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A coisa julgada pode ser definida como a “situação jurídica consistente na imutabilidade e indiscutibilidade da sentença (coisa julgada formal) e seu conteúdo (coisa julgada substancial), quando tal provimento jurisdicional não está mais sujeito a qualquer recurso” (CÂMARA, 2009. p. 461).

A coisa julgada possui limites subjetivos e objetivos. Estes estão relacionados com a determinação do alcance da imutabilidade e da indiscutibilidade do provimento transitado em julgado. Os limites subjetivos, por sua vez, dizem respeito às pessoas que são atingidas pela decisão transitada em julgado. Nesse diapasão, a coisa julgada pode produzir efeitos: a) inter partes, quando o decisum vincula apenas as partes do processo. Esse é o sistema adotado pelo Código de Processo Civil, segundo o qual “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”29; b) ultra

partes, vinculando, além das partes, outras pessoas envolvidas com a questão discutida em

juízo; c) erga omnes, quando atinge a todos, independentemente de participação no processo.

27 Apud SILVA, Thaís Helena Pinna da. Liquidação de Sentença nas Ações Coletivas. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6078> Acesso em 25 set. 2009.

28 Essa previsão está prescrita no art. 100 do Código de Defesa do Consumidor. 29 Art. 472, primeira parte.

Originalmente, o artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública possuía o seguinte teor: “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, exceto se a ação for julgada improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova".

Todavia, em 1997, a Medida Provisória nº 1.570, que se converteu na Lei nº 9.494/97, alterou o artigo 16 da LACP, dando-lhe a seguinte redação:

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Essa alteração é amplamente criticada pelos doutrinadores, os quais a tem por ineficaz, uma vez que não é possível limitar a coisa julgada erga omnes. Nesse sentido, dispõem Nelson Nery e Rosa Nery (2002, p. 1366-1367):

A norma, na redação dada pela L 9494/97, é inconstitucional e ineficaz. Inconstitucional por ferir os princípios do direito de ação (CF 5º XXXV), da razoabilidade e da proporcionalidade e porque o Presidente da República a editou, por meio de medida provisória, sem que houvesse autorização constitucional para tanto, pois não havia urgência (o texto vigorava há doze anos, sem oposição ou impugnação), nem relevância, requisitos exigidos pela CF 62 caput. Ineficaz porque a alteração ficou capenga, já que incide o CDC 103 nas ações coletivas ajuizadas com fundamento na LACP, por força do LACP 21 e CDC 90. Para que tivesse eficácia, deveria ter havido alteração da LACP 16 e do CDC 103. De conseqüência, não há limitação territorial para a eficácia erga omnes da decisão proferida em ação coletiva, quer esteja fundada na LACP, quer no CDC.

Entretanto, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já se manifestou de modo diverso:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE. DISSÍDIO NOTÓRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CADERNETA DE POUPANÇA. RELAÇÃO DE CONSUMO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREÇÃO MONETÁRIA. JANEIRO/89. COISA JULGADA. LIMITES. DISSENSO JURISPRUDENCIAL SUPERADO. SÚMULA 168/STJ.

1. A sentença na ação civil pública faz coisa julgada erga omnes nos limites da competência territorial do órgão prolator, nos termos do art. 16 da Lei n. 7.347/85, com a novel redação dada pela Lei 9.494/97. Precedentes do STJ:

EREsp 293407/SP, CORTE ESPECIAL, DJ 01.08.2006; REsp 838.978/MG, PRIMEIRA TURMA, DJ 14.12.2006 e REsp 422.671/RS, PRIMEIRA TURMA, DJ 30.11.2006.[...]30. (g.n.)

A alteração promovida na LACP não foi repetida no Código de Defesa do Consumidor, cujas normas acerca dos efeitos da coisa julgada continuam válidas e aplicáveis às ações coletivas. Nesse sentido, Didier Jr. e Zaneti Jr. (2009, p. 145) aduzem que “exatamente em razão da confusão efetivada pelo legislador, pode-se dizer que a tentativa de limitação territorial restou frustrada, porquanto, entre a ação civil pública e o Código de Defesa do Consumidor, vige um sistema imbricado de dispositivos (art. 21, LACP, e art. 90, CDC) [...]”.

