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Era-lhe muito difícil dormir. Dormir é distrair-se do mundo. Jorge Luis Borges. Funes, o memorioso.

Escrita-pesquisa, ao querer lidar com movimentos mínimos, inclusive pensar o que eles são, como se constituem, como entram no inventário, inicia uma nova coleção. Ao escolher a relação entre escrita e corpo, parecia impossível dizer dessa relação em todas as obras que sobre ela se debruçam. Coleção infinita. Mas, o que deve propor a relação não é o já dado dessas obras, o que elas prometem. O que propõe relações é o próprio inventário, coleções finitas para uma escrita e talvez multiplicadora para os corpos.

Mas qual a relação entre os movimentos mínimos e a produção do inventário? As contingências que percorrem os movimentos mínimos podem ser: de que eles funcionam na criação de relações entre os fragmentos, tornando-as díspares, inadequadas,

improváveis; também possuem a potência de recolocar problemas, pois, ao inseri-los nas falhas dos fragmentos, eles reinventam coleções, conexões, corpos; e é contingente acrescentar a potência dos movimentos mínimos de destoar das imensidões que se formam numa dualidade, numa oposição, porque parecem não alcançar tal amplitude e preferem a leveza de um bom encontro.

Tudo isso pode dizer dos movimentos mínimos, mas ainda era preciso encontrar materiais, dentre eles a escolha foi por David Le Breton, francês, estudioso do corpo, que escreveu vários livros a esse respeito. Sociologia do corpo, Antropologia do corpo, Adeus ao corpo, Antropologia da dor, Antropologia das emoções, Sinais de identidade8, entre

outros.

Os livros de Le Breton inventariam o que ele chama de modalidades corporais e seus usos sociais. Ele próprio escreve que a sociologia do corpo deve:

[…] dedicar-se ao inventário metódico das modalidades corporais em uso nos diferentes grupos sociais e culturais, distinguir as formas e as significações, as vias de transmissão. Dedicar-se também a comparações entre os grupos, a encontrar novas emergências de gestos, de posturas, de práticas físicas. Inventariar as representações do corpo que, hoje, enchem nossos olhos (modelos energéticos, mecânicos, biológicos, cosmológicos, etc.), distinguir as influências recíprocas. Sem esquecer das representações associadas aos diferentes segmentos corporais, ou ao próprio corpo em seu conjunto, os valores que encarna, as repulsões que suscita (LE BRETON, 2007, p. 94, grifos de escrita-pesquisa).

Inventário metódico que não se esquece. Entre idas e vindas, muitas das palavras que Le Breton dedica ao corpo parecem coadunar com as vontades dessa escrita-pesquisa, porém, nem todas – e isso torna o movimento em relação às suas obras um tanto sinuoso. No contato com esse material, uma das coisas que suscita a pensar é o quão difícil, para sua escrita sobre o corpo, é distrair-se, é esquecer-se. Mas para que distrair e

8 David Le Breton. Anthropologie de la douleur (1995). Las passiones ordinarias: antropologia de las

emociones (1999). Adeus ao corpo: antropologia e sociedade (2003a). La peau et la trace: sur les bleasure de soi (2003b). Sinais de identidade: tatuagens, piercings e outras marcas corporais (2004). A síndrome de Frankenstein (2005). A sociologia do corpo (2007). La chair à vif: de la leçon d'anatomie aux greffes d'organes (2008).

esquecer? São esses gestos que provocam movimentos de abertura, nos quais as direções se multiplicam.Le Breton não esquece, possui um controle imenso daquilo que coloca no papel. Às vezes, desprende-se dos excessos, especialmente de referências, desprende-se das certezas, dos jogos fechados em que o corpo é colocado por conta desses excessos. Aí é que surgem os movimentos mínimos, modos de desviar das interpretações, uma sinuosidade do pensar que mobiliza uma escrita fragmentária.

Escrita-pesquisa recorda-se de várias passagens em que pululam essas certezas disfarçadas de patrimônios tombados, mas não será a lembrança que ela explicitará em suas linhas, deixará essa categoria de fora de seus itens inventariados. São com desprendimentos que ela trabalha – esse movimento mínimo lhe parece potente. Porque os patrimônios herdam um peso muito grande de uma tradição e fazem com que não haja esquecimento. Já o desprendimento desata-se, liberta-se de formas exatas, borrando-os, deixando de dar uma importância excessiva ao que, talvez, seja demasiado valorado.

