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De georreferenciamento de nascentes ao Big Mapa

CAPÍTULO 3 Desenvolvendo Software, Produzindo Sistemas

3.2. Georreferenciando em Diversas Escalas: O Momento Implicações

3.2.3. De georreferenciamento de nascentes ao Big Mapa

A princípio, parece que as comunidades residentes da chapada não participaram ativamente do desenvolvimento das especificações do SGMN, algo que parece distanciar a experiência do marco analítico-conceitual da TS (DAGNINO, 2014) que coloca a participação da comunidade na configuração do artefato como uma característica fundamental do desenvolvimento da TS. Porém, qual o interesse dos moradores da chapada em definir especificidades técnicas de um software? Qual a relevância de ela escolher o formato dos arquivos, da linguagem de programação ou da cor dos ícones?

Essa percepção da não participação é fruto de uma compreensão simplista da TS e de seu processo de desenvolvimento. É uma visão remanescente da concepção da FBB (2015), que entende a TS como um objeto ou processo imediato, sem se preocupar muito com as relações sociotécnicas que esses objetos ou processos estabeleceram ou estabelecem para além de suas características técnicas. Aqui o que proponho é que, assim como os processos de conformação de um artefato, a participação não é uma categoria óbvia ou imediata a um objeto tecnológico específico. Retorno para a visão de compreender a dimensão processual da TS, vindo do conceito de Adequação Sociotécnica (AST) em Dagnino, Brandão e Novaes (2010). Onde o que é destacado, é que a conformação técnica de um artefato é apenas uma das diversas dimensões - que não são facilmente separadas - que precisam de trabalho para desconstruir uma tecnologia convencional capitalista e contaminá-la com valores diferentes. A etapa de consolidação da demanda também faz parte da conformação técnica de um artefato.

A participação dos moradores da chapada fica mais clara se pensarmos o SGMN como componente de um sistema sociotécnico (aqui me aproprio sintaticamente do conceito de Hughes, mas mantenho sua semântica) muito anterior a ele, o próprio CPCD. Se pensarmos no CPCD como um sistema tecnológico, com seus diversos componentes, o SGMN, o Sítio Maravilha, as pedagogias, as tecnologias de relatórios, e a própria chapada e seus moradores, a participação deles na definição do SGMN se torna muito mais relevante. Logo de início, são eles que colocam a demanda de conservação da chapada em questão, por meio do processo descrito no Capítulo 2, e são eles que colocam, posteriormente, a própria necessidade de se pensar uma continuidade de atividades na chapada, que vai resultar no SGMN.

Depois de quase um ano de uso do SGMN, coletando dados e fotografias da chapada e suas nascentes, o sistema foi apropriado pelo próprio CPCD, que começou a georreferenciar não apenas as nascentes acompanhadas nas atividades de conservação na chapada, mas todas as atividades que o CPCD realiza no Brasil. O software foi adaptado pela FS mais uma vez, uma adaptação simples desta vez. Agora, ao invés de sempre aparecer um indicador azul para cada entrada de dados, o usuário que está inserindo os dados no sistema pode escolher outros tipos de ícones, onde cada um representa um tipo de atividade diferente. O ícone azul continua, e representa nascentes ou cursos d’água, o vermelho para marcar sedes do CPCD, Dedo de Gente e as Fabriquetas, o ícone verde para marcar ações de caráter ambiental, o

amarelo para atividades de educação e ícone roxo para marcar atividades que não se encaixam nas categorias anteriores.

Esse novo sistema está sendo difundido por todo o CPCD, em todas as cidades que ele atua, e a ideia é que toda e qualquer atividade executada pelo CPCD seja marcada nesse mapa. Até o momento (2017) o sistema é apenas de uso interno do CPCD, mas a proposta é que ele se torne público e possa ser acessado pelo site da ONG. Esse novo sistema foi chamado de “Big Mapa” e de 2015 até o mês de abril de 2016, já conta com centenas de marcações nas diversas cidades onde o CPCD atua.

As mudanças no código fonte do software foram poucas, mas alteram profundamente algumas funcionalidades. Com essa nova mudança, não é mais obrigatório inserir as coordenadas geográficas do local onde foi executado a atividade, é possível definir o local simplesmente clicando em uma localização do mapa, pois como muitas das atividades são urbanas, em praças ou casas, as localizações são facilmente. O drone, que antes operava apenas na chapada e em Araçuaí, agora é usado para fotografar as ações mais importantes do CPCD em diversas cidades. Como a ONG possui apenas um drone, ele fica viajando pelo país entre os estados do Maranhão, São Paulo e Minas Gerais, passando pelas cidades onde o CPCD desenvolve projetos e capturando fotos aéreas dos locais onde são executadas atividades. Normalmente são fotos de tipo “antes e depois”, com o objetivo de mostrar a progressão e efetividades das ações do CPCD.

O Big Mapa condensa, agrega e justapõe toda as atividades do CPCD em uma visualização única que atesta suas capacidades e a efetividade de suas ações. Com o Big Mapa, o CPCD consegue transportar a realidade que ele produz para qualquer lugar, especialmente para escritórios onde o CPCD apresenta seus projetos em busca de apoio. Funciona como uma visualização geral da história da atuação da ONG, com as centenas de pontos no mapa do Brasil, e ao mesmo tempo denota um futuro possível, caso o CPCD tivesse mais capacidade de atuação. Como observa M., coordenador da FS:

Quando Tião [coordenador geral da ONG] mostrou isso[O Big Mapa] na Petrobras [principal parceira da ONG], eles ficaram impressionados. T. [membro da FS que cuida das artes gráficas] fez uma animação que quando Tião clicava em um ponto, passava as fotos mostrando a progressão do lugar. E quando eles perguntaram quem tinha feito o sistema, Tião respondeu ‘Uns seis meninos lá de Araçuaí, que estão no colegial ainda’. Eles ficaram muito impressionados. (M., coordenador da Fabriqueta de

Esse novo protocolo de registro de atividades, que ainda não teve a adoção completa em todas as unidades do CPCD, tem grandes implicações a nível da organização, mas apresentam poucas implicações no sentido mais operacional. Isso, pois os funcionários e membros do CPCD (os educadores) já têm a prática de produzir relatórios muito difundida e esse novo formato de registro apresenta poucas dificuldades de confecção, exigindo apenas um conhecimento básico no uso de computadores, algo que a maioria dos educadores possuem.