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O sincretismo processual, seu objeto e suas características

Pelo sincretismo, a realização prática da sentença condenatória, após sua definitividade, deve ser considerada fase subseqüente do processo, e não um novo processo.

Os atos executivos necessários à efetivação da sentença são praticados na mesma relação processual, de forma a dispensar a instauração de outra relação, com nova petição inicial, custas processuais e citação. (...)

Cabe ressaltar, também, as recentes alterações legislativas relativas ao sincretismo entre cognição e cautela, ou seja, a produção concomitante, no mesmo processo, de atos cognitivos e cautelares.87

É interessante salientar a evolução que o direito processual civil passou, sobretudo no que tange à sua relação com o direito material. Na fase autonomista, procurou-se separar de forma inequívoca o direito do processo, pondo termo à concepção imanentista.

Já na fase instrumentalista, voltam-se os processualistas a se preocupar com a efetivação do direito material, colocando em segundo plano o direito processual, por consistir simples meio de efetivação daquele.

O processo sincrético passa a reaproximar novamente o direito material do direito processual, sem, contudo, aglutiná-los. 88

87 Lei n. 10.444/02, inserindo o novo parágrafo 7º do art. 273 do Código de Processo Civil

88 Relembra-se aqui a lição de Chiovenda, para quem o processo precisa ser apto a dar a quem

tem um direito, na medida do que for praticamente possível, tudo aquilo a que tem direito e precisamente aquilo a que tem direito. É momento de deixar de se pensar no processo pelo processo, para encará-lo em sua verdadeira função: um instrumento de realização de justiça e, principalmente, de pacificação social. “(...) il processo deve dare per quanto possibile praticamente a chi ha un diritto tutto quello e proprio quello che egli ha diritto di conseguire” ,

O que se unifica são as três espécies clássicas de processo, para que o direito material seja atendido de forma mais efetiva, sem a morosidade hoje existente.

O legislador passou a autorizar o magistrado a praticar atos executivos no bojo do processo de conhecimento, sem a necessidade de instauração de nova relação processual, caracterizando uma atividade processual, em tese, do ofício do juiz.

O sincretismo processual poderá viabilizar a concessão de um melhor amparo ao direito material do demandante, abreviando o caminho para obtenção da tutela jurisdicional.

Dessa forma, era preciso que se estendesse esse sincretismo ao procedimento de execução por quantia certa, hipótese mais comum de execução, permitindo o prolongamento da relação processual após a prolação da sentença condenatória, dando início a fase executiva, de forma que a pretensão da parte fosse atendida mais rapidamente.

segundo a máxima de Giuseppe Chiovenda, Istituzioni di diritto processuale civile, op. cit., p. 12

O sincretismo das tutelas tem sido louvado pela doutrina. Indubitavelmente torna a prestação jurisdicional mais ágil, célere e, por conseguinte eficaz. 89

E essa tendência sincrética é mola propulsora da Lei nº 11.232, de 22-12-2005, que parece ser a peça principal da terceira onda reformista do Código de Processo Civil.90

89 Joel Dias Figueira Júnior. Comentários à novíssima reforma do CPC Lei 10.444, de 07 de maio

de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 03; Paulo Henrique dos Santos Lucon. Eficácia das decisões e execução provisória, op. cit. p.162; José Miguel Garcia Medina, Execução civil: princípios fundamentais, op. cit., p. 47; Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 358.

90 “(...) 3. É tempo, já agora, de passarmos do pensamento à ação em tema de melhoria dos

procedimentos executivos. A execução permanece o 'calcanhar de Aquiles' do processo. Nada mais difícil, com freqüência, do que impor no mundo dos fatos os preceitos abstratamente formulados no mundo do direito. Com efeito: após o longo contraditório no processo de conhecimento, ultrapassados todos os percalços, vencidos os sucessivos recursos, sofridos os prejuízos decorrentes da demora (quando menos o 'damno marginale in senso stretto' de que nos fala Italo Andolina), o demandante logra obter ao fim a prestação jurisdicional definitiva, com o trânsito em julgado da condenação da parte adversa. Recebe então a parte vitoriosa, de imediato, sem tardança maior, o 'bem da vida' a que tem direito? Triste engano: a sentença condenatória é título executivo, mas não se reveste de preponderante eficácia executiva. Se o vencido não se dispõe a cumprir a sentença, haverá iniciar o processo de execução, efetuar nova citação, sujeitar-se à contrariedade do executado mediante 'embargos', com sentença e a possibilidade de novos e sucessivos recursos. Tudo superado, só então o credor poderá iniciar os atos executórios propriamente ditos, com a expropriação do bem penhorado, o que não raro propicia mais incidentes e agravos. Ponderando, inclusive, o reduzido número de magistrados atuantes em nosso país, sob índice de litigiosidade sempre crescente (pelas ações tradicionais e pelas decorrentes da moderna tutela aos direitos transindividuais), impõe-se buscar maneiras de melhorar o desempenho processual (sem fórmulas mágicas, que não as há), ainda que devamos, em certas matérias (e por que não?), retomar por vezes caminhos antigos (e aqui o exemplo do procedimentos do agravo, em sua atual técnica, versão atualizada das antigas 'cartas diretas' ...), ainda que expungidos rituais e formalismos já anacrônicos. 4. Lembremos que Alcalá-Zamora combate o tecnicismo da dualidade, artificialmente criada no direito processual, entre processo de conhecimento e processo de execução. Sustenta ser mais exato falar apenas de fase processual de conhecimento e de fase processual de execução, que de processo de uma e outra classe. Isso porque "a unidade da relação jurídica e da função processual se estende ao longo de todo o procedimento, em vez de romper-se em dado

