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2.1 DESTACANDO ALGUNS ELEMENTOS DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES

2.1.3 As funções das representações sociais

As visões partilhadas por determinado grupo, enquanto guia para ações e trocas de experiência no cotidiano, suscitam a construção de uma visão consensual da realidade para ele, demarcando-lhe características que o singularizam. Esse movimento é apontado por Jodelet (2001) como as funções da dinâmica social das representações. Por serem estas fenômenos complexos em atividade existentes na vida social, surgem com a orientação de cumprir funções significativas para o grupo, caracterizadas pela orientação de condutas, por possibilitar a comunicação, explicar a realidade social, além de definir a identidade do grupo e manter suas singularidades.

Sobre isso, é possível buscarmos contribuições em Abric (1998) que, ao discutir o papel fundamental das representações na dinâmica das relações sociais e nas práticas, reconhece nelas quatro funções básicas: a função de saber que funciona como um sistema de compreensão e explicação da realidade permitindo que os atores sociais, ao adquirirem novos conhecimentos, possam integrá-los em um quadro assimilável e compreensível para eles mesmos, de acordo com seu funcionamento cognitivo e seus valores; a função identitária que fornece um sentido de pertença do indivíduo no grupo definindo-lhe, diferenciando-o de outros arranjos grupais, protegendo-o, reafirmando e demarcando suas especificidades, assegurando aos seus membros a manutenção de suas qualidades definidoras; a função de orientação que guia comportamentos e práticas para a ação, intervindo diretamente na construção cognitiva frente à necessidade de solução de problemas em momentos de crise ou na realização de ações mediante um objeto ou fenômeno social; e a função justificadora que propicia uma justificativa a posteriori para decisões e comportamentos tomados, intervindo diretamente na avaliação da ação.

Ainda sobre as funções das representações sociais acrescentamos Bauer (2007) que nos explica a função de resistência, caracterizada como aquela que confere às representações sociais

uma posição defensiva em relação a tudo aquilo que se configura como ameaça à identidade do grupo. Funciona como se fosse “a ação de um ‘sistema imunológico’ cultural: novas idéias são assimiladas às já existentes, que neutralizam a ameaça que elas apresentam e tanto a nova ideia, como o sistema que a hospeda, sofrem modificações nesse processo” (op. cit. p. 229). Dessa forma, é possibilitado ao grupo apropriar-se de novos elementos sem que aconteçam rupturas no seu funcionamento e na sua constituição.

A partir das considerações acima pautadas, podemos inferir que as representações sociais constituem-se em uma preparação para a ação, não somente porque guiam o comportamento, mas, especialmente, porque constroem e remodelam o ambiente em que tal comportamento irá incidir. Segundo Alves-Mazzotti (2008), em sua atividade representativa, o sujeito não reproduz passivamente um objeto dado, mas o reconstrói e, ao fazê-lo, se constitui como sujeito, pois ao apreendê-lo de uma dada maneira, ele próprio se situa no universo social e material. Assim, a perspectiva das representações sociais trata de como se formam e funcionam os sistemas de referência que utilizamos para interpretar os acontecimentos e agir sobre eles na realidade cotidiana.

Tratar desse contexto nos remete a outro aspecto abordado por Moscovici (2009), quando se refere a TRS: o conceito de “sociedade pensante”. Segundo o autor, o mundo dos objetos constitui-se apenas como um pano de fundo para as pessoas e suas interações, sugerindo com isso, que indivíduos e grupos não são apenas receptores passivos de informações, nem tampouco estão totalmente sob controle de uma ideologia dominante – muito embora sejam influenciados por ela –, mas pensam por si próprios, produzem e comunicam ininterruptamente suas próprias representações e soluções às questões que eles mesmos colocam. Dessa forma, nos bares, nos hospitais, nas ruas, nos escritórios, enfim, nos mais distintos lugares, as pessoas “analisam, comentam, formulam ‘filosofias’ espontâneas, não oficiais, que têm impacto decisivo em suas relações sociais, em suas escolhas. Os acontecimentos, as ciências e as ideologias apenas lhes fornecem o alimento para o pensamento”37. São nessas interações engendradas pelos mais

variados processos comunicacionais que as informações e imagens vão se tornando centro de debates e discussões entre as pessoas e os grupos. Estes, procurando tornar o mundo familiar para nele poderem agir, vão aos poucos amalgamando às suas experiências e cotidiano um conjunto de elaborações, de entendimentos e de ações, originando representações sociais.

37 Op. Cit. p. 45

Procuramos demonstrar nesta construção teórica que as representações sociais desempenham um papel na formação das comunicações e ações, contribuindo para definir um grupo social em suas particularidades. Nesse sentido, cabendo à investigação científica a tarefa de descrever, analisar e explicar em suas dimensões, formas, processos e funcionamento todo esse conjunto de saberes que as compreendem (JODELET, 2001).

Dessa forma, ao pensar sobre o desenvolvimento de pesquisas no campo da representação social, Jodelet (2001) evidencia três particularidades: a vitalidade, que diz respeito aos avanços teóricos e à atualidade da Teoria presentes nas inúmeras publicações dos mais diversos países; a transversalidade, explicada pela multiplicidade dos campos de estudo nas relações com disciplinas próximas, pela interface do psicológico e do social, o que interessa a todas as ciências humanas; e a complexidade, situada em sua definição e tratamento, uma vez que lida com fenômenos complexos e em atividade na vida social. O conjunto dessas três particularidades possibilita uma variedade de temas de pesquisa que envolve as representações sociais com abordagens metodológicas e problematizações diversas, delimita aspectos dos fenômenos representativos e fazem surgir teorias parciais que explicam estados e processos definidos, bem como paradigmas que buscam elucidar a dinâmica representacional. “Tudo isso leva a constituir campos independentes e dotados de instrumentos conceituais e empíricos sólidos, onde florescem trabalhos coerentes” (JODELET, 2001, p. 41).

Consideramos que, em uma pesquisa que temos como embasamento teórico a TRS, é preciso ultrapassar o nível da constatação sobre o que se passa “na mente” dos indivíduos para procurar entender como e porque essas representações são construídas e mantidas, recorrendo aos sistemas de significação socialmente enraizados e partilhados que as orientam e justificam. Concordamos com Alves-Mazzotti (2008) quando afirma que a intenção propalada de propiciar mudanças através da educação exige que compreendamos os processos simbólicos que ocorrem na interação educativa e esta interação não ocorre em um vazio social, sendo necessário adotarmos “um olhar psicossocial”. Para tanto, devemos ponderar em nossas pesquisas tanto o sujeito social com o mundo interior, quanto o sujeito individual com o mundo social.

Nesses tramites, alguns trabalhos já demonstram resultados significativos sobre o estudo das representações sociais no âmbito educacional, apontando descobertas relevantes sobre a influência dessas representações nas práticas dos professores. Ilustraremos alguns desses casos na seção que segue.

2.2 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E ALGUMAS PESQUISAS EM