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Nossa percepc¸˜ao acerca do que passa ao nosso redor ´e influenciada pela forma como vemos e como nos vemos no mundo. A forma como obtemos um dado funciona como uma lente frente aos olhos e interfere no que vemos. Para tentar garantir diferentes ˆangulos de vis˜ao e diferentes lentes, faz-se importante utilizar diferentes m´etodos na coleta de dados. Esse procedimento de diversificac¸˜ao ´e denominado de triangulac¸˜ao de m´etodos (ALVES-MAZZOTTI, 2002) e tem o objetivo de garantir uma maior credibilidade `a pesquisa. A autora apresenta a triangulac¸˜ao de m´etodos como a comparac¸˜ao de dados coletados por m´etodos qualitativos e quantitativos, mas tamb´em como a comparac¸˜ao de diferentes instrumentos de pesquisa, como entrevistas e documentos, por exemplo.

Para garantir essa triangulac¸˜ao na coleta de dados, optei, inicialmente, por utilizar dois instrumentos diferenciados: observac¸˜oes e entrevistas semi-estruturadas. A coleta de dados se deu ao longo do segundo semestre de 2005 e ainda em mais dois momentos: um em maio de 2006 e outro em janeiro de 2007.

Sobre a observac¸˜ao, Lincoln e Guba (1985, p. 273) destacam que a “principal vantagem da observac¸˜ao direta [. . . ] ´e que ela fornece o aqui-e-agora da experiˆencia em profundidade8”. O pesquisador pode captar situac¸˜oes exatamente no momento em que elas ocorrem. O autores afirmam que nas observac¸˜oes o pesquisador pode “captar motivos, crenc¸as, preocupac¸ ˜oes, inte- resses, comportamentos inconscientes, costumes, e as preferˆencias9.” (p. 273). Tais elementos

8“major advantage of direct observation [. . . ] is that provides here-and-now experience in depth” (livre traduc¸˜ao

minha).

9“grasp motives, beliefs, concerns, interests, unconscious behaviors, customs, and the like” (livre traduc¸˜ao

n˜ao poderiam ser percebidos em entrevistas.

Os autores classificam as observac¸˜oes como participantes ou n˜ao-participantes. Na observa- c¸˜ao n˜ao-participante, o pesquisador desempenha unicamente o papel de pesquisador-observador e sua interac¸˜ao com o grupo pesquisado ´e m´ınima. J´a na observac¸˜ao participante, o pesquisa- dor cumpre dois pap´eis, al´em de observador, ele faz parte do grupo observado. Na observac¸˜ao participante, o pesquisador se torna parte da situac¸˜ao observada. Age e interage com os sujei- tos da pesquisa, partilhando o seus cotidianos e tentando perceber o que significa estar naquela situac¸˜ao. Um diretor sindical, por exemplo, poderia observar uma reuni˜ao do sindicato. Nesse caso, ele ´e membro do grupo e observador, simultaneamente. Alves-Mazzotti (2002, p. 167) destaca ainda que, nas observac¸˜oes participantes, existem n´ıveis de envolvimento do pesquisa- dor com o grupo observado.

Nesta pesquisa, observei as aulas da professora durante a segunda e a quinta etapas. Na segunda etapa, utilizei um di´ario de campo onde registrei as atividades desenvolvidas pela pro- fessora, bem como algumas reac¸ ˜oes que me chamavam a atenc¸˜ao, tanto da professora quanto dos alunos. Observei seis aulas e, inicialmente, minhas intervenc¸˜oes foram m´ınimas, mas n˜ao totalmente nulas. Essa intervenc¸˜oes aumentaram progressivamente, na medida que percebia que me tornava, cada vez menos, um estranho ao grupo de alunos. Na quinta etapa, a da aplicac¸˜ao das atividades de investigac¸˜ao, observei dez aulas, das quais seis foram filmadas. Nesse mo- mento, minha participac¸˜ao nas aulas foi mais ativa. Atuei como um parceiro da professora, ajudando-a nas orientac¸˜oes aos alunos, bem como no acompanhamento dos grupos quando es- tavam trabalhando.

As entrevistas semi-estruturadas se realizaram ao longo da terceira, quarta e quinta etapas e ap´os o t´ermino do trabalho colaborativo. Essas entrevistas tiveram como foco a experiˆencia e o processo de (trans)formac¸˜ao que a professora vivenciou ao longo do trabalho colaborativo ou em reflexos dessa experiˆencia em sua vida profissional. Flick (2004) apresenta como um tipo de entrevista semi-estruturada a entrevista centralizada no problema. Este tipo de entrevista se caracteriza por trˆes crit´erios principais: centralizac¸˜ao no problema, orientac¸ ˜ao ao objeto e orientac¸˜ao ao processo. Tais crit´erios contribuem para ajudar a direcionar a entrevista para o foco da pesquisa. O guia da entrevista deve ser planejado para auxiliar a narrativa do entrevis- tado, “mas sobretudo, ´e empregado como base para dar `a entrevista um novo rumo” (FLICK, 2004, p. 100). Essa perspectiva contribuiu significativamente para o bom andamento das entre- vistas com a professora Eliziˆe.

