romano. I: Le legis actiones. Vol. I, Torino: Giappichelli Editore, 1980. p. 06)

no contexto da ciência processual atual e permitir uma analise das propostas e possíveis técnicas de reavaliação do sistema vigente.99

O fato de que determinado instituto processual é produto da praxe jurídica de um país ou localidade, nos demonstra, indubitavelmente, que para uma melhor análise do mesmo, deveremos retroceder no tempo, em busca das suas raízes e origens, bem como de todas as influências contextuais da época naquele local, para que possamos compreender o seu aparecimento no sistema jurídico criador e seu desenvolvimento através dos tempos até a chegar ao estágio técnico-processual atual, bem como, analisar as influências que veio a produzir frente a outros ordenamentos processuais.

Sob a ótica das razões que vieram a produzir tais regras normativas, como foram estruturadas e porque se modificaram com o passar do tempo, é importante considerar que o direito processual

99 Assinala o prof. Marcello Caetano, que “o estudo aprofundado da história do direito num

dado país e em certa época do passado implica: a) o conhecimento das condições políticas, econômicas e sociais em que o Direito era gerado e aplicado; b) o conhecimento das fontes do Direito; c) o exame das instituições jurídicas; d) a análise da realidade da aplicação das normas, isto é, da prática do Direito; e) o conhecimento das idéias que na época influenciavam a criação e a aplicação do Direito.” (Marcello Caetano, História do Direito Português, volume I, Lisboa: Editorial Verbo, p. 18)

civil, assim como todos os direitos, é fator preponderantemente social e cultural, e tais origens e alterações normativas se produzem em razão das alterações sociais, pois o produto jurídico advindo das volições sociais de determinada época é exatamente conseqüência das transformações dessa sociedade em razão do tempo.100

Seja para o fim de bem conhecer o verdadeiro sentido dos institutos jurídicos e dos textos legislativos atuais, seja para perquirir as origens e a evoluções históricas do desenvolvimento do processo e de suas fases marcantes, do seu aparecimento, ou para encontrar uma resposta a diversas indagações jurídico-filosóficas desses mesmos institutos e formas de processo, sem dúvida, o estudo da história de seu processo impõe-se como indispensável a todos aqueles que cultivam o conhecimento da ciência jurídica. 101

100 Nas palavras de Nuno J. Espinosa Gomes da Silva, “a História do Direito vai estudar o como

e o porquê da evolução das regras jurídicas de uma determinada sociedade, o que equivale a dizer que, em primeira linha, se preocupará com a evolução das fontes de direito.” (Nuno J. Espinosa Gomes da Silva, História do Direito Português. Fontes do Direito. 2.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1991. p. 25). No mesmo sentido, a lição de Orestano, Introduzione allo studio del diritto romano, Bologna, 1987, p. 54, ao afirmar que “ponendosi dall’angolo visuale dell’esperienza giuridica, allora la storia del diritto sarà storia di norme non meno che di comportamenti, di idee non meno che di fatti, di azioni non meno che di riflessioni, di assetti istituzionale non meno che della loro reduzione in istituti: sarà in altri termini storia del modo in cui ciascuna epoca, in ciascun popolo, in ciascun ‘complesso di esperienza’ è stato concretamente vissuto e speculativamente inteso quell’insieme di fenomeni che genericamente possiamo designare come ‘giuridici’.“

101O romanista Giovanni Pugliese sustenta a importância cientifica do estudo da história do

direito, asseverando que “(...) importanza la quale può ravvisarsi nel contributo da essi dato a una migliore compreensione e migliore interpretazione della natura o degli aspetti assunti in epoche posteriori dalle regole o dagli istituti giuridici considerati.” (Giovanni Pugliese.

Não se deve desligar a evolução do Direito de um povo do conjunto da evolução desse povo, partindo do princípio de que o Direito não é um produto arbitrário de vontades, mas uma resposta às necessidades sentidas pela comunidade tal como são manifestadas pelos interessados e interpretadas pelos governantes.

É necessário, portanto, acompanhar através do passado as instituições jurídicas, procurando verificar como surgiram como evoluíram como se transformaram e como desapareceram; o que nelas surge de contingente, ligado ao espaço onde vigoram e as épocas transitórias, e o que, parece corresponder a constantes da natureza humana ou do caráter nacional. 102

Relazione finale alle ati del convegno di diritto romano. Copanello, 12-15 maggio, 1982. in: Poteri Negotia Actiones nella esperienza romana arcaica. Napoli: Università degli Studi di Reggio Calabria. Pubblicazioni della Facoltà di Giurisprudenza di Catanzaro Edizioni Scientifiche Italiane, 1984. p. 272). Segundo. Luiz Carlos Azevedo, fazendo referência a Manorco e Souza, a importância do estudo das fontes das instituições jurídicas é incontestável: “assim como o naturalista procura, por meio do estudo nas estratificações e formas vivas, determinar e seguir o processo de desenvolvimento dos organismos, assim o jurisconsulto moderno tenta, com a análise histórica, reconstruir as instituições jurídicas e desentranhar dos segredos da evolução a sua verdadeira natureza.” E acrescenta que existe “certo descaso pelas origens históricas dos institutos que constituem a base jurídica, administrativa e econômica da sociedade contemporânea; todos esses fatores têm relegado, para um segundo plano, certos aspectos ligados às fontes da própria estrutura da civilização ocidental, sem que se atine para a importância que elas representam para melhor compreensão de seu desenvolvimento nos editos passados e melhor entendimento da sua fixação nas leis presentes.” (Manorco e Souza, História das Instituições do Direito Romano, Peninsular e Português. Coimbra, França Amado Editor, 1910 in: Luiz Carlos de Azevedo e Moacyr Lobo da Costa, Estudos de História do Processo: recursos, Osasco, FIEO, 1996, p. 14-15)

Da mesma forma, e em face de todo esse contexto por que passa a ciência processual, fundamentada na busca incansável de um processo que produza resultados reais, tem despertado tanto o legislador como os doutrinadores e estudiosos do processo civil moderno a se valerem de experiências estrangeiras, e que tem apresentado resultados, a fim de que essas conquistas alcançadas por nações de cultura jurídico-processual diversa da de nosso país, passem a ser adequadas ao sistema processual nacional vigente ou, ao menos, influenciem institutos processuais que possam ser implantados, a fim de garantir a esperada efetividade processual.

A unificação dos países em face da multiplicação das relações internacionais constitui, sem dúvida, uma das mais importantes tendências caracterizadas por nossa época.

Essa nova forma de intercâmbio de valores, em âmbito supranacional, tem fundamento no recente e revolucionário contexto por que passam as nações mundiais, na forma de uma globalização das relações e das diversas experiências individuais

similares enfrentadas por cada país, e que, notadamente, tem ocorrido em diversos campos, quer seja na área econômica (exs. da Comunidade Européia de do Mercosul), política, administrativa e, também, na área jurídica, devidamente representada pelo direito comparado, ramo do direito que estuda estes pontos jurídicos convergentes, estipulando limites geográficos, políticos ou ideológicos para a efetivação desta unificação ou parceria comum internacional com objetivos a determinado fim. 103

O método de estudo comparativo faz ressaltar os semelhantes e presentes problemas práticos dos ordenamentos processuais estrangeiros, bem como, se torna de certa maneira, útil para a necessária integração ou adequação dos institutos e experiências que se apresentaram viáveis e satisfatórias.104-105

103 Segundo René David, Os grandes sistemas do direito contemporâneo, 3.ed., São Paulo:

Martins Fontes, 1996. p. 09, “o direito comparado é necessário para que apareçam os pontos de convergência ou de divergência existentes entre os diferentes direitos, e para reconhecer os limites, geográficos ou outros, que convém assinalar à unificação. (...) O direito comparado é chamado a desempenhar uma grande função na renovação da ciência do direito, e na elaboração de um novo direito internacional que corresponda às condições do mundo moderno.”

