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A importância dos elementos históricos e de direito comparado na formação do processo civil brasileiro

A formação do processo civil brasileiro tem marcantes influências advindas dos ordenamentos processuais lusitanos e hispânicos, de modo geral, principalmente em razão da Ley de Enjuiciamento Civil Española de 1855, esta por sua vez inspirada no processo romano-canônico, pois vieram a ser encampadas pela grande maioria dos ordenamentos processuais de matéria civil dos países latino-americanos, como por exemplo, Argentina, Venezuela, México e, claro, inclusive, o Brasil.110

Isto porque, com a fusão de normas e institutos do direito romano, do direito germânico e do direito canônico, surge o direito

110 Tais estruturas foram adotadas, frente ao processo civil “por todos los países americanos de

ascendencia hispanica e igualmente en Brasil, pues eran similares los enfoques procesales en Portugal y España, (...) En definitiva, se seguía el modelo que ya estabelecían Las siete partidas del Rey Alfonso X, el Sabio, que atravesaron incílumes siete siglos, hasta consolidarse en la Ley de Enjuiciamento Civil.” (Adolfo Gelsi Bidart, Código-tipo y Reforma del proceso en América Latina: entre derecho común o uniforme in: Anais - congresso internacional, Roma, 1988 - Un ‘codice-tipo’ di procedura civile per l’America Latina)

comum, e com ele o processo comum, que vigorou desde o século XI até o século XVI, podendo-se encontrar seus vestígios até hoje, nas legislações processuais do Ocidente.

O processo civil comum expandiu-se por toda a Europa e dele se extraíram os caracteres gerais que, aperfeiçoados, vieram a inspirar o processo moderno111, no momento em que cada país

adequou às suas peculiaridades sócio-político-culturais as normas de processo civil romano, que ora então, já no século XIII, teriam sido recepcionadas, em grande escala, como fonte principal de direito subsidiário, nos territórios de toda Península Ibérica e na quase totalidade dos demais países da Europa Ocidental. 112

A influência do processo civil romano foi marcante em todos os ordenamentos processuais que vieram a se formar nos países europeus ocidentais, haja vista que bem como Espanha e Portugal, a maioria das nações da Europa continental não deixou de “pagar

111 Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

p.13

112 Segundo Enrico Tulio Liebman, Embargos do Executado, op. cit., p. 44, “durante muitos

séculos em que foi praticado, o processo comum contribuiu poderosamente para formar a unidade jurídica da Europa continental. Mas, com o passar do tempo, ele provocou graves dificuldades e inconvenientes na prática, em razão da quantidade e diversidade das fontes, da variedade de opiniões dos doutores, das complicações e do formalismo do procedimento.”

tributo ao direito romano e ao direito canônico quase desde os alvores da nacionalidade” 113

Este contexto justifica, sem dúvidas, as origens das linhas fundamentais do processo civil brasileiro - e também dos demais países latino-americanos - que, desde a independência, sob a égide das Ordenações Filipinas, até as recentes reformas que buscaram, sobretudo celeridade e efetividade processual, sempre teve, basicamente, nítidas influências advindas de modelos processuais europeus continentais, principalmente frente ao processo civil português (fundado em origens romano-canônico-germânicas), haja vista as enormes influências históricas, mas também, de experiências processuais colhidas de países como, por exemplo, a França.114

Áustria e Alemanha, através de seus ordenamentos processuais (Zivilprozessordnung - ZPO), também contribuíram para

113 Guilherme Braga da Cruz. O direito subsidiário na história do direito português. separata da

Revista Portuguesa de História, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, tomo XIV, Coimbra, 1975, p. 179

114 Pois “nella formazione dei processi moderni è stata poi decisiva l’influenza del diritto

francese. Malgrado le differenze notevole che si possono riscontrare nelle leggi processuali delle maggiori nazione del continente, esse sono tutte strettamente imparentate tra loro e si distaccano profondamente dal diritto comune, avendo risentito molto più di quel che si ritenga comunemente l’influenza del Code de procédure civile.(...)” (Enrico Tulio Liebman, Qualche osservazione sullo studio della storia del processo civile. in: Problemi del processo civile. Milano: Morano Editore, 1962. p. 481-2)

ofertar influências de seus institutos ao modelo processual brasileiro, bem como, os trabalhos legislativos e os projetos de grandes processualistas italianos, a exemplo de Chiovenda, que de sobremaneira inspiraram o legislador processual civil pátrio.

Sem dúvida, os ordenamentos que mais influíram na construção legislativa do primeiro Código de Processo Civil brasileiro, de 1939, foram o código austríaco de 1895, o projeto de Chiovenda de 1919 e, direta e profundamente, o código português de 1926.

Liebman, em estudo acerca dos institutos de direito comum no processo civil brasileiro, reconhece a influência do processo comum, ou por influência portuguesa (caso do Brasil) ou por influência espanhola (caso dos demais países da América Latina).115

Com base nestes traços históricos herdados das famílias jurídicas romano-germânicas, nas marcantes influências do processo

115 Enrico Tulio Liebman, Istituti del diritto comune nel processo civile brasiliano. in: Problemi

del processo civile. Milano: Morano Editore, 1962, p. 491, afirma que “si aggiunge il fatto che le istituzioni giuridiche di queste nazioni derivano anch’esse direttamente dal grande tronco del Diritto Comune europeo dell’epoca intermedia (...)”

civil europeu continental e nas grandes codificações fundadas no liberalismo do século XIX, o processo civil brasileiro, por todo seu contexto sistemático, apresenta traços característicos destas famílias processuais, ou seja, transparece em sua quase totalidade e aplicabilidade, um marcante formalismo, apresentando alguns momentos de oralidade, como se demonstra também em todas as formas de procedimentos advindos dos sistemas de civil law.

Sem dúvida, é um processo igualmente marcado por um enorme apego à forma escrita e à documentação necessária de seus atos nos autos do processo, estruturando-se de forma eminentemente burocrática, ao talante dos inúmeros operadores e funcionários da Justiça.

Caracteriza-se, também, por apresentar um grande número de instrumentos recursais, um procedimento custoso, extremamente lento e complexo, mas que por força da modernização processual apregoada por operadores do processo, e frente à técnica processual da obtenção de resultados e da efetividade das decisões judiciais, tenta, de forma expressiva, “desvencilhar-se dos rigores de vetustas

regras herdadas dos romanos, em si mesmas responsáveis pela segurança do processo, mas que em certa medida impedem a agilidade na preparação e outorga da tutela jurisdicional.” 116

Todas essas características, sem dúvida, espelham a complexidade e o método de formação do processo civil brasileiro, fundado eminentemente na cultura jurídica, e processual, do método da civil law, tendo sido, por base, sistematizado, nos fundamentos da família romano-germânica.

3.3. O direito processual civil romano e as suas influências sobre a