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1.3 ONDE A EMPIRIA DELIMITA SEU LUGAR

1.3.2 Colaboradores da pesquisa: o delinear do perfil

A investigação de um fenômeno carece de elementos que propiciem o alcance de resultados oriundos da interpretação, da leitura, do acesso a informações ligadas à gênese desse fenômeno, a fim de que possamos conhecê-lo em sua intimidade, em sua natureza. Para tanto, a colaboração de tudo e de todos a isto relacionado constitui aspecto essencial, fato que nos leva, em pesquisas qualitativas, à busca daqueles diretamente integrado à realidade em estudo. É a partir dessa premissa que nos lançamos a definir quem são os nossos colaboradores e o que os caracteriza, através de um levantamento feito com o auxílio do questionário de caracterização (apêndice 7).

Nesse sentido, os participantes desta pesquisa constituem um grupo de onze professores que lecionam no ensino fundamental, na escola lócus da pesquisa, todos residentes na cidade de

Cruzeiro do Sul/Acre. Percebemos uma acentuada predominância feminina, posto que na totalidade há apenas um representante masculino. Isso possivelmente se deve ao fato das séries iniciais serem, na história da profissão docente, um espaço de “domínio” desse gênero, denotando o que se intitulou como feminização do magistério. Esta, ganhou maior destaque após a República com a reconfiguração da sociedade que almejava ser esclarecida e progressista. Sobre isto, Almeida (2004) relata a crença depositada na escola, naquele período, como a instituição que iria domesticar, cuidar, amparar, amar e educar as crianças, o que destinou às mãos femininas o dever de conduzir a infância e pregar a moral dos bons costumes. A figura da mulher unificou- se à de escola-mãe, aquela que tinha o poder de redimir e encaminhar para uma vida de sucessos, garantindo o espaço escolar como ambiência feminina, sobretudo, no trato com crianças.

Por outro lado, os dados nos mostram também a presença masculina, ainda que em um número estritamente reduzido, dentre os participantes. Conforme já discutido, o território da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, ao longo do tempo, sempre foi marcado primordialmente pela presença feminina, o que demanda certo estranhamento mediante um homem professor nesse universo. Apesar disso, é importante considerarmos que se social e profissionalmente a mulher esteve, comumente, em uma condição de inferioridade mediante a categoria masculina, nas últimas décadas ela galgou espaços que lhe permitiram, se não uma igualdade, uma maior aproximação neste sentido. Diante desse quadro, a presença masculina em um espaço profissional dominado pela mulher significava uma inferiorização do homem – tido como provedor –, gerando preconceito e desvalorização. Em vista de uma maior proximidade das naturezas de trabalho de homens e mulheres, muitas dessas questões foram sendo superadas, ainda que o estranhamento permaneça, dado que este resulta de construções históricas, sociais e culturalmente arraigadas.

A este respeito, uma pesquisa realizada por Cardoso (2007) no ensino fundamental da rede municipal de Belo Horizonte (MG) concluiu que, embora construíssem sua identidade de professores homens em processos contínuos de resistência e acomodação em relação às normas culturalmente construídas sobre homens e mulheres, os professores participantes não identificaram o magistério como uma profissão feminina, mesmo que em alguns momentos apresentassem discursos de superioridade quando comparavam seu desempenho com o das mulheres em atividades e situações semelhantes.

Quanto ao quesito idade, dois (2) professores têm entre 25 e 30 anos, incluído nessa faixa o representante do gênero masculino. Duas (2) professoras compreendem a faixa dos 31 aos 35 anos, duas (2) estão entre 36 e 40, quatro (4) entre 41 e 45 anos e apenas uma (1) encontra-se na última faixa etária considerada, dos 46 aos 50 anos de idade.

Essa configuração nos faz pensar sobre em que etapa da vida os participantes de nossa pesquisa encontram-se. Remetendo-nos aos estudos de Griffa e Moreno (2008) sobre as etapas da vida adulta, percebemos que dois (2) professores estão na fase denominada por vida adulta jovem ou precoce, aquela que vai dos 25 aos 30 anos, quando as estruturas intelectuais e morais atingem o auge com a entrada na vida social plena, com a estabilidade afetiva e com o auto-sustento social, psicológico e econômico, marcado pelas definições e escolhas social, familiar, profissional. “É o período em que as pessoas começam a modelar seu projeto de vida” (p. 76). Os outros nove (9) participantes configuram a fase definida por vida adulta média, que compreende dos 30 aos 50 anos de idade. Esse é o período, considerado pelos autores, da idade madura, adulta, idade da plenitude, da época em que o indivíduo pode ter uma visão do curso que a vida tomou a partir de suas opções. Há um predomínio da estabilidade, do sossego e da necessidade de conhecer a si mesmo. Além disso, “aumenta o cabedal de experiências pessoais, crescem as atividades individuais e delineia-se a individualidade de modo mais nítido”(p. 83-84).