Denominam-se ações sincréticas todas as demandas que possuem em seu bojo intrínseca e concomitantemente cognição (processo de conhecimento) e execução, ou seja, não apresentam a dicotomia entre conhecimento e executividade, verificando-se a satisfação perseguida pelo jurisdicionado numa única relação jurídico-processual, onde a decisão interlocutória de mérito (provisória) ou a sentença de procedência do pedido (definitiva) serão, em tese, auto-exequíveis.91

da Costa afirmava que a intervenção do juiz era não só para restabelecer o império da lei, mas para satisfazer o direito subjetivo material. E concluía: "o que o autor mediante o processo pretende é que seja declarado titular de um direito subjetivo e, sendo o caso, que esse direito se

realize pela execução forçada" (Direito Processual Civil Brasileiro, 2a ed., v.I, n. 72). As teorias

são importantes, mas não podem se transformar em embaraço a que se atenda às exigência naturais dos objetivos visados pelo processo, só por apego ao tecnicismo formal. A velha tendência de restringir a jurisdição ao processo de conhecimento é hoje idéia do passado, de sorte que a verdade por todos aceita é a da completa e indispensável integração das atividades cognitivas e executivas. Conhecimento e declaração sem execução - proclamou COUTURE, é academia e não processo (apud Humberto Theodoro Júnior, A execução de sentença e a garantia do devido processo legal, Ed. Aide, 1987, p.74). A dicotomia atualmente existente, adverte a doutrina, importa na paralisação da prestação jurisdicional logo após a sentença e na complicada instauração de um novo procedimento, para que o vencedor possa finalmente tentar impor ao vencido o comando soberano contido no decisório judicial. Há, destarte, um longo intervalo entre a definição do direito subjetivo lesado e sua necessária restauração, isso por pura imposição do sistema procedimental, sem nenhuma justificativa, quer que de ordem lógica, quer teórica, quer de ordem prática (ob. cit., p. 149 e passim). “(trecho da exposição de motivos do anteprojeto que culminou na edição da lei 11.232/05). Cf. Athos Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira, Anteprojeto de lei e sua exposição, relativamente ao

cumprimento das sentenças cíveis. Disponível em: http://www.direitoprocessual.org.br/anteprojeto.htm

91 Joel Dias Figueiras Júnior. Ações sincréticas e embargos de retenção por benfeitorias No Atual

Sistema E No 13º Anteprojeto de reforma do Código de Processo Civil - Enfoque às demandas possessórias. Revista de Processo, nº 98, p. 11

Se ganha tempo, custo e torna-se o processo mais rápido e eficaz, o que à toda evidência, representa melhor distribuição e acesso à Justiça.

Na linguagem gramatical, sincretismo é o nome que se dá ao fenômeno de uma palavra exercer duas ou mais funções.92

É claro que ao se falar em ações sincréticas, o sentido é o da linguagem gramatical, pela qual temos que duas funções de um processo, conhecimento e execução, passam a se perfeccionar numa mesma relação processual.

A realização do direito reconhecido em sentença, entretanto, passou a encontrar, dentro do Livro I, tratamento diferenciado conforme verse sobre obrigação de dar, de fazer ou de pagar.

A Lei nº 11.232/05, ao inserir no Título VIII o Capítulo X, Do Cumprimento da Sentença (art. 475-I a 475-R), deixou no Capítulo VIII, Da Sentença e da Coisa Julgada, os arts. 461 e 461-A que tratam do cumprimento da sentença de obrigação de fazer e de dar,

92 Luiz Antônio Sacconi, Gramática em termos de comunicação, Edição Cia. Editora Nacional, 4ª

deixando ao novel e sobre aquele título apenas a execução de pecúnia certa.

Diz o art. 475-I: “O cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A desta Lei ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução, nos termos dos demais artigos deste Capítulo”.

O artigo, em que pese a alocação da matéria em capítulos distintos, equipara cumprimento de sentença a execução de sentença, primeiro ao dizer que o cumprimento da obrigação de dar e fazer se fará de acordo com os arts 461 e 461, segundo por referir que a execução por quantia se fará pelo Capítulo X, e por terceiro, capitulando esta última execução sob o título “Do Cumprimento da Sentença".

Portanto, o processo de conhecimento, agora, passa a efetivar a sentença condenatória de obrigação de dar, de fazer e de pagar, assim como de seus equiparados previstos no art. 475-N, como etapa final da mesma ação (processo sincrético), dispensando a

instauração da relação jurídica processual executiva (processo autônomo), ainda que para tal exija o requerimento executivo e assegure nova resistência mediante incidente impugnatório nos mesmos autos.