Para trazer esses movimentos mínimos, ela se vale da extração. Mas antes de extrair, há uma insistência. O gesto de extrair está atrelado a alguma coisa que insiste. Uma falha que percorre um território. Uma abertura que faz com que haja uma contaminação, um contágio, uma invasão. Mesmo nas construções mais sólidas, o respiro é necessário. O gesto de construir está atrelado aos materiais com os quais se constrói. É muito diferente construir um muro feito apenas de pedras soltas e um muro cimentado (DELEUZE, 1997, p. 77).

Ao debruçar-se sobre as obras de Le Breton, ela poderia, com o chão escolhido e assentado, construir uma parede encadeando tijolos dispostos lado a lado, circundados pelo cimento que os mantêm unidos – os tijolos são argumentos e o cimento aquilo que os encadeia. Além disso, há o reboco, uma argamassa que reveste essa parede na tentativa de vedar alterações nos tijolos e no cimento, possíveis intrusões. E, para finalizar, uma bela camada de tinta que esconde todo o processo que levou à construção dessa parede, exaltando apenas sua solidez.

Escrita-pesquisa prefere não. O muro que constrói é feito de movimentos mínimos, feito de fragmentos de arestas desiguais, não há cimento, nem cola, porque é preciso que o ar passe. O gesto de coletar os movimentos mínimos é cuidadoso, tal como a coleção de fragmentos da obra de Le Breton, o gesto de colocar uma pedra sobre a outra é suscetível às possibilidades que elas têm de se equilibrarem, e o de compor com os fragmentos também; uma invenção de relações, sempre nova, em cada pedra sobre pedra, em cada fragmento colocado.

As relações mantêm as pedras desiguais reunidas, os fragmentos díspares colecionados. Não é preciso formatar pedras e fragmentos para colocá-los juntos, pode-se mantê-los diferentes e criar entre eles um elo de convivialidade, uma maneira de estarem ligados. Por isso uma atenção às falhas, as frestas que permitem tanto que os fragmentos se avizinhem quanto seu arejamento para novas relações.

A seleção atua com prudência, porque “selecionar os casos singulares e as cenas menores é mais importante que qualquer consideração de conjunto. É nos fragmentos que aparece o pano de fundo oculto, celeste ou demoníaco” (DELEUZE, 1997, p. 78), é em sua reunião que se pode vislumbrar uma criação.

Para escrita-pesquisa são esses movimentos mínimos, esses lances que diferem daquilo que parecia um movimento homogêneo, encadeado por um fio de coerência. São nesses momentos em que os furos aparecem, as fendas, as falhas se mostram como aquilo que liga e não como aquilo que separa o terreno da escrita. Nesses momentos é possível abrir a escrita para uma sensação, para um sentido que se dá no corpo e com o corpo.

E, então, foi no gesto de um intervalo que se pôde clarear o procedimento de escrita-pesquisa, num gesto também de criação, um furo, que propõe estabelecer relações entre os fragmentos de seu inventário. Relações que se furtam ao encadeamento coerente, propondo uma fenda pela qual passam relações frágeis, precárias, moventes, abertas, impróprias, inadequadas, indeterminadas, indefinidas, idiotas, não preferidas, múltiplas,

díspares etc.

Os movimentos mínimos são aqueles que convocam tais relações; com eles buracos e fendas são criados e, nessa conexão, corpo e escrita se esquivam a reproduzir encadeamentos lineares, tornando-se desviantes. São os movimentos mínimos que funcionam como disparadores tanto para extração de fragmentos quanto para criação de relações. Pequenos sinais vitais que possuem, neles mesmos, uma “nação formigante de nações” (DELEUZE, 1997, p. 77).

É desde dentro dessas relações criadas no contato com os materiais de que dispõe, que escrita-pesquisa procede – lembrando que é o mínimo aquilo que cria com David Le Breton.

