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“H´a perguntas a serem feitas por todos n ´os e que nos fazem ver a impossibilidade de estudar por estudar.” Paulo Freire

Nesta pesquisa discuti a vivˆencia de uma experiˆencia da professora Eliziˆe, mas n˜ao posso me furtar a discutir, mesmo que sucintamente, a minha experiˆencia. Relembrando Larrosa (2002),

Se a experiˆencia n˜ao ´e o que acontece, mas o que nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, n˜ao fazem a mesma experiˆencia. O acontecimento ´e comum, mas a experiˆencia ´e para cada qual sua, singular e de alguma maneira imposs´ıvel de ser repetida (p. 27).

Dessa forma, o acontecimento vivenciado por n´os, por mim e pela professora Eliziˆe, ´e o mesmo, mas nossas experiˆencias foram diferentes. A minha e a dela s˜ao, ambas, singulares e imposs´ıveis de serem repetidas. N˜ao tratar da minha experiˆencia durante toda a pesquisa, ou durante todo o mestrado, seria deixar um vazio neste relat´orio.

7.2.1

A crise e a organizac¸˜ao da proposta de pesquisa

Minha experiˆencia se inicia durante a disciplina Tendˆencias em Educac¸˜ao Matem´atica1. As discuss˜oes em torno da Educac¸˜ao Matem´atica Cr´ıtica (EMC), realizadas nesse per´ıodo, acen- deram em mim uma possibilidade de sincronizar, sistematicamente, meu trabalho em sala de aula e minha opc¸˜ao pol´ıtica. Indiretamente, eu trazia marcas dessa minha opc¸˜ao, seja em sala de aula, seja nas discuss˜oes com os colegas professores, mas eu queria mais. A EMC e os Cen´arios

1Disciplina oferecida pelas professoras Maria da Conceic¸˜ao Ferreira Reis Fonseca e Jussara de Loiola Ara´ujo,

para Investigac¸˜ao se apresentaram como alternativas de trabalho que explicitavam essa minha opc¸˜ao diretamente, objetivamente.

O per´ıodo inicial foi o do encantamento. Retomei as leituras de Paulo Freire, que iam ao encontro da EMC, e agucei minha curiosidade. Aos poucos, fui estruturando um projeto de pesquisa que tentasse “sanar” essa minha curiosidade, ainda ingˆenua. Era de se esperar que o projeto tamb´em fosse ingˆenuo e essa descoberta causou, em mim, uma crise. Sempre gostei de crises, acho que s˜ao nelas que aprendemos. Hoje, acho que as crises proporcionam a vivˆencia de uma experiˆencia, naturalmente (trans)formadora. O meu grande problema era: Qual ´e o meu problema? Quais eram meus questionamentos? Qual a pergunta que orientava minha pesquisa? Optei por me ex-por. Conversei com colegas, que, naquele momento, n˜ao conseguiram muito ajudar: estavam quase todos em crise tamb´em! Conversei com professores, orientadora, amigos, parentes, enfim me ex-pus. Em meio `a essa crise, a professora Eliziˆe enviou uma men- sagem pedindo sugest˜oes de leitura sobre Educac¸˜ao ou Educac¸˜ao Matem´atica. Eu lhe indiquei um livro. Apesar da situac¸˜ao ter chamado minha atenc¸˜ao, eu n˜ao consegui extrair dela uma proposta de pesquisa. Simplesmente passou, n˜ao me passou.

Precisava encontrar um problema. Precisava apresentar um projeto de pesquisa da´ı a alguns meses. Procurei a professora Samira Zaidan e, nessa conversa, consegui visualizar a proposta da pesquisa. Essa conversa me passou, tornou-se uma experiˆencia enquanto pesquisador em formac¸˜ao. Na verdade o problema j´a estava posto, eu ´e que n˜ao conseguia enxergar. Mais algu- mas conversas com a professora Jussara (orientadora) e pronto. Estava organizada a proposta de pesquisa. Ainda fora do papel, mas j´a era um ganho e tanto.

Durante toda a pesquisa, foram de extrema importˆancia as colaborac¸ ˜oes das colegas de mestrado e doutorado, orientandas da professora Jussara. O grupo, composto por alunas, do mestrado e doutorado, e pela orientadora, se reunia, uma vez por semana, mesmo em feriados. Essa solidez garantiu a seguranc¸a que eu precisava.

Estruturado o projeto, parti para o trabalho de campo. Conversei com a professora Eliziˆe e definimos nosso trabalho. Em agosto de 2005 eu comec¸aria a vivenciar, no trabalho de campo, outra experiˆencia.

