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meses que, dois anos depois, ainda o governo a julga precisa por mais um ano, e eu assim o penso, enquanto não estiver tranquila toda a província, e se não tiver dado um exemplo de castigos proporcionais às maldades cometidas por esses monstros da revolução. Com este decreto poderá publicar-se a lei desde já, porque teremos ano e meio para fazer uso dela nos lugares conquistados; e quando as coisas venham a tomar uma face tal que exijam a prorrogação desta medida, também haverá tempo para representá-la e pedi-la, mas não creio que se deva publicar de Gurupá para cima, antes julgo que deve ali permanecer o estado de guerra, enquanto durarem as hostilidades, e que só se deve aí publicar a lei depois de tudo estar reduzido à obediência (SOARES D’ANDREA, 1839, p. 18).

De fato, o Governo Imperial e suas autoridades parlamentares e ministeriais não desistiram do projeto de retomar o controle do Pará por meios “extraordinários”. Atuaram inicialmente com uma certa idealizada “brandura” e busca de um acordo com os cabanos até julho de 1835. Depois que chegou à Corte a notícia da retomada cabana de Belém, os homens da política na Corte agiram duramente usando contra os paraenses o peso da suspensão de parte importante dos direitos constitucionais. Isto deixou espaço para reformulações militares e uma repressão bem mais forte e vigorosa contra os cabanos, mas também contra todos os que moravam na província do Pará. O tempo de seis meses para a suspensão votada no parlamento foi sendo ampliado e durou quase quatro anos, e Andrea pedia ainda mais tempo para a Assembleia Provincial, isso já em 1839. Para Andrea, esta suspensão deveria vigorar e ser reeditada enquanto permanece “o estado de guerra” e tudo não estivesse “reduzido à obediência” em toda a província do Pará.

Com esta suspensão, Soares d’Andrea utilizou-se de inteligência e astucia para criar estratégias de perseguição e controle daqueles que eram considerados por ele “perigosos” à ordem imperial, e a principal delas foi o recrutamento militar, como veremos no capítulo seguinte. Contudo, antes vamos analisar as diferenças de governabilidade entre Jorge Rodrigues e Soares d’Andrea quando ocupavam a presidência da província do Pará, e como se utilizaram da Lei de 22 de setembro para conter a cabanagem e os cabanos.

2.3 GOVERNO CIVIL E MILITAR NO PARÁ: AS DIFERENÇAS DE GOVERNABILIDADE ENTRE JORGE RODRIGUES E SOARES D’ANDREA

Apesar de ambos [Jorge Rodrigues e Soares d’Andrea] serem enviados ao Pará com a “junção” de dois títulos [presidente de província e Comandante de Armas], sendo um poder civil e o outro militar, esta “junção” de poderes não era muito bem vista por alguns deputados, pois acreditavam que não deveria se misturar o governo civil com o militar, além de que, era poder demais para uma única pessoa. Esta afirmação pode ser percebida na fala do deputado

Cornélio França, quando se discutia, na sessão de 6 de julho de 1835, a proposta apresentada pelo governo à Câmara dos Deputados sobre a suspensão das garantias Constitucionais para o Pará.

Na fala do deputado Cornélio França, este afirmou que acreditava ser justo tomar medidas urgentes em favor dos paraenses, mas não queria que fossem tomadas medidas extraordinárias. Para ele, era necessário que o governo enviasse dinheiro suficiente para que fossem mandados ao Pará uma força capaz de manter a ordem na província, além de mandar para lá “autoridades probas e com bastante ordenado, mas para procederem em conformidade das leis existentes”. Continuou sua fala o deputado Cornélio França afirmando que não queria que fossem enviados ao Pará:

[...] presidentes que sejam ao mesmo tempo comandantes das armas; eu não quero capitães generais, e até não quisera que semelhante nome existisse nas nossas leis. Não demos aos presidentes de província mais autoridade de que já têm, e que já é maior do que a dos agentes imediatos do poder executivo (Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão de 1835, p. 40).

O envio dos Marechais Jorge Rodrigues e Soares d’Andrea para governarem a província do Pará além do comando das Armas, foi um ato extraordinário tomado pelas autoridades imperiais na tentativa de conter a “revolta” cabana.

Para as autoridades imperiais, devido os acontecimentos de “rebeldia” no Pará, era necessário tomar atitudes extraordinárias, uma dessas atitudes era o envio de Militares para governar a província, para que sob um forte controle e disciplina militar, fosse colocada de volta nos “trilhos da legalidade”, estabelecendo a paz na província mesmo que fosse à força.

Apesar de Jorge Rodrigues e Soares d’Andrea serem enviados ao Pará com as mesmas titulações [presidente de província e comandante de Armas], suas ações, enquanto tal funções atribuídas, foram bem diferentes.

Quando foi enviado para governar o Pará, Jorge Rodrigues manteve em funcionamento algumas instituições da ordem civil, ao contrário de Soares d’Andrea que transformou a província em um “grande comando militar”. Apesar dos contextos serem diferentes, pois, quando Jorge Rodrigues foi enviado ao Pará, este foi enviado para negociar e manter a paz na província por meio de negociações com o governo cabano. Contudo, Soares d’Andrea foi enviado com a missão de conter a “revolta” cabana e restabelecer a ordem imperial à força.