3 cenas

cena 1 – contágio

Em La paradoja del actor: esbozo de una antropologia del cuerpo em escena9, Le Breton

(1999) inicia com uma linda epígrafe10, a qual diz de um mesmo corpo que vive e sente

9 O paradoxo do ator: esboço de uma antropologia do corpo em cena.

10 “La profesión de actor, la base del arte del actor, es una cosa monstruosa, porque está hecha de la

misma carne, de la misma sangre, de los mismos músculos de que ustedes se valen para realizar gestos corrientes, gestos verdaderos. El cuerpo con el que ustedes hacen verdaderamente el amor es el mismo que usan para fingir hacer el amor con alguien a quien no aman, a quien odian, contra el que luchan, por quien destestan ser tocados; y sin embargo, se arrojan en sus brazos con la misma clase de vivacidad, de entusiasmo y de pasión que si fuera vuestro verdadero amante, ¡y no sólo vuestro verdadero amante, sino el más verdadero de todos ellos!” – Lee Strasberg, Le travail de l'Actor's Studio (LE BRETON, 1999, p. 219). Tradução livre: “A profissão de ator, a base da arte do ator, é uma coisa monstruosa, porque está feita da mesma carne, do mesmo sangue, dos mesmos músculos de que eles se valem para realizar gestos correntes, gestos verdadeiros. O corpo com que eles fazem verdadeiramente amor é o mesmo que usam para fingir fazer amor com alguém a quem não amam, a quem odeiam, contra quem lutam, por quem detestam ser tocados; e, contudo, se jogam em seus braços com a mesma classe de vivacidade, de entusiamo e de paixão que se fosse seu verdadeiro amante, e não só seu verdadeiro amante, mas o mais verdadeiro de todos eles!”

nos gestos do cotidiano e aquele que encena vidas nos gestos dos atores. É na última parte desse capítulo que esses dois corpos se encontram – de la sala a la escena11: o corpo

do ator no palco e o corpo do espectador na plateia, ambos re-mexendo um com a atmosfera do outro, assim como os corpos separados pelo palco (atores) e pelas poltronas (público) se interferem em seus próprios espaços. A maneira frágil como o corpo se afeta está presente em todo o ambiente. O que é ali construído passa pouco pela noção de entendimento de um acordo expresso e muito mais por um contágio de sensações produzidas e sentidas pelos corpos.

Na exigência de uma discrição do corpo da plateia, seus movimentos sempre são percebidos: a mudança de posição das e nas poltronas, algo cai, vibra, faz barulho, um cochicho, uma tosse, espirro etc., salvo exceções em que esses movimentos sejam provocados pelo corpo dos atores, exceção essa que não deixa de chamar a atenção também. Os movimentos dos atores também são percebidos nos mínimos detalhes. É aquilo que se cria entre os corpos, “entre la escena y la sala se crea una especie de simbiosis afectiva” (LE BRETON, 1999, p. 234)12, alimentando os corpos discretos e

indiscretos da plateia, os corpos-personagens dos atores, as tonalidades e luminosidades que colorem e acendem os corpos e modificam-nos.

Ao desnudar-se de seu personagem, o corpo do ator busca a expressão do corpo da plateia, num movimento incessante, que se repete todas as vezes em que se apresenta, mas que nunca é o mesmo gesto, a mesma saudação, o mesmo rechaço, mas que sempre o alenta de alguma forma, “es el momento en que se quita la máscara y siente, como un soplo sobre su rostro, la vulnerabilidad que le es propia” (LE BRETON, 1999, p. 235)13.

Nesse processo de construção e destruição do corpo da personagem, pois ambos

11 Sala pode ser traduzido como sala mesmo, ou como quarto, ou cômodo – portanto poderia traduzir

“da sala à cena”, “do quarto à cena”, “do cômodo à cena”.

12 Tradução livre: “entre a cena e a sala [quarto ou cômodo] se cria uma espécie de simbiose afetiva”.

13 Tradução livre: “é o momento em que se retira [ou se remove] a máscara e sente, como um sopro

acontecem no palco, o travestir e o despir do corpo dessa personagem, em que se arranjam palco, cores, refletores, sons, gestos, palavras, também se arranjam iluminações, visões, audições, respiros, pensamentos, gostos, risos, lágrimas, incômodos, distrações, lamentos etc. entre os corpos-plateia.

