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CAPÍTULO I Introdução

6. Coloração da carne fresca

Do ponto de vista comercial, a cor é o parâmetro de qualidade mais importante na carne uma vez que os consumidores associam a cor vermelho viva da carne como indicador de salubridade. Desta forma, qualquer alteração na cor da carne é considerada, para o consumidor, como indicador de deterioração (Jones et al., 2008).

A estabilidade da cor da carne é afetada pela interação da mioglobina (Suman e Joseph, 2013) com outras moléculas presentes nesta matriz complexa (Limbo et al., 2010). A mioglobina é a proteína heme responsável pela coloração vermelha da carne fresca. São as interações entre esta proteína e diversos fatores intrínsecos e extrínsecos que estão na origem das variações de cor na carne, tanto fresca como cozinhada (Suman et al., 2014).

A Mb é uma heme proteína monomérica com um grupo prostético heme e uma proteína – globina. A globina consiste numa cadeia de oito segmentos helicoidais que formam uma estrutura em espiral em volta do grupo heme. A presença do grupo heme possibilita a ligação da mioglobina ao oxigénio. A globina confere ao grupo heme solubilidade em água e protege o ferro do ambiente externo, evitando a oxidação de modo a que a proteína mantenha a sua funcionalidade. Por fim, a natureza ressonante das duplas ligações no grupo heme é responsável pela capacidade da mioglobina absorver a luz visível, funcionando assim como pigmento (Suman e Joseph, 2013).

O grupo heme contém um átomo de ferro que se pode encontrar na forma reduzida - ferroso (Fe2+) ou oxidada - férrico (Fe3+). O ferro pode ter até seis eletrões e pode, assim, formar seis ligações coordenadas. A Mb pode encontrar-se em quatro estados redox: desoximioglobina (DesoxiMb), oximioglobina (OxiMb), carboximioglobina (COMb) ou metamioglobina (MetMb), sendo que os primeiras três correspondem a um estado reduzido (ferroso) e a última a um estado oxidado (férrico). Tal como se pode verificar na Figura 5, a DesoxiMb resulta numa coloração purpura-vermelha característica dos cortes frescos ou da carne embalada a vácuo, isto ocorre quando a sexta ligação não se encontra associada a nenhuma outra molécula. Já no caso da OxiMb e da COMb, conferem a coloração vermelho-cereja brilhante, tipicamente associada pelos consumidores à frescura da carne. No caso da OxiMb, a sexta ligação é ocupada por oxigénio, enquanto que na COMb está ocupada por uma molécula de CO, a coloração brilhante em cada uma destas formas é semelhante a olho nú, portanto, saturar a Mb com oxigénio seria uma forma de “aperfeiçoar” a coloração da carne. A formação de MeMb, responsável pela cor acastanhada (descoloração) resulta da oxidação daforma ferrosa. Nesta

26 forma, na sexta ligação encontra-se uma molécula de água, o que impossibilita a ligação do O2

(Suman e Joseph, 2013). A formação de MetMb depende de vários fatores como a pressão de O2, temperatura, pH, atividade redutora e, em alguns casos, da atividade microbiana (Suman e

Joseph, 2013).

Figura 5- Diferentes formas redox da Mioglobina na carne fresca (Mancini and Hunt, 2005).

São diversos os fatores intrínsecos que influenciam a cor da carne, sendo os mais significativos opH, a origem do músculo, a presença de antioxidantes, a oxidação lipídica e a atividade mitocondrial (Suman e Joseph, 2013). Segundo Mancini e Hunt (2005), existem também alguns fatores relacionados com o próprio animal, tais como a genética e a dieta.

