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4 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DOS DIREITOS

4.4 A Questão do Contribuinte

É sabido que a Medida Provisória nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, acrescentou o parágrafo único ao art. 1º da Lei de Ação Civil Pública, cujo teor é o seguinte:

Art. 1º omissis

Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.

49 Sobre o assunto, Zavascki (2007, p. 229) afirma que já havia a previsão no ordenamento jurídico da defesa

de direitos individuais divisíveis, disponíveis e decorrentes de uma origem comum. O autor menciona que “o CDC não trouxe inovação alguma, a não ser a de conceituar o que chamou de direitos individuais homogêneos”.

Mazzilli (2002, p. 120) explica a questão da seguinte forma:

[...] é como se o governante dissesse assim: como a Constituição e as leis instituíram um sistema para a defesa coletiva de direitos, e como esse sistema pode ser usado contra o governo, então impeço o funcionamento do sistema para não ser acionado em ações coletivas, onde posso perder tudo de uma só vez. Sim, o fundamento é esse, pois, se, em vez da ação coletiva tiver de ser usada a ação individual, cada lesado terá de contratar individualmente um advogado para lutar em juízo. Em caso de danos para os lesados, já que, na prática, a grande maioria dos lesado não buscará acesso individual à jurisdição, diante das dificuldades práticas supervenientes (honorários de advogados, despesas processuais, demora, pequeno valor do dano individual, decisões contraditórias, etc).

Após essa alteração, passou a ser predominante o entendimento de que o Ministério Público não possui legitimidade para defender interesses de contribuintes, havendo reiterados pronunciamentos dos Tribunais nesse sentido.

A par disso, devemos registrar que o Supremo Tribunal Federal já havia decidido, antes da alteração operada pela mencionada Medida Provisória, pela impossibilidade de propositura de ação civil pública em defesa de contribuintes, sob o argumento de que entre o contribuinte e o fisco não existe relação de consumo. Esse foi o entendimento exarado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 195056/PR50. Vejamos a ementa:

EMENTA: - CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPOSTOS: IPTU. MINISTÉRIO PÚBLICO: LEGITIMIDADE. Lei 7.374, de 1985, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078, de 1990 (Código do Consumidor); Lei 8.625, de 1993, art. 25. C.F., artigos 127 e 129, III. I. - A ação civil pública presta- se a defesa de direitos individuais homogêneos, legitimado o Ministério Público para aforá-la, quando os titulares daqueles interesses ou direitos estiverem na situação ou na condição de consumidores, ou quando houver uma relação de consumo. Lei 7.374/85, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078/90 (Código do Consumidor); Lei 8.625, de 1993, art. 25. II. - Certos direitos individuais homogêneos podem ser classificados como interesses ou direitos coletivos, ou identificar-se com interesses sociais e individuais indisponíveis. Nesses casos, a ação civil pública presta-se a defesa dos mesmos, legitimado o Ministério Público para a causa. C.F., art. 127, caput, e art. 129, III. III. - O Ministério Público não tem legitimidade para aforar ação civil pública para o fim de impugnar a cobrança e pleitear a restituição de imposto - no caso o IPTU - pago indevidamente, nem essa ação seria cabível, dado que, tratando-se de tributos, não há, entre o sujeito ativo (poder público) e o sujeito passivo (contribuinte) uma relação de consumo (Lei 7.374/85, art. 1º, II, art. 21, redação do art. 117 da Lei

50 STF, RE nº 195056/PR. Relator Min. Carlos Velloso. Julgado em 09 dez. 1999. Disponível em: <www.stf.

8.078/90 (Código do Consumidor); Lei 8.625/93, art. 25, IV; C.F., art. 129, III), nem seria possível identificar o direito do contribuinte com "interesses sociais e individuais indisponíveis." (C.F., art. 127, caput). IV.- R.E. não conhecido.

O Ministro Maurício Corrêa, em voto proferido nesse Recurso, reafirmou a diferença entre o consumidor e o contribuinte, asseverando que “a particular situação do consumidor diante do direito posto não se confunde com a do contribuinte. O contribuinte de imposto, nesta específica condição, nada consome, absolutamente nada; apenas e tão-somente paga a conta, e nada mais”.