Aquilo que se acrescenta e subtrai do enredo narrativo é percebido e sentido pelos corpos como criações que se dão no espaço-tempo do teatro e nos próprios corpos. E mesmo que aquilo que se encene esteja colado àquilo que se vive – são os mesmos corpos –, sempre há algo que escapa do vivido pelos corpos para o vivível de um corpo.

Nessa “simbiosis afectiva”, nessa atmosfera, nessa zona há algo que passa pelos corpos – atores e público – que é da alçada do contágio e não propriamente do encadeamento e do acordo tácito entre esses mesmos corpos.

cena 2 – tantos corpos

No último suspiro de Sinais de identidade, livro de Le Breton (2004), no capítulo chamado Orifício: a profundidade da pele, aberto pela bela epígrafe extraída do Livro do desassossego de Fernando Pessoa (1989)– “Exteriorizei-me de tal maneira dentro de mim que já só existo exteriormente” –, há duas frases: “Qualquer corpo contém a virtualidade de outros tantos corpos […] O corpo é plural” (LE BRETON, 2004, p. 252).

Anteriormente à frase selecionada para epígrafe, Fernando Pessoa14, em seu livro, começa

esse trecho falando sobre a criação de personalidades, as quais passam a sonhar seus sonhos. Ele diz que para criar é preciso destruir-se e essa criação faz-se corpo de

14 “Criei em mim várias personalidades. Crio personalidades constantemente. Cada sonho meu é

imediatamente, logo ao aparecer sonhado, encarnado numa outra pessoa, que passa a sonhá-lo, e eu não.

Para criar, destrui-me; tanto me exteriorizei dentro de mim, que dentro de mim não existo senão exteriormente. Sou a cena viva onde passam vários atores representando várias peças” (PESSOA, 1989, p. 160).

passagem para vários atores e peças. Tudo isso possui uma intensa conexão com as virtualidades e pluralidades extraídas do capítulo de Le Breton.

Escrita-pesquisa ao deparar-se com essa conexão que, de alguma forma, se tornou possível, pensou que há uma ressonância entre ela e aquilo que fora extraído na cena anterior – o contágio.

Plural é mais que um, múltiplo, uma multiplicidade, uma variedade. Ao tornar-se vários, o corpo, ao invés de criar para si a identidade daquilo que possui enquanto virtual – “outros tantos corpos”, num jogo de espelho entre o que contém e o que expõe –, cria trajetos que ligam a virtualidade dos corpos ao corpo, unindo-os, superpondo-os, intercambiando-os. Esses trajetos garantem os deslocamentos entre os corpos – “cena viva”, segundo Pessoa, e não cenário sempre fixo.

A cada novo deslocamento alguns empecilhos e algumas aberturas se re-distribuem e isso faz com que a consistência se modifique, como se estivesse atravessando, num trajeto, uma corredeira de água e, noutro, um caminho de areia. Por isso a ideia de identificação (identidade) é frágil, porque os trajetos não se pareiam, não se igualam, não possuem uma previsibilidade sempre fiel.

As sensações e os afetos contagiam tais trajetos e isso também influencia os passos que se conectam e suas combinações. O conjunto de sensações e afetos operam e alteram os corpos, assim como o percurso criado. Dentro dessa maneira de olhar o contágio e a distribuição dos corpos, o que se produz são relações de forças, as quais produzem deslocamentos.

Ao invés de uma estrutura em que os papéis estão dispostos, são gerais, e o que se modifica são os elementos que assumem tais papéis e não a colocação ou alteração da personagem ao produzir deslocamentos, as relações de forças alteram os trajetos e fazem com que ora não seja possível criar determinado papel, ora esse papel esteja noutro canto

do trajeto, tornando-os figuras singulares em cada deslocamento, apenas sendo possível assumir algo que se produz no caminho e só se produz no caminho.

Os deslocamentos produzidos entre os corpos, com os corpos contagiam, tornando-os plurais, e aquela virtualidade, que é de tantos outros corpos, também varia, influenciando na produção dos trajetos e naquilo que constitui o próprio corpo.