104 Cf. Mauro Cappelletti, La testimonianza della parte nel sistema dell’oralità, Parte seconda.

Milano: Giuffrè Editore, 1962, p. 417-8, lecionando “(...) ricerche comparative, (...) soprattutto, consentiranno di condurre ad unità tutti questi ed altri avvenimenti, e d’inserirli in un unico e grandioso fenomeno del quale essi sono espressione: il fenomeno che, ricollegandosi ad un mutato metodo e indirizzo del pensiero, ha significato, anche negli altri campi del diritto, profondo mutamento dei metodi di studio e irresistibile moto di rinovamento degli istituti. Fenomeno (...) che anzi proprio in questi ultimissimi decennî ha mostrato come vedremo un progressivo crescendo di resultati in numerosi Paesi europei ed extraeuropei, e che ha

O direito comparado parte da premissa de que se deva aproveitar as experiências jurídicas materiais levadas a cabo no exterior, e que se demonstraram de certa forma úteis e efetivas naquelas nações, a fim de empregá-las ou ao menos aproveitá-las de algum modo em determinado ordenamento jurídico visando sempre a realização de uma justiça melhor.

As instituições jurídicas estrangeiras são respostas diferentes a problemas que nós poderemos resolver de outra forma e que são comuns aos sistemas jurídicos comparados.106

A comparação jurídica, dessa forma, ao se espalhar por todos os ramos de estudo da ciência jurídica, atinge, indubitavelmente, o

alimentato in varî Paesi una delle più fiorenti culture giuridiche che mai l’umanità abbia conosciuto.”

105 Também nesse sentido, pronuncia-se Walter J. Habscheid, Introduzione al diritto processuale

civile comparato, Rimini: Maggioli Editore, 1985. p. 15, sustentando a importância e a necessidade da moderna técnica do estudo comparativo, pois conforme afirma, “il ventesimo secolo, per le crescenti ripercussioni a livello internazionale di ogni avvenimento, è divenuto il secolo della comparazione giuridica. Nessun legislatore, che sia consapevole delle proprie responsabilità, porterà a compimento una riforma senza prima aver condotto una indagine comparatistica; (...) nessun vorrà fare a meno di accertare come il medesimo caso sarebbe risolto in altri sistemi giuridici.”

106De certa forma, “o direito comparado é útil para um melhor conhecimento do nosso direito

nacional e para seu aperfeiçoamento.(...) num período de vinte anos, de dez anos, ou mesmo inferior, a reforma que foi realizada num país e que aí provou o seu valor, é introduzida noutros países, com uma ou outra modificação, levando em conta circunstâncias especiais ou que visem aperfeiçoá-la ou integrá-la mais perfeitamente no direito desse novo país.” (René David, Os grandes sistemas ... , op. cit. p. 05)

campo do direito processual e, tem por objetivo, nesta área, colher do âmbito internacional, vantagens e desvantagens da possibilidade de se aplicar determinados institutos processuais que caracterizam a formação, o procedimento, as decisões ou a execução dos julgados dos diversos sistemas processuais mundiais frente aos institutos do processo civil de determinado país, analisando-se possíveis e positivos resultados em face da efetividade que neste ordenamento poderão produzir.

Partindo desses princípios, torna-se de suma importância dentro do estudo do processo civil, o emprego constante do método comparativo entre as diversas legislações processuais internacionais vigentes, a fim de que a utilização e a adequação dos institutos fundamentais que informam as diferentes famílias 107 processuais

possam correlacionar-se, a fim de que soluções que se apresentaram efetivas em determinados ordenamentos jurídicos mundiais possam vir a completar, informar, influenciar ou até integrar demais ordenamentos processuais, sempre em busca da celeridade,

amplitude do contraditório, legitimação da decisão e, por conseqüência, da efetividade do processo.108

Mas há de se ressaltar o necessário cuidado em relação à comparação, como método de pesquisa, haja vista que arriscado será transplantar, pois determinados institutos processuais podem gerar incompatibilidade jurídica entre os fundamentos adotados por cada uma das famílias processuais comparadas.