Ainda, ressaltou o eminente Ministro que o interesse do contribuinte não é interesse social, mas individual, disponível e divisível, e que a expressão “outros interesses difusos e coletivos”, constante no art. 129, III da Constituição Federal, depende de lei regulamentadora. Assim, como não há no ordenamento jurídico previsão legal que autorize o Ministério Público a defender direitos de contribuintes, essa atuação não é possível.

Nessa esteira, posiciona-se Hugo de Brito Machado (2000 apud CASTILHO, 2006, p. 141):

O direito dos contribuintes de não pagarem tributo criado, ou aumentado, por lei inconstitucional, por exemplo, é um direito individual homogêneo, geralmente de notável expressão coletiva. Entretanto, admitir que o Ministério Público promova ação civil pública para atacar a cobrança desse tributo seria admitir que os membros do Parquet pudessem advogar, e isso é inadmissível.

Com a devida vênia, o entendimento de que não é possível fazer uso da ação civil pública para veicular pretensões tributárias se mostra falho por diversas razões, dentre as quais: a) considerar que os direitos individuais homogêneos apenas são passíveis de proteção quando oriundos de uma relação de consumo51; b) limitar o acesso à justiça em uma área tão sensível para a sociedade, na qual os abusos cometidos pelo Poder Público são constantes.

De fato, se considerada individualmente, uma cobrança indevida é, de certa forma, irrelevante, o que desestimula o ingresso em juízo para reparação. Ora, o contribuinte,

51 Como vimos, a integração entre a Lei de Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor torna

ao se deparar com todos os gastos que terá de efetuar para propor uma demanda em face do Poder Público, acaba por desistir.

Ressalte-se que no julgamento do Recurso Extraordinário referido acima, o Ministro Marco Aurélio manifestou-se no sentido do cabimento da ação civil pública para defesa de interesses de contribuintes, nos seguintes termos:

A ação foi intentada objetivando beneficiar todos os contribuintes de um município. O interesse social salta aos olhos, considerada a globalidade dos que residem no município, valendo notar a natureza pública da relação jurídica tributária.

[...] o cidadão geralmente aquilata os aspectos positivos e negativos do ajuizamento da ação, considerados os aborrecimentos que tem e as despesas, no que precisa contratar um profissional da advocacia. Esperar-se que cada qual, residente no Município de Umuarama, ajuíze a ação para impugnar a majoração do tributo tida como ilegal é simplesmente assentar-se que não teremos tal ajuizamento.

Há outro aspecto a respaldar a conclusão sobre a legitimidade em foco. Viabiliza a desburocratização do Judiciário, concentrando pretensões em um único processo, além de implicar freio à fúria arrecadadora do Estado. Sob o ângulo negativo, não vejo qualquer inconveniente na iniciativa do Ministério Público.

Por último, atente-se para a Lei Complementar regedora da atividade do Ministério Público – Lei Complementar nº 75/93. O artigo 5º, inciso II, impõe-lhe zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos ao sistema tributário e entre eles estão as limitações ao poder de tributar. Cumpre ao Judiciário agasalhar as iniciativas voltadas ao restabelecimento da paz social, ao equilíbrio das relações Estado-cidadão, viabilizando, até mesmo, o melhor funcionamento da grande máquina que encerra.

João Gilberto Gonçalves Filho (2005, p. 153-154) destaca que:

Ao se deixar a correção da ilegalidade para cada contribuinte, apenas uma pequena minoria busca amparo na tutela jurisdicional, que fica tão pulverizada quanto ineficiente.Num país em que os governos protelam o pagamento dos precatórios a não mais poder, bem como orientam suas procuradorias para a interposição de recurso em causas já exaustivamente decididas e pacificadas, só podemos concluir que há mesmo interesse de impedir a atuação rápida e eficaz da ação civil pública para corrigir, numa só vez, a prática de condutas ilegais e arbitrárias do Poder Público nas questões tributárias.