Dando continuidade à presente caracterização, podemos nos voltar ao aspecto formativo do grupo. Nesta direção, dez (10) participantes são formados em Pedagogia. Destes, dois (2) possuem também uma especialização em Psicopedagogia. Além deles, apenas uma professora ainda está fazendo o mencionado curso de graduação. Ressaltamos que esta, tem na formação de ensino médio, o Magistério. Chamamos a atenção para o fato de 90,9% dos participantes terem cursado o nível superior, em que teoricamente deve ocorrer a discussão de uma educação inclusiva35. Entretanto, ao considerar os discursos observamos que isto não se concretiza em tal

35Apesar das discussões em âmbito nacional preconizarem a relevância de disciplinas que contemplem a educação

inclusiva, seus reflexos mostram-se ainda muito incipientes no espaço acadêmico. Fato que revela uma oferta limitada e, por vezes, apenas optativas de disciplinas voltadas a essa temática. Como exceção, encontramos a disciplina de Libras instituída como obrigatória para as estruturas curriculares dos cursos de licenciatura através do Decreto Federal n. 5626/2005 (BRASIL. Decreto Federal nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei

no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Disponível em:

realidade, pois ao se referirem a essa educação, os professores afirmam que à época em que cursaram a graduação em Pedagogia, não havia na estrutura curricular do curso qualquer disciplina que contemplasse a temática. Por isso, quando fazem referência a origem do primeiro contato teórico sobre a educação inclusiva, fazem alusão apenas aos cursos de formação continuada vivenciados na decorrência da prática profissional.

Prosseguindo com a descrição, importa-nos destacar além do tempo que possuem de prática docente, a decorrência desse tempo no trabalho com a educação inclusiva, ou seja, que convivem com a inclusão de alunos com deficiência no seu contexto profissional. A este respeito, notamos que apenas dois docentes têm de 1 a 5 anos atuando em sala de aula e todo esse período também com alunos com deficiência no ensino regular. De igual modo, dois docentes possuem entre 6 e 10 anos de experiência e afirmam que nesse período sempre lidaram com a inclusão desses alunos. O tempo de serviço seguinte, dos 11 aos 15 anos, apresenta um total de quatro professores. Destes, três assumem entre 1 a 6 anos atuando com alunos com deficiência e um credita a prática nesta realidade em todo o seu período de experiência. Por fim, a faixa entre 21 a 25 anos conta com um total de três profissionais que consideram de 1 a 6 anos como tempo destinado a sua atuação com alunos com deficiência no ensino regular.

Em relação a isso, quando questionamos o “tempo de prática docente inclusiva” remetemo-nos ao fato da educação inclusiva, no município de cruzeiro do Sul, ter ganhado maior ênfase nas discussões formativas ofertadas pelas secretarias estadual e municipal de educação há apenas seis anos, período em que a maioria dos professores se encontra no trabalho com essa dimensão da educação. Não obstante, alguns deles desconsideram esse acontecimento e relacionam o período em que atuaram com alunos com deficiência a toda a sua experiência profissional. Diante disto, podemos notar aspectos de dubiedade quanto ao entendimento da educação inclusiva, pois apesar de a maioria dos professores remeterem seus discursos somente ao período em que essa educação ganhou um “caráter de legalidade” no município, outros – em menor quantidade – reconhecem um trabalho inserido nesse contexto desde quando assumiram a profissão, ignorando uma demarcação de tempo que na prática dispensa legitimidade documental. Isso porque, já trabalhavam com alunos com deficiência, mesmo sem haver uma política de educação inclusiva.

É nesse contexto que consideramos a possibilidade de identificação de reelaborações no entendimento sobre a educação inclusiva e o aluno com deficiência. Conforme já anunciado, representações sociais desses fenômenos foram outrora localizada (COSTA, 2009). Resta-nos reconhecê-las ou encontrar traços de mudanças, tendo em vista o amadurecimento do grupo e sua maior inserção em discussões sobre a temática em pauta através dos cursos de formação continuada, afinal como nos lembra Jovchelovitch (2008), as representações sociais operam para frente, por este motivo os atores sociais são capazes de agir e de remodular questões do passado, de modo que a dinâmica da mudança pessoal, societal e cultural passa a se realizar.

Tratando de mudança, Marková (2006) assinala que em várias esferas da vida, mudança e estabilidade são, muitas vezes, vistas como um conflito, isso demonstra o quanto é difícil estender a mudança até as interações sociais e aos hábitos da mente. Desse modo, desejamos mudanças ao mesmo tempo em que queremos a permanência de muitos elementos. As explicações da autora nos alertam para o fato de que pela imersão no fenômeno, os professores podem revelar mudanças, mas também apresentar um discurso voltado à estabilidade das ideias, visto que esta costuma ser sinônimo de segurança em oposição a ideia do novo, do indefinido.

Buscamos ingressar nesse universo visando entender as decorrências, as enunciações, os posicionamentos que o grupo tende a apresentar. É a leitura desse contexto que nos permitirá uma aproximação ao objeto almejado tendo como percurso o simbólico, a construção de ideias, de ideais que a consciência tanto revela quanto busca, por vezes, burlar. A compreensão disto, no entanto, nos exige um aprofundamento teórico que possa embasar nossa leitura do fenômeno investigado. Para tanto, pretendemos entrar nos universos da Teoria das Representações Sociais e da educação inclusiva. O capítulo seguinte centra-se, portanto, nessa abordagem.

III

CAPÍTULO 2

DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS AO UNIVERSO

DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Ao criar representações nós somos como o artista, que se inclina diante da estátua que ele esculpiu e a adora como se fosse um deus.

Se a criação de representações nos permite uma imersão no universo simbólico, não há como negar que o seu criador vivencia reelaborações que o toma em sua plenitude, fazendo-o envolver-se a tal ponto que o sentido da adoração torna-se inerente ao seu ser, impregnando-o. Razões como estas definem a importância de conhecermos a Teoria que embasa as representações de que tratamos: as sociais. A estas nos voltaremos na seção de abertura deste capítulo.

2.1 DESTACANDO ALGUNS ELEMENTOS DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES