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2.2 Cen´arios para Investigac¸˜ao

2.2.2 Educac¸˜ao Matem´atica Cr´ıtica

O termo Educac¸˜ao Matem´atica Cr´ıtica pressup˜oe uma Educac¸˜ao Matem´atica com bases na Educac¸˜ao Cr´ıtica. Os principais pontos da Educac¸˜ao Cr´ıtica dizem respeito `a relac¸˜ao professor- aluno, ao curr´ıculo e `as interferˆencias externas `a educac¸˜ao.

Skovsmose (2001a) destaca que a relac¸˜ao entre professor e aluno deve se dar de igual para igual, de forma que os “parceiros sejam iguais” (p. 17), n˜ao estabelecendo pap´eis hier´arquicos diferenciados para alunos e professores. O professor n˜ao pode, portanto, ser o ´unico a ter o papel decisivo e prescritivo em sala de aula, o “processo educacional deve ser entendido como um di´alogo” (p. 18), garantindo o envolvimento dos alunos no controle do processo educacional.

Quanto ao curr´ıculo, a Educac¸˜ao Cr´ıtica destaca cinco quest˜oes importantes. A primeira seria o questionamento da aplicabilidade do assunto a ser discutido. Quem usa determinado conceito? Onde ele ´e usado? Que tipo de habilidades e conhecimentos ele pode desenvolver? A segunda diz respeito aos interesses formadores que est˜ao subjacentes ao curr´ıculo. A terceira trata da origem do conte´udo e do contexto em que ele surgiu. “Que quest˜oes e que problemas ge- raram os conceitos e os resultados na matem´atica? Que contextos tˆem promovido e controlado o desenvolvimento?” (SKOVSMOSE, 2001a, p. 19). A quarta quest˜ao preocupa-se com as func¸˜oes de determinado conte´udo, principalmente no que diz respeito `as suas func¸ ˜oes sociais. Finalmente, a quinta quest˜ao ressalta que o curr´ıculo cr´ıtico deve se preocupar com as limitac¸˜oes de determinado assunto, em que ´areas ele n˜ao se aplica ou n˜ao tem relevˆancia.

Em relac¸˜ao `as interferˆencias externas ao processo educacional, a Educac¸˜ao Cr´ıtica destaca que o ensino deve se direcionar aos problemas, tomando por base dois crit´erios: o subjetivo, com a preocupac¸˜ao da relevˆancia do problema para os alunos e da proximidade com suas ex- periˆencias e com o seu “quadro te´orico” (SKOVSMOSE, 2001a, p. 20); e o objetivo, com a relac¸˜ao do problema com situac¸˜oes “sociais objetivamente existentes” (SKOVSMOSE, 2001a, p. 20).

A Educac¸˜ao Matem´atica Cr´ıtica incorpora essas caracter´ısticas de Educac¸˜ao Cr´ıtica e se prop˜oe ao desenvolvimento da “competˆencia democr´atica”. Skovsmose (2001c) ressalta que “a competˆencia democr´atica ´e a base de conhecimento e entendimento necess´aria para que a delegac¸˜ao da soberania seja submetida a algum tipo de controle” (p. 73), ou seja, ´e condic¸˜ao para que cidad˜aos possam participar efetivamente dos processos decis´orios da sociedade. Uma das formas de contribuir para o desenvolvimento dessa competˆencia ´e o desenvolvimento da materacia. “Materacia n˜ao se refere apenas `as habilidades matem´aticas, mas tamb´em `a com- petˆencia de interpretar e agir numa situac¸˜ao social e pol´ıtica estruturada pela matem´atica” (SKOVSMOSE, 2000, p. 68, grifo do autor). D’Ambr´osio (2001) define materacia como “a capacidade de interpretar e analisar sinais e c´odigos, de propor e utilizar modelos na vida co- tidiana, de elaborar abstrac¸˜oes sobre a representac¸˜ao do real” (p. 67). A materacia contribui para um melhor entendimento, julgamento e ac¸˜ao, nas diversas situac¸˜oes na sociedade. Essa competˆencia est´a intimamente ligada `a quest˜ao da democracia.

Skovsmose (2001b) estabelece dois argumentos que relacionam matem´atica e democracia: O social e o pedag´ogico.

O argumento social destaca que

dustrial, gerenciamento e propaganda, log´ıstica, etc . . . Apesar deste enorme campo de aplicac¸˜oes, a maioria dos exemplos utilizados na educac¸˜ao b´asica s˜ao “pseudo-aplicac¸˜oes” (p. 39), quase sempre inventados e n˜ao representam a realidade. As aplicac¸ ˜oes reais ficam “escondidas” (p. 39).

• A matem´atica exerce um forte papel de “formatadora da sociedade” com implicac¸˜oes im- portantes para o seu desenvolvimento e organizac¸˜ao, embora a maioria destas implicac¸˜oes permanec¸am ocultas e dif´ıceis de se identificar.