Ressalte-se que um dos argumentos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal para afastar a legitimidade do Ministério Público relativamente a pretensões tributárias foi o

de que, em se tratando de tributos que se inscrevem no sistema tributário constitucional, a impugnação em abstrato da legislação que os instituem é feita mediante ação direta de inconstitucionalidade, e não ação civil pública.

Entretanto, não se pode dizer que sempre que uma ação civil pública veicular pretensões tributárias estará atuando como substituta da ação direta de inconstitucionalidade. Com efeito, conforme o pedido formulado na demanda, a ação civil pública pode, sim, ser utilizada para dedução de pretensões tributárias. Ora, a inconstitucionalidade de uma lei que instituiu um tributo pode ser levantada como fundamento da demanda, integrando a sua causa de pedir, e não o seu pedido principal.

Por exemplo, se uma ação civil pública está fundamentada na inconstitucionalidade de uma lei que instituiu um tributo, mas o pedido formulado é a repetição do tributo indevidamente recolhido, não há como dizer que ela estará atuando indevidamente como ação direta de inconstitucionalidade.

Sobre o assunto, Didier Jr. e Zaneti Jr. (2009, p. 298) ressaltam:

São requisitos para que se trate de controle difuso: a) que não se identifique na controvérsia constitucional o único objeto da demanda; b) que a questão de constitucionalidade verse e atue como simples questão prejudicial; c) a existência nos autos de pedido referente a relação jurídica concreta e específica; d) apresente- se como causa de pedido e não como pedido a matéria constitucional. Daí se podendo extrair as seguintes e importantíssimas conseqüências: a) a inocorrência de coisa julgada sobre a questão prejudicial (art. 467, III, do CPC); b) a inocorrência de exclusão da norma impugnada incedenter tantum do ordenamento de direito positivo.

Desse modo, obedecidos os critérios acima, a ação civil pública não estará atuando indevidamente como ação direta de inconstitucionalidade, sendo cabível seu ajuizamento para discutir questões tributárias.

Portanto, defendemos que o parágrafo único do art. 1º da LACP se encontra eivado de inconstitucionalidade, por ferir o disposto no artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso XXXV, que consagra que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Trata-se, de fato, de violação à garantia fundamental de acesso à jurisdição em sua feição coletiva.

Ademais, a Constituição Federal e a Lei Orgânica do Ministério Público da União autorizam o Ministério Público a atuar na proteção dos interesses dos cidadãos contra os abusos cometidos pelo Poder Público. Nesse diapasão, cabe ressaltarmos o disposto na Carta Magna, em seu artigo 129, II:

Art.129. São funções institucionais do Ministério Público

II - Zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias as sua garantias.

Outrossim, a Lei Complementar nº 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União) prevê a possibilidade de dedução de pretensões tributárias:

Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União: [...]

II - zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos:

a) ao sistema tributário, às limitações do poder de tributar, à repartição do poder impositivo e das receitas tributárias e aos direitos do contribuinte;

Ressaltamos que a vedação em comento foi inserida no Projeto de Lei nº 5.139/2009, que, aliás, foi ampliada para incluir a concessão, revisão ou reajuste de benefícios previdenciários ou assistenciais. Senão, vejamos:

Art. 1º [...]

§ 1º Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, concessão, revisão ou reajuste de benefícios previdenciários ou

assistenciais, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de

Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (g.n.)

Entretanto no Substitutivo apresentado pelo Deputado Federal Antônio Carlos Biscaia (SBT 2 CCJC), Relator do Projeto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, tal dispositivo foi totalmente suprimido. Todavia, como a questão é bastante polêmica, cumpre aguardarmos o desfecho da tramitação do projeto para verificarmos qual orientação será adotada.

Acerca do tema, o Conselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG) manifestou-se da seguinte forma:

O PL nº 5.139/09 prevê, no § 1º do art. 1º, a vedação de propositura de ação civil pública nas hipóteses elencadas no dispositivo transcrito, o que contraria a CF/88, seja em relação ao direito constitucional de acesso à justiça (art. 5º, XXXV), seja em relação ao princípio constitucional da não-taxatividade ou da não-limitação do objeto material da ação civil pública, consagrado expressamente no art. 129, III, da CF/88.