Porém, ser plural não basta. Porque se pode permanecer na indiferença, o que se constitui como plural pode distribuir-se numa indiferença, uma multidão indiferente. Ao plural falta-lhe o poder de afetar e ser afetado – o contágio.

cena 3 – contágio de tantos corpos

Num capítulo chamado: L'entame de soi: du body art aux performances – O início de si: da body art à performance, Le Breton (2003b) escreve:

Para muitos artistas, o corpo é posto a nu, pintado, exposto, decorado, estragado, rasgado, queimado, cortado, pincelado, acoplado, enxertado a outros elementos, etc. Ele se transformou em material dedicado ao suplício, à remodelação. Num gesto ambivalente, o corpo é reivindicado como uma fonte de criação. Sangue, músculo, humores, pele, órgãos, etc. são destacadas, divorciadas do indivíduo e tornam-se matéria-prima da obra. “Corpo sem órgãos” disponível à todas as metamorfoses, os seus suplícios ou seu desaparecimento, a sua hibridação animal ou sexual quando os artistas trabalham travestidos de vestimentas ou mesmo corporalmente subvertendo as formas orgânicas (LE BRETON, 2003b, p. 101-102, grifo do autor) (tradução livre)15.

15 “Pour nombre d'artistes le corps est mis à nu, peint, exposé, décore, abîmé, déchiré, brûlé, coupé,

pincé, accouplé, greffé à d'autres éléments, etc. Il se mue en matériau voué aux supplices, aux remaniements. Dans un geste ambivalent, le corps est revendiqué comme une source de crétion. Sang, muscle, humeurs, peau, organes, etc. sont mis en évidence, dissociés de l'individu et deviennent matières premières de l'oeuvre. “Corps sans organes” disponible à toutes les métamorphoses, voire à son supplice ou à sa disparition, à son hybridation animale ou sexuelle quand les artistes travaillent sur le travestissement vestimentaire ou memê corporel en subvertissant les formes organiques”.

Nessa passagem inventariada, os elementos que produzem os trajetos – corpo, nudez, sangue, músculo, humores, pele, órgãos – e seus procedimentos – pintar, expor, decorar, estragar, rasgar, queimar, cortar, acoplar, enxertar, hibridizar, metamorfosear, travestir, subverter – são trazidos e afirmam uma potência impessoal, com a qual se está compondo. As partes corpóreas não se distinguem pelo que se faz com elas, nelas, delas, “destacadas e divorciadas”, o gesto que as produz torna-se matéria-prima para arte.

Nessa relação com a arte, dedicar-se ao corpo, com diferentes procedimentos, proporciona experimentações entre corpo, inventário e as próprias artes. Um contágio de tantos corpos. O que está se colocando nessa junção de cenas é a relação entre os afetos que se produzem com e nos corpos, a arte como estopim, como espaço-tempo de encontros, a potência de relações que não estão dadas, ou quando estão dadas são subvertidas – e tudo isso, nesses fragmentos, se dá no e com o corpo numa escrita.

Qual é a questão para a escrita? Qual é a questão para o corpo? Na relação entre escrita e corpo – um encontro – o que se produz? Há inúmeras questões que se lançam tanto para a escrita quanto para o corpo. Análise discursiva, jogos de palavras, tradução, interpretação, divisões de gênero, análise linguística, gramática, grafia, língua, oralidade, forma, conteúdo, linguagem, corpo-alma, ser, estar diante, estar corpo, natural, artificial, órgãos, funções, sistemas, corpo social, corpo biológico, corpo histórico, saúde, sexualidade, gênero, patologia, corpo dócil, identidade, etnia, traços comportamentais, tecnologia do poder, cyborg, corporeidade, sensibilidade, sentido, sujeito, dominação-submissão, indivíduo-coletivo…

Mas, partindo dos movimentos mínimos, para escrita e para o corpo a questão é do afetar e ser afetado. Por isso, no encontro entre escrita e corpo a potência está nas inúmeras questões que cercam os afetos de um corpo, como eles se transformam em questões para a escrita, para a palavra. Extrações de fragmentos e alianças numa escrita.

que são investidos da vontade de relacionar escrita e corpo, mesmo que essa relação não seja explícita nos materiais. O movimento de extração se inventa na composição com aquilo que pulsa nesses fragmentos, aquilo que diz de um modo de existência, um sopro de vida, uma força que escrita-pesquisa busca capturar.

Se há um excesso de possibilidades de dizer o corpo numa escrita – inúmeras pesquisas e