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Em seu discurso que faz à Assembleia Provincial em 1838, Andrea afirma que “a Lei de 22 de setembro de 1835 teria autorizado todos os procedimentos de sua administração”, porém, o período de seis meses era insuficiente, pois para ele, “a publicação desta Lei para tão curto espaço equivalia a uma Anistia Geral ou ao último garrote [estrangulamento] dado a civilização na província e a segurança e união de todo império”. Por acreditar nisso, Andrea não publicou a referida Lei e justifica o fato: “aonde teriam eles ido se eu a tivesse publicado?39 hoje mesmo não seria possível fazer uso dela sem alguma prorrogação, porque não é possível que daqui a seis meses todos os rebeldes desta província estejam todos processados ou executados”. Diante de seu argumento, de que o prazo de seis meses de suspensão das garantias Constitucionais no Pará era insuficiente e que por isso não a publicou para poder pedir prorrogação, Andrea afirma que recebeu no dia 21 de fevereiro de 1838, do ministro da Justiça, um aviso de 21 de outubro de 1836 acompanhado de uma cópia do Decreto de 20 de outubro que o autorizava a prorrogar por mais um ano os §§ 1 a 3 do art. 1º da Lei de 22 de setembro de 1835 [Grifos nosso] (SOARES D’ANDREA, 1838, p. 17).

Andrea afirma ainda que “tanta tem sido a necessidade da execução desta Lei por mais de seis meses, que dois anos depois, ainda o governo a julga precisa por mais um ano, e eu a julgo precisa enquanto não estiver tranquila a província” e afirma que com este decreto pode- se publicar a lei, pois agora ele teria “um ano e meio para fazer uso dela”. E aconselha que só se deve publicar a lei “depois que tudo estiver reduzido à obediência” e solicita à Assembleia seu voto a esse respeito (SOARES D’ANDREA, 1838, p. 18).

Para Andrea “a exposição franca” que fez de suas atitudes à assembleia provincial pode parecer despóticas, mas justifica dizendo que “só quem está no meio dos negócios pode ajuizar deles” e ainda instiga/provoca os membros da assembleia dizendo “eu chamo a vós e a todo povo sensato do Pará, que digam se tais medidas são ou não justas; se tem sido ou não precisas; e se eu tenho as levado tão longe quanto a mesma lei me tinha autorizado” (SOARES D’ANDREA, 1838, p. 18).

Diante dos argumentos de Andrea, quando afirma que todas as suas atitudes, por mais extremas e despóticas que possam parecer aos cidadãos do Pará, todas elas foram autorizadas pela Lei de 22 de setembro de 1835. Ou seja, que suas estratégias para “pacificar” a província

39 Possivelmente, “eles”, na fala de Andrea, seriam os deputados, senadores e ministros imperiais que

promulgaram a Lei de 22 de setembro de 1835, determinando o prazo de seis meses para a suspensão das garantias Constitucionais no Pará.

criando recrutamentos para a Guarda Policial e Corpos De Trabalhadores, foram autorizados pela suspensão Constitucional, que primeiramente tinha o tempo de seis meses, contudo, esta Lei perdurou, praticamente, até a saída de Andrea da presidência, devido ao fato dele não ter publicado a referida Lei.

A lei de 22 de setembro de 1835, que suspendia parte das garantias Constitucionais no Pará, proporcionou ao presidente Andrea a oportunidade de agir com maior liberdade para “pacificar” a província. Uma das atitudes de Andrea para “pacificar” a província, utilizando- se da suspensão Constitucional, foi criar mecanismos para conter a cabanagem e perseguir os cabanos. Assim, Andrea militarizou a província dividindo-a, em 1837, em nove comandos militares, destinando para comanda-los, militares de sua confiança. Era dever dos Comandantes Militares de cada vila fazer um alistamento de todos os moradores separando todos os homens entre 15 e 50 anos de idade e recrutar os que podiam manusear armas para a Guarda Policial e os que não tivessem ocupação comprovada nos Corpos de Trabalhadores.

A criação da lei provincial que recrutava os indivíduos para a Guarda Policial e a lei que recrutava os indivíduos para os Corpos de Trabalhadores, ambas podem ser consideradas como estratégias de Andrea para “pacificar” a província, alistando nos Corpos Policial ou de Trabalhadores todos aqueles homens que ainda restavam na província e que poderiam ser considerados como “perigosos” à ordem imperial.