Se um dos elementos que animou a iniciativa governamental para um novo regime processual para as ações coletivas, sabidamente, é a redução da massa de feitos enfrentada pelo Poder Judiciário, por intermédio da pulverização de conflitos, não faz sentido manter tal vedação.

Isso, especialmente quando se constata que o Poder Público, notoriamente, é o litigante que sustenta o maior número de ações em juízo (na maioria delas como réu), sendo boa parte delas relacionadas às matérias a respeito das quais a vedação versa (tributos, concessão, revisão ou reajuste de benefícios previdenciários ou assistenciais, contribuições previdenciárias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional).

Ademais, a admissão das demandas coletivas nessa matéria não gera prejuízo algum para o Poder Público, ainda mais com o novo sistema de coisa julgada coletiva proposto, que poderá atingir as pretensões individuais, nos casos de matéria exclusivamente de direito, salvo na hipótese de pedido de exclusão prevista no art. 13 do PL.

Ao contrário, fica favorecida a uniformidade das soluções judiciais nessas matérias, aliviando-se a carga de trabalho do Judiciário, e resolvendo-se, em menor tempo, tais questões.

Essa é, com a devida vênia, uma importante questão na qual a legislação deve verdadeiramente avançar, se o que se pretende, realmente, é tornar o processo coletivo apto a resolver coletivamente conflitos de massa.

O impacto social da limitação estabelecida é grave e representa reprocesso muito grande no plano da evolução do sistema brasileiro de tutela coletivo. [...]

Concordamos com a manifestação acima. A ação civil pública revela-se um mecanismo adequado para combater os inúmeros excessos cometidos pelo Estado no campo

tributário. Observe-se que uma das funções institucionais do Ministério Público é “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” (art. 129, II), cabendo-lhe, na qualidade de “defensor da sociedade”, coibir os abusos cometidos pelo Estado.

Assim, não se trata unicamente da defesa dos interesses dos contribuintes, mas do zelo pela observância das normas constitucionais relativas ao exercício do poder de tributar.

A Constituição Federal conferiu ao Ministério Público um relevante papel social, tratando de assegurar-lhe uma atuação independente de modo que pudesse exercer suas funções da forma mais eficaz possível. Assim, não pode a legislação infraconstitucional restringir o alcance dos dispositivos constitucionais, reduzindo o âmbito de atuação do Ministério Público, para beneficiar os interesses do fisco.

Não podemos olvidar que a garantia de acesso à justiça não pode ser vista no seu aspecto meramente formal, devendo ser entendida, também, como a garantia da adequada tutela jurisdicional. Assim, tal norma implica uma negação de acesso coletivo à Justiça.

Sabe-se que os que têm condições para ingressar na Justiça representam um pequeno grupo de privilegiados. Assim, pretender que cada contribuinte ingresse em juízo para impugnar a cobrança indevida de um tributo não está em conformidade com a realidade brasileira, uma vez que a grande maioria da população não tem condições de arcar com as despesas para mover um processo judicial.

Portanto, com o devido respeito às opiniões contrárias, entendemos que esse posicionamento é o que se harmoniza com o texto constitucional, garantindo ao Ministério Público o pleno exercício das funções institucionais que lhe foram cometidas e contribuindo para a efetivação da garantia de acesso à justiça.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Ministério Público, com o advento da Constituição Federal de 1988, adquiriu o papel de verdadeiro “defensor da sociedade”, uma vez que lhe foi incumbida a relevante atribuição de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis.

A Constituição da República dispõe ser função institucional do Ministério Público promover a ação civil pública para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, não fazendo alusão à legitimidade ativa do Parquet para defesa de direitos individuais homogêneos. Todavia, de outra forma não poderia ser, uma vez que esses direitos só foram introduzidos ao ordenamento jurídico brasileiro dois anos após a sua promulgação, com o Código de Defesa do Consumidor.