Enquanto, por exemplo, a base estrutural para a formação do processo e o desenvolvimento do procedimento nos países da civil law está completamente imbuída em institutos que reforçam o formalismo, nos países que empregam o sistema da common law, em especial os Estados Unidos e a Inglaterra, estão nitidamente arraigados em conceitos e estruturas processuais que primam pela oralidade.

108 Cândido Rangel Dinamarco, O futuro do processo civil, artigo, 1996. p. 09, leciona que “é lícito

que uma família jurídica absorva as conquistas de outra e valha-se de experiências desenvolvidas em outro contexto sistemático. Não se trata de substituir um sistema por outro, e muito menos de renunciar a princípios, mas de adequar o modo como incidem e com isso caminhar para um processo mais justo e efetivo.”

O contraste político, social e jurídico é muito amplo, daí porque são indiscutíveis as diferenças encontradas pelos estudiosos do método comparado, mas sem dúvida, respeitadas tais importantes advertências, de grande valia é o método comparativo entre as famílias processuais para o estudo dos procedimentos, tanto na formação do processo, como no que diz respeito aos métodos executivos das decisões judiciais.109

Nesse passo, as influências, ou até possivelmente as adequações, poderão advir e incorporar, com algumas modificações, à sistemática normativa do processo civil pátrio.

O escopo do direito processual civil comparado é conhecer as semelhanças e neutralizar as divergências no tocante a um sistema jurídico em face de outro ou ao conjunto de sistemas jurídicos, perquirindo, com acuidade, o porquê das dissimilitudes, aceitando,

109 José Rogério Cruz e Tucci, “Class Action” e Mandado de Segurança Coletivo, São Paulo:

Saraiva, 1990. p. 05, afirma que “guardadas as profundas diferenças estruturais existentes entre a common law e o direito codificado, constitui um instrumento deveras útil para a resolução de problemas de técnica legislativa. (...) Partindo-se do pressuposto de que o “direito comparado” molda-se pelo confronto de conceitos, princípios e regras de ordenamentos jurídicos diversos, é necessário proceder a um exame paciente, acurado, cuidadoso, dos vários elementos que compõe aqueles; exame que deve ter em vista não apenas o significado abstrato dos postulados e das regras, mas, também, condicionados pelas próprias vicissitudes, o modo pelo qual esses encontram concreta aplicação na experiência dos países onde vigoram, destacando-se as coincidências e as diferenças quanto ao conteúdo e aos respectivos efeitos.”

com modéstia, o que de salutar é praticado por outros povos, e oferendo-lhes, sem desdém, o que temos de razoável. E sua tarefa última no aprimoramento da civilização é marchar ao encontro da unicidade do direito, tornando-o uma ciência menos árida e menos complexa.

Extrai-se daí, a importância da comparação jurídica entre os métodos utilizados pelas diversas famílias processuais, pois, dependendo do tipo de família jurídico-processual e da maneira com que se forma o processo civil, e se executam as decisões judiciais, embora todas busquem um mesmo fim, qual seja o da obtenção de um provimento satisfativo, notório é o diferente grau de rapidez e efetividade com que se obtém a tutela jurisdicional e se apresentam essas diversas maneiras de estruturar a relação jurídico- processual a fim da realização dos direitos pretendidos em juízo.

Porém, vale lembrar que as vantagens e possibilidades das regras jurídicas instituídas por um determinado sistema jurídico diverso, representam, na verdade, o enfoque de um tipo de mentalidade, de política ou ideologia, voltada ao processo

diferentemente daquela em que é estruturado o processo civil pátrio.

3.2. A importância dos elementos históricos e de direito