Diante disso, esta dissertação procurou desenvolver o argumento de que a criação da lei de 22 de setembro de 1835, que suspendeu parte das garantias constitucionais no Pará proporcionou ao presidente Andrea a oportunidade e a liberdade para “agir”, de forma que acabasse com a “revolta” cabana e restaurasse na província do Pará a ordem imperial. E com liberdade para “agir”, Andrea criou estratégias para perseguir e reprimir os cabanos, e algumas dessas estratégias foi militarizar a província e recrutar tanto para a Guarda Policial quanto para os Corpos de Trabalhadores homens mestiços, negros livres e brancos pobres, destinando os que possuíam ocupação comprovada e sabiam manusear armas para a Guarda Policial e os sem ocupação comprovada para os Corpos de Trabalhadores.

O recrutamento, tanto militar quanto para o trabalho compulsório, representava, para Andrea, uma estratégia de “pacificação” da província, pois, uma vez recrutados, estes indivíduos passariam por uma rigorosa disciplina militar e de trabalho e dessa forma, seriam reeducados, morigerados, passando de “rebeldes” a mantenedores da ordem e da “legalidade. E nesse sentido, os Comandantes Militares eram uma peça fundamental, pois Andrea contava com eles para implantar seu projeto em cada vila. Contudo, como vimos no decorrer desta dissertação, não havia Comandantes Militares em todos os lugares da província, apenas nos

distritos mais populosos e nos centros dos Comandos Militares (que eram nove, conforme a divisão de Andrea), nas pequenas vilas e freguesias eram designados seus comandos por agentes militares subalternos como capitão, major, dentre outros.

A reforma militar feita por Soares d’Andrea tinha o objetivo principal de repressão aos cabanos e reestruturação da “ordem” e da paz na província, acabando com o clima de medo e insegurança de uma nova cabanagem que pairava sobre a elite paraense.

O recrutamento militar e para o trabalho compulsório foi uma estratégia idealizada por Andrea para controlar uma população indesejada, considerada perigosa à civilidade que se queria implantar na capital paraense. O principal objetivo da criação destas Companhias era transformar os indivíduos “incivilizados” em cidadãos morigerados, rebeldes em mantenedores da ordem e da paz, através de extrema vigilância e um forte controle militar disciplinador.

Porém, devemos ter em mente que os indivíduos que foram recrutados não se mantiveram passivos diante da política de reorganização militar e ordenamento social idealizado por Andrea. Como podemos observar no decorrer da dissertação e nos diversos processos analisados, houve muitas contradições e problemas que dificultavam o objetivo dessa política, uma vez que, muitos Guardas Policiais, em vez de agir como “agentes da ordem”, recusavam-se a desempenhar suas tarefas ignorando as leis de conduta e moral e acabavam por se envolver em conflitos com as autoridades competentes ou mesmo com os moradores.

Outro fator que dificultou o sucesso da política de reorganização militar foi a tentativa de diversos sujeitos em livra-se do recrutamento tentando provar que não se encaixavam nos requisitos estabelecidos para o alistamento.

Dessa forma, as ações praticadas pelos diversos sujeitos analisados neste trabalho devem ser compreendidas como ações carregadas de sentidos próprios. Ou seja, suas ações, refletem como viam e entendiam o recrutamento, assim como a política de reorganização da província a partir do seu referencial cultural, político e econômico.

Por fim, concluímos afirmando que, tanto a Reforma Militar quanto a criação dos recrutamentos para a Guarda Policial e para os Corpos de Trabalhadores fazem parte das estratégias de Soares d’Andrea para pacificar a província e restituir a Ordem Imperial – autorizados pela Lei de 22 de setembro de 1835. Por isso, tais ações de Andrea não devem ser analisadas separadamente – como fazem diversos autores, que analisam apenas os Corpos de Trabalhadores ou apenas a Guarda Policial ou a Reforma Militar –, pois estas, todas, são políticas de contenção e repressão à Cabanagem utilizadas por Andrea em seu governo e estão interligadas entre si. Assim, analisar o governo de Soares d’Andrea no Pará, é entender as

políticas de reorganização da província, autorizadas pela Lei de 22 de setembro de 1835, como parte de um todo, e este é o diferencial desta pesquisa.

Entende-se que, na tentativa de analisar “um todo” das estratégias de governo de Soares d’Andrea, algumas discussões podem não ter sido abordadas, ou abordadas de maneira superficial. Contudo, este é um trabalho introdutório que merece ser continuado na tentativa de suprir tais lacunas.

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