7.2.2

O trabalho colaborativo

Eu e a professora Eliziˆe j´a nos conhec´ıamos o bastante para nos entendermos bem. De- certo, t´ınhamos algumas divergˆencias, mas tudo era resolvido com muita harmonia e respeito. Meu primeiro contato com a Escola Municipal “Jos´e de Oliveira Campos” foi numa reuni˜ao de

professores, em agosto de 2005. Apresentei a proposta de trabalho aos professores e `a direc¸˜ao e disse que ficaria na escola at´e o final do ano.

Eu estava cheio de receios. Ser´a que vai dar certo? Ser´a que vamos conseguir construir um grupo (no caso uma dupla) colaborativa? Ser´a que vamos conseguir fazer as investigac¸˜oes na sala de aula? Conhecia Eliziˆe, mas nunca t´ınhamos trabalhado dessa forma. Convers´avamos sobre nossas pr´aticas, mas conversas s˜ao conversas. Podia dar tudo errado.

Fui para sua sala e comec¸amos a nos reunir sistematicamente. Lemos, discutimos, pro- gramamos atividades, aplicamos e avaliamos. Esse processo exigia uma ex-posic¸˜ao. Con- vers´avamos sobre nossas pr´aticas, sobre o que pens´avamos sobre Educac¸˜ao e Educac¸˜ao Ma- tem´atica. Paramos para pensar, para olhar e escutar, e olhamos mais devagar, escutamos mais devagar, demoramo-nos nos detalhes, suspendemos a automac¸˜ao, a opini˜ao, cultivamos a aten- c¸˜ao e a delicadeza, escutamos um ao outro e falamos sobre o que nos acontecia. Inevitavel- mente, aquele momento foi uma experiˆencia.

Uma experiˆencia formativa. Nela, aprendi a partilhar mais minhas pr´aticas, a ouvir mais, a demorar na escuta e na fala. Aprendi, especialmente, que um trabalho colaborativo ´e um espac¸o concreto de formac¸˜ao e (trans)formac¸˜ao.

Durante esse per´ıodo, muitas informac¸˜oes foram sendo criadas e colhidas por mim. Eram horas de reuni˜oes e entrevistas, outras tantas horas de observac¸˜ao. Como trabalhar com essa quantidade de material? O que fazer? Como analisar? O processo de an´alise foi se constituindo mais uma experiˆencia.

7.2.3

A an´alise

Depois de transcrever as reuni˜oes, as entrevistas e as aulas filmadas, eu tinha 111 p´aginas que eu n˜ao sabia como iria organizar.

Voltei a ler artigos e livros sobre metodologia e sobre an´alise de dados em pesquisas qua- litativas. Um desses textos (LINCOLN; GUBA, 1985) e alguns outros relatos de pesquisas, principalmente de revistas internacionais, me deram uma indicac¸˜ao de como poderia conduzir o processo.

N˜ao vou descrever esse processo novamente, pois j´a o fiz, detalhadamente no cap´ıtulo 4. Comecei a fazer a an´alise pela definic¸˜ao e categorizac¸˜ao das unidades. De tempos em tempos me perguntavam: “como vocˆe vai analisar seus dados?” Eu n˜ao tinha essa resposta. Fazia, mas nada muito sistem´atico. Foi quase no final do processo que resolvi parar e pensar em tudo que

tinha feito para me organizar da´ı pra frente.

O processo de an´alise estava quase todo pronto. Faltava escrever. Por vezes me perguntei: “por que fiz assim? De onde saiu isso?” Acho que as coisas estavam em mim, vieram pelas leituras, pelas conversas, mas eu, mais uma vez, n˜ao as via. Foram incorporadas sem que eu me desse conta e expostas no momento em que se fizeram necess´arias.

Esta foi, para mim, a (trans)formac¸˜ao que mais me chamou a atenc¸˜ao. Eu havia trilhado um caminho no processo de an´alise que s´o fui me dar conta dele no final. As leituras e discuss˜oes foram incorporadas, de tal maneira, que eu realizei um trabalho sem pensar muito em como fazˆe-lo. Apesar disso, considero que foi reflexivo, mas de forma inconsciente. As reflex˜oes surgiram quase no final e, vieram para confirmar e melhorar o que j´a havia feito.

Voltando a Paulo Freire, me assumo como ser inacabado, e essa assunc¸˜ao me faz buscar, sempre, o desenvolvimento. Sei que ainda tenho muito a caminhar, que a viagem ´e longa, eterna, mas j´a me sinto na estrada.

“Eu j´a estou com o p´e nessa estrada, qualquer dia a gente se vˆe. Sei nada que ser ´a como antes, amanh ˜a.” Milton Nascimento e Ronaldo Bastos