No tocante aos efeitos da coisa julgada em ações coletivas sobre direitos individuais homogêneos, o art. 103 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que a respectiva sentença fará coisa julgada erga omnes apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores.

Observe-se que não houve previsão, pelo CDC, da extensão dos efeitos da coisa julgada desfavorável, o que ocasionou divergência entre os doutrinadores. Embora haja posicionamentos no sentido de que deve ser aplicada a mesma regra relativa aos direitos difusos e coletivos31, a doutrina dominante adota uma interpretação literal do art. 103, III do CDC, que estabeleceu a eficácia erga omnes apenas em caso de procedência da ação. Entretanto, se houver intervenção litisconsorcial na ação coletiva pelo indivíduo lesionado, ele será atingido pela coisa julgada independentemente do resultado da demanda.

Observe-se que as demandas coletivas que versem sobre direitos difusos e coletivos julgadas improcedentes - por insuficiência de provas ou não - não prejudicam as pretensões individuais. Todavia, no caso de serem julgadas procedentes, as respectivas sentenças poderão ser liquidadas e executadas no plano individual. É o que denominado transporte da coisa julgada utilibus para as ações individuais. Assim, estendem-se os efeitos,

30 STJ, AgRg nos EREsp 253589/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Corte Especial, julgado em 04 jun. 2008.

Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 18 set. 2009.

31 No tocante aos direitos difusos, a sentença de improcedência produz efeitos erga omnes, exceto por

insuficiência de provas, quando poderá ser proposta novamente, desde que haja novas provas. Semelhantemente ocorre em relação aos direitos coletivos, com a ressalva de que a decisão transitada em julgado produz efeitos ultra partes.

ao plano individual, da coisa julgada nas demandas coletivas julgadas procedentes. Desse modo, o indivíduo lesado poderá utilizar-se da decisão proferida para proceder à liquidação e à execução da sentença. Essa regra está insculpida no art. 103, § 3º do CDC:

Art. 103 omissis

§ 3º Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

Acerca do transporte in utilibus da coisa julgada, cumpre trazermos à baila esclarecedora lição de Patrícia Miranda Pizzol32:

Quando o pedido em uma ação que trata de direitos difusos é julgado procedente, em princípio, essa sentença beneficia a coletividade como um todo, mas não beneficia cada indivíduo. Porém, em razão do disposto no artigo mencionado, tal sentença pode ser aproveitada pelos indivíduos lesados que poderão liquidá-la (provando dano, nexo de causalidade entre o dano sofrido e a responsabilidade fixada na sentença coletiva e montante) e depois executá-la. Assim, pode-se transportar a coisa julgada emergente do processo coletivo para obtenção de benefício individual, mesmo sem ter sido formulado pedido de natureza individual homogênea.

Por fim, cumpre deixarmos consignado que a coisa julgada nas ações coletivas que versem sobre direitos individuais homogêneos não beneficiará o autor de uma demanda individual anterior, se ele não requerer a suspensão da ação no prazo de trinta dias, contados da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva, a teor do art. 104 do Código de Defesa do Consumidor.

Para isso, o interessado deve ter tido ciência inequívoca da existência do processo coletivo e, mesmo assim, ter optado pelo prosseguimento da ação individual. Se o interessado não tomou conhecimento do processo coletivo, a regra mencionada acima não lhe será aplicada, e ele poderá, mesmo que tenha obtido um resultado desfavorável na demanda individual, utilizar-se da sentença coletiva para proceder à habilitação e execução. Cabe ao

réu o ônus de realizar essa comunicação ao interessado. “Trata-se de ônus, encargo do próprio interesse, e não dever; ônus, pois se não for cumprido, o autor individual beneficiar- se-á da coisa julgada coletiva mesmo no caso de a sua ação individual ser rejeitada” (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2009, p. 181).

4 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DOS DIREITOS

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