Tal como anteriormente referido, os produtos da oxidação lipídica aceleram a oxidação da Mb. Os aldeídos altamente reativos são polares e difundem-se rapidamente no sarcoplasma onde expõem as moléculas de Mb. Os resíduos de cisteína das proteínas são os principais alvos para a exposição nucleofílica por parte dos aldeídos. Esta adução de aldeídos nas histidinas proximais e distais (que coordenam a estabilidade do grupo heme) expõem o grupo heme a um ambiente externo, o que leva a um aumento da oxidação da Mb. Assim, melhorar a estabilidade da cor é uma estratégia para evitar a oxidação lipídica (Faustman e Cassens, 1990).Outro fator que interfere com a Mb é o funcionamento mitocondrial (na fase de post mortem as mitocôndrias continuam a metabolizar O2). A competição entre as mitocôndrias e a Mb pelo O2

é a peça chave para a coloração da carne. A atividade mitocondrial pode influenciar a cor devido ao consumo de O2 e à atividade redutora da MetaMb. Este fenómeno pode dar-se de duas

27 outro lado, a OxyMb pode transferir um O2ligado a um grupo heme para a mitocôndria. Ambas

promovem a formação de DesoxiMb, resultando numa coloração mais escura. A baixa pressão parcial de O2 resultante do aumento da atividade mitocondrial mantém a Mb no estado

desoxigenado, nestas circunstâncias a carne não apresenta a cor vermelho-cereja brilhante; o consumo de O2 torna o ambiente aneróbio, o que favorece a redução da MetaMb. Deste modo,

os fatores que influenciam a atividade mitocondrial também vão afetar a cor da carne (Suman e Joseph, 2013).

Uma grande variedade de fatores exógenos influencia também a coloração da carne: presença de ligandos, antioxidantes e pró-oxidantes (Suman e Joseph, 2013).

Os ligandos, geralmente gases, desempenham um papel crítico na coloração da carne fresca. Quando os cortes de carne são expostos ao ar, o O2 reage com a Mb formando OxiMb,

o que resulta numa cor vermelho vivo brilhante; isto acontece em cerca de 30 – 60 minutos. No entanto, a tendência é para que ocorra descoloração devido à formação de MetaMb, tendo esta cor uma duração de menos de uma semana (Suman e Joseph, 2013). Ao embalar a carne em atmosfera modificada promovendo a formação de COMb, o tempo de prateleira aumenta devido à grande afinidade da Mb com o CO (McMillin, 2008).

A presença de antioxidantes exógenos minimiza a oxidação dos grupos heme, exercendo atividade estabilizante de cor. O uso de alguns antioxidantes na carne tem vindo a demonstrar melhorias na estabilidade da cor em carnes tanto inteiras como picadas. Estes costumam ser aplicados em músculos inteiros na forma de injeções, assegurando uma distribuição uniforme no seu interior. Com as preocupações associadas ao efeito dos antioxidantes sintéticos na saúde, tem vindo a aumentar o interesse em antioxidantes de origem natural. O efeito antioxidante de diversas plantas no melhoramento da cor em carnes frescas já foi estudado (Suman e Joseph, 2013).

6.1 Medição da cor da carne

A formação de cor acastanhada (MetaMb) é o maior indicador de deterioração da carne fresca. No entanto, existem outros defeitos na coloração que influenciam a decisão de compra por parte dos consumidores (Suman e Joseph, 2013).

A perceção da cor depende do observador e das condições de luminosidade, portanto é importante que se recorra a técnicas e instrumentos que façam uma avaliação objetiva e sigam as recomendações da Comissão Internacional de Iluminação (Suman e Joseph, 2013). Esta organização desenvolveu diversos sistemas com o intuito de expressar a cor de forma numérica.

28 Um dos sistemas mais conhecidos é o L*a*b* ou CIELAB, o qual é constituído por 3 coordenadas (Figura 6), correspondendo L* à luminosidade e a* e b* a coordenadas de cromaticidade; a∗, vermelho a verde; b*, amarelo a azul (Castellano et al., 2004).

Figura 6 - CIELAB color space (adaptado de CIE, 2015).

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