Alguns questionamentos poderiam ser efetivados no tocante à co-relação entre o princípio da autonomia e o sincretismo processual.

O princípio da autonomia é muitas das vezes designado para identificar a independência do processo de execução relacionado ao processo de conhecimento, em face da formação de um novo vínculo jurídico processual. Na verdade, o mais sensato seria dizer que o processo de conhecimento é que independe e se caracteriza como autônomo do posterior processo de execução, uma vez que nada impede que o devedor possa cumprir voluntária e satisfatoriamente a obrigação devida em relação à execução de sentenças condenatórias. A noção de autonomia deve ser recíproca nos processos de conhecimento e de execução.93

Sob esse foco, torna-se possível afirmar que as modificações recentes das estruturas processuais, fruto das reformas do CPC, só vieram a fortalecer a idéia de que existem situações em que cognição e execução se realizam na mesma relação jurídico-processual, sendo que antes figuravam como mera exceção ao princípio da autonomia da execução em face da cognição.94

Há que se falar então no princípio do sincretismo como uma nova configuração da relação entre cognição e execução, significando o poder de exigir o julgamento da pretensão e, ao mesmo tempo, exigir a satisfação do direito reconhecido neste julgamento.

Tal figura ocorre freqüentemente nos casos em que, julgada procedente a pretensão, o mesmo processo vai prosseguir e, naturalmente, sem que nova demanda seja proposta, tampouco nova citação será efetuada; enfim os atos executivos adequados serão produzidos imediatamente.

O processo é um só e uma só ação existe, possuindo conjuntamente, natureza cognitiva e executiva.

Nessa espécie de processo, o que muda é o rito, ou seja, o procedimento. A prévia tutela jurisdicional cognitiva devidamente prestada autorizará a execução imediata, sem a necessidade de propositura de nova ação.

Continua a correr o mesmo processo de cognição, portanto, com uma nova fase dotada de atos executivos, configurando-se como uma execução própria nos mesmos autos onde fora prestada a tutela cognitiva.95

Nota-se que a execução dos títulos executivos judiciais se limita ao procedimento de cumprimento nos mesmos autos, ficando as demais hipóteses de execução descritas no Livro II do CPC restritas às hipóteses de execução por títulos executivos extrajudiciais.

95 “Segundo as novas regras, na execução de sentença por quantia certa: a) não há mais ação

nem processo de execução, senão simples pedido (ou requerimento) e procedimento executório; b) não há mais embargos do devedor, senão impugnação ao pedido; c) não há mais sentença, senão simples decisão.” (J.E. Carreira Alvim, ob.cit., p. 60).

Voltando à análise do princípio da autonomia do processo de execução em relação ao processo de conhecimento, com as observações acima, é perfeitamente possível se admitir o expurgo da existência de tal princípio no que tange à execução (ou cumprimento) dos direitos fixados em títulos executivos judiciais, os quais são regidos pela regra do sincretismo após sua instauração definitiva pela Lei 11.232 de 2005 no estatuto processual civil em vigor.

Processo sincrético, enfim, é aquele que reúne na mesma relação jurídica processual a fase cognitiva, na qual o magistrado aplica o direito ao caso concreto (fase de acertamento), e a fase executiva, na qual a atividade jurisdicional visa alterar o mundo concreto, fazendo cumprir o comando declarado (fase satisfativa).

Cumpre ressaltarmos que toda a dicotomia existente até então na sistemática processual civil antes das referidas reformas, primando a separação entre cognição e execução em dois processos, se deve indiscutivelmente pela herança histórico-cultural deixada

pelos romanos, e que se desdobrou ao longo dos tempos, formando a quase totalidade das raízes que hoje sustentam o direito processual.

Encontraremos na análise da evolução do binômio conhecimento–execução aspectos históricos que podem ser resgatados ou pelo menos que vieram a servir de base para influenciar as propostas reformadoras do legislador pátrio em combinar os atos procedimentais cognitivos e executivos, unificando assim a jurisdição e sua forma de atuação, para a efetivação dos direitos postos a apreciação do Poder Judiciário.

E sobre esses aspectos históricos poderemos analisar a evolução das formas de execução das sentenças para extrairmos e refletirmos acerca de propósitos que justifiquem as idéias que serão abordadas objetivando a análise da atuação dos direitos mediante o sincretismo processual em vista, sobretudo, da natureza jurídica do provimento jurisdicional que enseja a produção do denominado cumprimento de sentença.

CAPÍTULO 3

Uma análise histórica e comparatística acerca das formas de cumprimento das sentenças

SUMÁRIO: 3.1. A importância do estudo da história do direito processual e do direito comparado para o entendimento das estruturas processuais nacionais; 3.2. A importância dos elementos históricos e de direito comparado na formação do processo civil brasileiro; 3.3. O direito processual civil romano e as suas influências sobre a execução das sentenças no direito processual civil brasileiro; 3.4. Do processo civil medieval, das influências lusitanas e do desenvolvimento da execução de sentença na legislação processual civil brasileira; 3.5 Notas de direito comparado

3.1. A importância do estudo da história do direito processual e do