Os direitos individuais homogêneos caracterizam-se pela possibilidade de determinação de seus titulares e de quantificação do dano por eles sofrido. São, a bem da verdade, direitos subjetivos individuais que, por suas características, podem ser defendidos coletivamente. A sua qualificação como homogêneos é utilizada para identificar a relação de semelhança entre esses direitos, tornando possível a sua defesa coletiva.

A defesa coletiva de direito individuais homogêneos é fundamental para a efetivação da garantia de acesso à justiça, visto que permite a reunião de várias pretensões em um único processo, beneficiando todos os indivíduos lesados e contribuindo, ademais, para a economia processual e para descongestionar o Poder Judiciário.

O Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Ação Civil Pública formam um sistema integrado para a tutela de direitos coletivos em sentido amplo, o que possibilita a proteção de direitos individuais homogêneos mediante ação civil pública.

Deveras, a ação civil pública é meio idôneo para defesa de direitos individuais homogêneos, uma vez que não há diferença substancial entre esta e a ação coletiva disciplinada pelo CDC, mas apenas uma diferença procedimental. Essa disparidade revela-se, principalmente, após o proferimento da sentença genérica, que dá ensejo a habilitação e

execução para reparação dos danos individualmente sofridos. Até a prolação da sentença, os direitos recebem tratamento processual coletivo, consideradas as questões fáticas e jurídicas comuns aos prejudicados.

Não é razoável o entendimento de que o Ministério Público não pode atuar na defesa de direitos individuais homogêneos por não haver previsão expressa na Constituição nesse sentido. Adotar esse entendimento significa ignorar a norma prescrita no art. 129, IX da Carta Magna, destituindo-a de eficácia. Destarte, pelo teor desse dispositivo, infere-se que o constituinte prescreveu apenas o campo mínimo de atuação do Ministério Público, haja vista ter deixado expressamente consignado que o rol de funções dessa instituição não é taxativo. Isso porque essa norma estabelece a possibilidade de o legislador ordinário atribuir novas funções ao Parquet, desde que compatíveis com sua finalidade institucional.

Também não é correto o entendimento de que o Ministério Público possui legitimidade para defender interesses individuais homogêneos apenas quando decorrentes de uma relação de consumo, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Ação Civil Pública se complementam mutuamente, o que permite a defesa de outros direitos individuais homogêneos.

Outrossim, o posicionamento segundo o qual o Parquet sempre possui legitimidade para a defesa de direitos individuais homogêneos é igualmente inadequado, uma vez que amplia por demais as atribuições dessa instituição, não levando em consideração as suas finalidades institucionais.

Desse modo, entendemos que o Ministério Público possui legitimidade para ajuizar ação civil pública na defesa de direitos individuais homogêneos, ainda que disponíveis, quando presente o interesse social. Este é, pois, o fundamento e o limite da legitimidade do Parquet para a defesa de direitos individuais homogêneos.

Essa interpretação é a que mais se coaduna com os dispositivos constitucionais relativos ao Ministério Público e com a garantia fundamental de acesso à justiça.

Deveras, o Ministério Público desempenha papel essencial na efetivação da garantia de acesso à justiça. O acesso coletivo à justiça representa uma forma de superar os obstáculos existentes no sistema de tutela individual. Mediante a atuação do Ministério Público, essa garantia deixa de ser meramente formal, tornando-se efetiva. Através das

demandas ajuizadas pelo Parquet, inúmeras pretensões relativas a direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos são levadas ao Poder Judiciário.

Observe-se que, por meio da ação civil pública para defesa de direitos individuais homogêneos, o Ministério Público garante o acesso à justiça às pessoas menos favorecidas, que, não fosse assim, não teriam condições de pleitear a efetivação de seus direitos.

Assim, a atuação do Ministério Público, na qualidade de “defensor da sociedade” não pode ser indevidamente restringida, de modo que presente o interesse social, essa instituição estará legitimada a atuar.

A jurisprudência, embora não se possa dizer que está pacificada, tem-se inclinado

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