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CAPÍTULO 3 Desenvolvendo Software, Produzindo Sistemas

3.1. Desenvolvendo o Sistema de Georreferenciamento e Monitoramento de Nascentes:

3.1.2. A coleta de dados como engajamento

Se o funcionamento do SGMN atende uma demanda interna crucial do CPCD, o processo de coleta de dados é uma forma de dar continuidade a relação entre a ONG e as famílias que residem na chapada e aprofundar os trabalhos de conservação.

Com todos os componentes funcionando, o SGMN tem uma rotina pouco confusa de coleta de dados, que se resume basicamente em uma visita de campo e a inserção dos dados

no software. A coleta poderia ser feita com pouca ou nenhuma interação entre os membros da ONG e as famílias da chapada, mas a forma como ela foi pensada serve tanto para controlar as atividades de conservação quanto para manter as associações entre o CPCD e as famílias da chapada em contínuo desenvolvimento.

A coleta funciona da seguinte maneira: participam, normalmente, dois integrantes do CPCD, sendo um funcionário responsável por dirigir o carro, normalmente o A., pois ele atua constantemente nas comunidades da chapada, e um membro da FS para operar o GPS e o drone, normalmente o coordenador da FS, o M.. Os equipamentos são colocados no carro do CPCD11 e é feito o trajeto até a entrada da chapada, cerca de 1h de trajeto, sendo 40 min de estrada de terra e os outros 20 min de estradas estaduais com pouquíssima manutenção.

Chegando na chapada, é seguido a ordem de visitas preparadas anteriormente, que é basicamente uma lista dos locais de visita em uma ordem que facilite o trajeto na chapada, pois as estradas são de difícil acesso. A visita começa normalmente com uma visita à casa de alguma família próxima da nascente em questão para que seja colhido um relato sobre a área próxima, se foi notado alguma coisa estranha, se algum animal está entrando na área de recuperação, se caiu alguma árvore, etc. A. conhece quase todas as pessoas que moram na chapada, e por isso, as visitam quase sempre são acompanhadas de um café e um pouco de conversa. Em seguida segue-se até a nascente, normalmente por uma trilha em meio ao pasto ao seguindo o leito seco de algum rio. Muitas vezes algum morador acompanha a equipe até a nascente, é uma forma também de colocar as conversas em dia e trocar ideias sobre as atividades de plantio e cuidado com animais. Nesse momento os moradores também aproveitam para mostrar alguma coisa à equipe, como uma praga que aparece em algum cultivo, ou como outro cultivo está funcionando bem etc.

Na nascente, são verificados a situação das mudas e das plantas, se as cercas de proteção contra animais estão danificadas e se precisam de algum tipo de reparo. Então são coletados os dados com o GPS e as fotos com o drone. São coletadas também algumas fotos do chão, para ajudar a compor esse álbum da nascente. Posteriormente, caso seja mais fácil chegar a outra nascente pela trilha, continua-se a caminhada, senão a equipe retorna ao carro e segue para outra propriedade e o processo continua.

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A ONG possui uma Amarok 4x4 comprada com recursos do projeto Arassussa provenientes de uma parceria com a Petrobras.

O processo de coleta de informações de algumas nascentes normalmente dura o dia todo. O deslocamento na chapada é difícil, o terreno é acidentado, as estradas são de terra com pouca manutenção e as trilhas são basicamente trilhadas pelo gado, por isso nem todas as nascentes são visitadas. As que são visitadas são as que combinam um acesso mais fácil e são mais relevantes para a composição das águas da chapada. As visitas são feitas até que comece a escurecer.

Terminando a coleta, é feito o caminho de volta à sede da FS em Araçuaí e as informações são descarregadas no computador, principalmente as fotos. No software, são inseridos os dados coletados na visita, com os horários referentes às atividades, uma breve descrição do que foi visto na visita, algumas fotos e as fotos aéreas, todas elas datadas. Essa nova entrada de dados no sistema é georreferenciada no sentido de que tem sua localização atrelada a uma localização específica do mapa, de acordo com os dados geográficos obtidos pelo GPS na visita.

As visitas poderiam ser feitas de forma mais simples para coletar informações mais rapidamente sobre as nascentes, mas a dedicação em sempre visitar alguns moradores das propriedades próximas às nascentes, os cafés e as conversas, que diminuem a eficiência na coleta de dados, contribuem para a continuação da relação entre o CPCD e as famílias da chapada. Também funcionam para verificar se os moradores estão aplicando as práticas de manejo de baixo impacto ambiental, se não estão usando agrotóxicos nem praticando a queima e derrubada - prática comum na região para limpar o solo antes de começar a plantar.

Como observam Pinch e Bijker (2013), diferentes grupos sociais definem significados diferentes para os mesmos artefatos e “significados diferentes podem constituir diferentes linhas de desenvolvimento” (PINCH e BIJKER, 2013: 40). Os grupos relevantes no desenvolvimento do SGMN - e da sua forma de coleta de dados - não o compreendem apenas como uma tecnologia para coletar dados ambientais, principalmente depois de todo o processo de alinhamento de interesses desenvolvido ao longo dos sete anos do Caminho das Águas. Caso fosse essa a compreensão, de apenas obter dados hidrológicos ou geográficos da região das nascentes, bastaria o CPCD fazer uma parceria com INPE para obtenção de imagens já prontas, ou até mesmo uma parceria com o Instituto Federal da cidade para conseguir essas imagens aéreas das nascentes.

A compreensão da ONG sobre seus projetos é referente a sua própria atuação como ONG e em termos, aliado também com os valores da ES, que é criar possibilidades de inclusão social. Para as famílias da chapada, a coleta de dados das nascentes também serve a outros propósitos para além da própria coleta, que é a continuidade das ações de conservação na região. A compreensão sobre o SGMN não é de que ele é apenas uma ferramenta de coleta de dados, como talvez seria em uma empresa capitalista convencional, mas sim uma forma de transformar a ação de coletar dados em ferramentas de inclusão social.