Apesar dos diferentes contextos, Jorge Rodrigues e Soares d’Andrea tiveram interpretações distintas dos poderes a eles atribuídos. Pois, mesmo quando Jorge Rodrigues

havia sido expulso da capital paraense pelos cabanos no dia 14 de agosto, depois de ver seu filho assassinado durante a luta armada entre as tropas “rebeldes” e “legalistas”, e refugiado na ilha de Tatuoca, ainda manteve, por exemplo, o juizado de direito em pleno funcionamento.

A afirmação acima pode ser percebida pelo oficio nº 45 de 27 de fevereiro de 1836, quando o Juiz de Direito da Comarca, João Alves de Castro Rozo, enviou um oficio ao presidente e Comandante das Armas da província do Pará, Manoel Jorge Rodrigues afirmando que:

[...] Sebastião José Lobato que chegou; [e conduzia?] de Abaeté seis homens presos por serem Cabanos, e mandaram [recolhidos] pelo Juiz de Paz daquele Distrito cujos processos se acham prontos para serem remetidos aos Juiz de Paz da Cabeça do Termo quando for ocasião: e como andavam às [passa] [sic] conservas aqui em terra por não haver proporção, nem meios para isso os remeto a V. Exma [Excelentíssima] para dar as ordens necessárias afim de lhe recolherem à Presiganga na Corveta Defensora onde se acham os mais presos.

Ds [Deus] Ge [Guarde] a V. Exma. Ilha da Tatuoca, 27 de Fevereiro de 1836. Ilmo [Ilustríssimo] e Exmo [Excelentíssimo] Sr. Manoel Jorge Rodrigues Presidente e Comandante das Armas desta Província

João Alves de Castro Rozo

Juiz de Direito da Comarca e Chefe de Polícia (APEP, SPP, Cód. 1000, doc. 45). [Grifos nosso]

No oficio enviado à Jorge Rodrigues pelo Juiz de Direito e chefe de polícia da Comarca, este afirmou que foram recolhidos na prisão seis homens acusados de serem cabanos, e estes seis homens foram recolhidos pelo Juiz de Paz do distrito de Abaeté. Por este documento inferimos que Jorge Rodrigues deixou a justiça imperial funcionar ainda em fevereiro de 1836, quando provavelmente já sabia de sua demissão e certamente já estaria sabendo da suspensão Constitucional.

A manutenção dos juízes de paz como conciliadores de conflitos é mais um exemplo disso. Estes últimos, eram leigos e eleitos localmente pelos cidadãos. Dessa forma, podemos entender que Rodrigues manteve os juízes de paz, possivelmente, porque estes poderiam ser úteis a ele na luta contra os cabanos, como foi o caso do juiz de paz da vila de Abaeté que mandou prender seis homens suspeitos de serem cabanos.

Bem diferente fez Soares d’Andrea que dividiu a província em nove comandos militares colocando para chefiá-los comandantes militares de sua confiança. Assim, Andrea destituiu dos seus cargos quase todos os juízes de paz da província, colocando o controle das vilas nas mãos dos militares. Para Soares d’Andrea, os juízes de paz não eram confiáveis. Segundo Nogueira (2009), ele acreditava que não se podia confiar os processos aos juízes de

paz, pois, quase todos estavam envolvidos direta ou indiretamente na “revolta” cabana, além de não terem a capacidade intelectual de exercerem tal função, uma vez que não possuíam graduação em Direito e serem semianalfabetos.

Andrea acreditava que não haveria justiça se os presos cabanos fossem julgados pelos juízes de paz, uma vez que estes eram responsáveis pelo corpo de delito, pela formação de culpa e de prender os acusados. Para Andrea, “também não se podia confiar nos jurados, pois também eram amigos dos criminosos como os juízes de paz”. Sob esta, e outras justificativas, Andrea solicita ao Ministro da Justiça “a reforma do Código de Processo Criminal de 1832, pois somente com essa reforma os juízes de paz perderiam os poderes, uma vez que foi por meio deles que adquiriram a responsabilidade pela parte inicial dos processos” (NOGUEIRA, 2009, p. 263).

Segundo Nogueira (2009) foi com base nos ofícios enviados pelo presidente Soares d’Andrea e nas alegações dele sobre a inconveniência dos poderes dos Juízes de Paz que o ministro da Justiça, Gustavo Adolfo de Aguilar Pantoja, autorizou a prorrogação do prazo da suspensão das garantias Constitucionais no Pará, através do decreto nº. 438 de 8 de agosto de 1836. Como vimos, esta prorrogação foi um pouco mais complexa, porém a ideia de Nogueira de que a suspensão dos direitos civis era peça chave no convencimento do Ministro ainda fica válida.

O que podemos entender da análise do governo dos Marechais Jorge Rodrigues e Soares d’Andrea, são as diferentes interpretações que tinham sobre seu dever enquanto comandante de Armas e presidente de província. Enquanto Jorge Rodrigues – em que se pense que governou por pouco tempo e em um momento muito conturbado – mostrou-se mais disposto em manter uma parte do funcionamento do governo civil com os seus juízes e Câmaras municipais aliadas. Soares d’Andrea quebrou boa parte deste vínculo e instituiu nova governabilidade. Dessa maneira, a interpretação que ambos tinham dos poderes conferidos à eles pelas leis estabelecidas era divergente. Assim, enquanto Rodrigues manteve os comandos civis nas vilas da província, Andrea transformou-as em comandos militares. Mesmo para a Vila de Cametá, o padre local, uniu os poderes civis de juiz de paz com os de chefe militar e isso foi homologado por Andrea. Mesmo assim Padre Prudêncio tinha sempre ao seu lado de governo um Comandante naval, que deveria servir para o auxiliar, mas que certamente também o policiava.21

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