• Faz-se necess´ario entender como a matem´atica pode influenciar nas decis˜oes (econˆomicas, pol´ıticas, culturais, ambientais, etc).

O argumento pedag´ogico ressalta que

• existe uma grande lacuna entre o que se ensina e o que se aprende. Os professores se prop˜oem a ensinar um determinado assunto, mas o processo de aprendizagem vivenciado pelos alunos os leva a construir conceitos e id´eias que n˜ao s˜ao, necessariamente, o que havia sido planejado pelo professor.

• Apesar de o curr´ıculo evidenciar, muitas vezes, o desenvolvimento de habilidades e com- petˆencias ligadas `a estruturac¸˜ao e resoluc¸˜ao de problemas l´ogicos, o que acontece ´e dife- rente e se acaba por desenvolver habilidades de repetic¸˜ao de “v´arias rotinas da sociedade tecnol´ogica” (SKOVSMOSE, 2001b, p. 45), reforc¸ando que algumas pessoas s˜ao capazes de gerenciar problemas tecnol´ogicos e outras n˜ao. Alguns estudantes aprendem a se tor- nar servis em relac¸˜ao `as quest˜oes tecnol´ogicas e, conseq¨uentemente, em relac¸˜ao `aqueles que podem lidar com elas.

• Os rituais da escola n˜ao podem conter aspectos fundamentalmente n˜ao-democr´aticos. “Ac¸˜oes democr´aticas de n´ıvel macro devem ser antecipadas no n´ıvel micro” (SKOVS- MOSE, 2001b, p. 46), ou seja, dentro da escola e na sala de aula. A direc¸˜ao, no ˆambito da escola, e os professores, em sala de aula, devem propiciar momentos nos quais os alunos possam interferir no quotidiano escolar. Eles devem apresentar suas propostas e contri- buir na definic¸˜ao de encaminhamentos tanto para a escola como um todo, quanto para a sala de aula.

Com base nestes argumentos devemos pensar atividades matem´aticas que sejam abertas (argumento pedag´ogico) e libertadoras (argumento social). Abertas porque devem dedicar espac¸os para os alunos se posicionarem sobre o que querem discutir e para definirem como ir˜ao

encaminhar o processo em sala de aula. E libertadoras porque devem priorizar discuss˜oes que tratem das quest˜oes da vida dos alunos, bem como de quest˜oes mais amplas da sociedade. Am- bas caracter´ısticas tendem a contribuir para o desenvolvimento da competˆencia cr´ıtica, dando ferramentas para uma atuac¸˜ao efetiva na sociedade.

Parece n˜ao haver espac¸o para esses questionamentos no paradigma do exerc´ıcio e, como alternativa, Skovsmose (2000) prop˜oe uma abordagem de investigac¸˜ao, os Cen´arios para In- vestigac¸˜ao.

2.2.3

Cen´arios para Investigac¸˜ao

Este tipo de trabalho pode favorecer o desenvolvimento de uma educac¸˜ao matem´atica que ajude os alunos a desenvolverem n˜ao s´o habilidades matem´aticas, mas tamb´em competˆencias como a de “interpretar e agir numa situac¸˜ao social e pol´ıtica estruturada pela matem´atica” (SKOVSMOSE, 2000, p. 68).

De acordo com o autor, um cen´ario para investigac¸˜ao ´e “um ambiente que pode dar su- porte a um trabalho de investigac¸˜ao” (p. 69), em que os alunos s˜ao instigados a formularem quest˜oes e a procurarem explicac¸˜oes e constru´ırem suas pr´oprias conclus˜oes. ´E um ambiente que convida os alunos a desenvolverem um processo de investigac¸˜ao. Esse convite ´e simboli- zado pela pergunta: “O que acontece se...?”. O professor, com esta pergunta, pode estimular um processo de investigac¸˜ao a partir de uma atividade em execuc¸˜ao. Com o aceite dos alunos surge um cen´ario para investigac¸˜ao e neste ambiente os alunos s˜ao respons´aveis pelo processo. Um cen´ario para investigac¸˜ao ´e regido por uma propriedade relacional. A aceitac¸˜ao dos alunos depende diretamente da natureza da investigac¸˜ao. Uma determinada proposta de investigac¸˜ao pode instigar alguns alunos a investigarem, mas pode n˜ao parecer t˜ao interessante para outros. Depende tamb´em do professor e de como ele faz o convite. E, finalmente, depende dos alunos e da disposic¸˜ao e interesse em investigar. O que, em algumas situac¸˜oes, pode vir a se tornar um cen´ario para investigac¸˜ao, pode ser uma resoluc¸˜ao de exerc´ıcios em outras situac¸˜oes.

Skovsmose (2000) estabelece uma matriz que relaciona estes dois paradigmas, cen´arios para investigac¸˜ao e paradigma do exerc´ıcio, a trˆes referˆencias (Matem´atica Pura, Semi-realidade e Realidade) surgindo, assim, seis ambientes de aprendizagem.