Foram seis entrevistas, perfazendo um total de quase seis horas de gravac¸˜oes, sendo que quatro aconteceram durante o per´ıodo das observac¸˜oes e duas entrevistas ap´os esse per´ıodo.

Cada entrevista teve um tema central e as quest˜oes que elaborei, no guia10, direcionavam para esse tema. A primeira entrevista (11/08/2005) se direcionou para um maior conhecimento sobre a professora Eliziˆe, seu relacionamento com a educac¸˜ao, com a Matem´atica, com os alunos e com a escola e suas expectativas em relac¸˜ao ao trabalho que est´avamos iniciando. Em nossa segunda entrevista, em 31/10/2005, pedi que fizesse uma avaliac¸˜ao do trabalho at´e aquele mo- mento, perguntei como ela estava percebendo o trabalho colaborativo, como se sentia frente aos encaminhamentos que est´avamos dando e como percebia a nossa relac¸˜ao. Em nossa terceira entrevista (21/11/2005), o tema central foi a discuss˜ao sobre o processo de mudanc¸a. A quarta entrevista, realizada em 05/12/2005, aconteceu depois do fechamento da ´ultima atividade de investigac¸˜ao em sala de aula. O foco dessa entrevista foi a avaliac¸˜ao da professora de todo o processo vivenciado por n´os e pelos alunos em sala de aula. A entrevista realizada em maio de 2006, seis meses ap´os o final do trabalho, teve o foco na experiˆencia vivenciada por n´os e em como a professora Eliziˆe percebeu o trabalho. A outra entrevista, realizada em janeiro de 2007, surgiu da necessidade, depois de uma pr´e-an´alise dos dados, de esclarecer algumas d´uvidas que tinham surgido. Nessa ´ultima entrevista discutimos tamb´em algumas situac¸˜oes vividas em sala de aula, durante a realizac¸˜ao das investigac¸˜oes. Para isso, assistimos a algumas partes das filmagens realizadas durante a execuc¸˜ao das atividades pelos alunos.

Al´em das entrevistas e observac¸˜oes em sala, realizamos sete reuni˜oes para discutirmos quest˜oes espec´ıficas do trabalho colaborativo. Essas reuni˜oes aconteceram durante a terceira, quarta e quinta etapas do trabalho colaborativo. Reun´ıamos no hor´ario que precedia o in´ıcio das aulas ou no Hor´ario de Projeto11 da professora. O objetivo central das reuni˜oes, na terceira etapa do trabalho colaborativo, era a discuss˜ao das atividades de investigac¸˜ao e os assuntos que motivaram eram, quase sempre, as discuss˜oes dos textos. Na quarta e quinta etapas, o obje- tivo era a preparac¸˜ao e a avaliac¸˜ao das atividades de investigac¸˜ao. Na maioria da vezes essas reuni˜oes n˜ao eram estruturadas. Segu´ıamos a demanda, de acordo com as necessidades de cada momento. Por exemplo, uma dessas reuni˜oes (Reuni˜ao em 07/11/2005) aconteceu logo ap´os a aplicac¸˜ao de uma das atividades de investigac¸˜ao. Nessa reuni˜ao discutimos como hav´ıamos percebido o desenrolar da atividade e, com base nessa discuss˜ao, fizemos alterac¸ ˜oes nas que ainda ocorreriam. As sete reuni˜oes foram gravadas em ´audio, compondo um total de trˆes horas e meia de gravac¸ ˜oes.

Esses instrumentos (entrevistas, observac¸˜oes e reuni˜oes) foram utilizados durante a realizac¸˜ao do trabalho colaborativo, mas ap´os uma primeira incurs˜ao nesses dados, senti a falta de um de-

10Ver Anexo 8.1.

11Nessa escola cada professor tem um ou dois hor´arios para planejamento de suas atividades. Esse tempo ´e

talhamento da trajet´oria profissional da professora Eliziˆe. Apesar de ser um tema recorrente em nossas reuni˜oes e entrevistas, eu n˜ao consegui reunir dados suficientes para descrever o seu per- curso como professora. Em nossa ´ultima entrevista, a de janeiro de 2007, conversamos sobre a possibilidade de ela escrever essa sua trajet´oria, desde o primeiro contato com a docˆencia at´e os dias atuais. Eliziˆe aceitou a proposta e no final de marc¸o me enviou uma primeira vers˜ao, ainda incompleta do texto que chamamos de Memorial Profissional. No dia 9 de abril, me enviou a vers˜ao final. Esse material escrito foi incorporado aos dados, servindo de base, juntamente com o di´ario de campo, as filmagens das aulas de investigac¸˜ao, as entrevistas e as reuni˜oes, para a an´alise da experiˆencia de um processo de (trans)formac¸˜ao da professora Eliziˆe. O detalhamento de como foi realizada essa an´alise ´e descrito na sec¸˜ao seguinte.