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CAPÍTULO I Introdução

4. Deterioração da carne fresca

4.1 Deterioração microbiana

Considera-se que a atividade microbiana é o principal fator responsável pelo aparecimento de metabolitos considerados indicadores de deterioração nas carnes (Ercolini et

al., 2006; Limbo et al., 2010).

Como já se pôde compreender, as características intrínsecas da carne são favoráveis ao desenvolvimento de diversos microrganismos. As alterações organoléticas variam de acordo

13 com a microbiota presente na carne e com as condições sob as quais esta é armazenada (Nychas

et al., 2007). Estas estão relacionadas com o consumo de nutrientes como açúcares e

aminoácidos livres por parte dos microrganismos que resulta na formação de metabolitos voláteis indesejáveis (Mohareb et al., 2015).

Cargas microbianas a partir de 107 CFU cm−2 estão associadas à ocorrência de off-odors como por exemplo, odor amanteigado; estes podem evoluir para odores frutados quando as contagens aumentam e odores pútridos como resultado do consumo de aminoácidos em cargas superiores a 109 CFU cm−2. Quando a glucose presente na fase aquosa é utilizada, outros substratos são sequencialmente consumidos até que odores de compostos azotados, como amónia e dimetilsulfito, são libertados (Ercolini et al., 2006).

Existem muitas espécies e estirpes de bactérias deteriorativas que podem colonizar a superfície da carne através de diferentes etapas que envolvem a adsorção à sua superfície e ligação por formação de glicocálice. O desenvolvimento destas fases depende dos fatores intrínsecos e extrínsecos como pH, morfologia da superfície da carne, disponibilidade de O2,

temperatura e presença de bactérias (Ercolini et al., 2006).

As bactérias aeróbias e anaeróbias facultativas, Gram-negativas são o grupo com maior potencial deteriorativo. Muitos membros da família Enterobacteriaceae contribuem para a deterioração da carne, no entanto, em carnes armazenadas em refrigeração em condições de aerobiose, os géneros Pseudomonas, Acinetobacter, Psychrobacter e Moraxella apresentam elevadas taxas de multiplicação (Ercolini et al., 2006). O género Pseudomonas é geralmente o dominante por contribuir ativamente para a deterioração devido à sua capacidade de degradar a glucose e os aminoácidos a temperaturas de refrigeração (Mohareb et al., 2015). Embora

Acinetobacter pudesse competir com Pseudomonas spp. por aminoácidos e ácido lático, têm

pouca afinidade pelo oxigénio, o que favorece Pseudomonas spp. (Ercolini et al., 2006). Como já foi referido, a microbiota deteriorativa dominante na carne fresca é geralmente Gram-negativa, no entanto, a população inicial pode incluir géneros Gram-positivos como Bactérias do Ácido Lático (BAL) e Brochothrix thermosphacta (Mohareb et al., 2015). As BAL desempenham um papel importante na deterioração de carne fresca refrigerada e são reconhecidas como importantes competidores com outros grupos de microrganismos deteriorativos. Brochothrix thermosphacta é um microrganismo que pode desenvolver-se na carne sob aerobiose e também anaerobiose provocando off-odors (Ellis et al., 2002).

Todos os produtos alimentares têm uma microbiota específica associada. O potencial de deterioração de um microrganismo é a capacidade que a sua cultura pura tem de produzir

14 metabolitos que vão desencadear os fenómenos associados à deterioração desse alimento (Ercolini et al., 2006). Na carne, como já se referiu, a microbiota específica que contribui para o desenvolvimento da deterioração pertence ao grupo das Enterobacteriaceae, Bactérias do Ácido Lático (BAL), Brochothrix thermosphacta e Pseudomonas spp. (Gram et al., 2002).

a) Microrganismos mesófilos totais

Designam-se por mesófilos todos os microrganismos que se multiplicam a temperaturas de 20ºC a 45ºC, sendo a temperatura ótima entre 30ºC - 40ºC (Jay, 2000).

A contagem de microrganismos mesófilos totais é um indicador microbiológico muito importante, funcionando como índice de qualidade sanitária e segurança alimentar (Gram et al., 2002).

b) Microrganismos psicrotróficos totais

As bactérias que têm a capacidade de se desenvolver a temperaturas de refrigeração (0- 7ºC) são designadas por psicrotróficas (Jay, 2000). Estas podem pertencer a géneros Gram- positivos como BAL ou Gram-negativos como Pseudomonas spp. e Enterobacteriaceae (Kodogiannis et al., 2014), sendo no entanto estas condições mais favoráveis aos microrganismos Gram-negativos (Jay, 2000).

c) Enterobacteriaceae

Enterobacteriaceae é uma família de bactérias constituída por bacilos Gram-negativos,

oxidase-negativos, anaeróbios facultativos com metabolismo do tipo fermentativo e que não formam esporos. Esta família de bactérias é ubiquitária, encontrando-se naturalmente presente em resíduos fecais, pode ser também encontrada no solo, água, etc. Alguns membros encontram-se frequentemente em alimentos frescos e congelados como carnes de bovino, suíno e outras (Castellano et al., 2004).

Algumas espécies de Enterobacteriaceae são mesófilas, no entanto as psicrotróficas são as principais responsáveis pela deterioração (Jay, 2000).

Esta família contém alguns géneros patogénicos relevantes como são exemplo

Salmonella e E.coli O157:H7 e géneros deteriorativos como Serratia, Enterobacter, Pantoea, Proteus e Hafnia (Doulgeraki et al., 2011).

d) Pseudomonas spp.

O género Pseudomonas, constituído por 223 espécies e 18 subspécies, é um grupo de bacilos Gram-negativos, móveis, não formadores de esporos e maioritariamente aeróbios. São

15 bacilos aeróbios, oxidase e catalase positiva, apresentam flagelos (são móveis), e têm um pH ótimo inferior a 4,5 e aw inferior a 0,97 (Jay, 2000).

A sua classificação sofreu alterações desde a divisão feita por Palleroni em 1973, na qual este género era subdividido em 5 grupos de acordo com as semelhanças de rRNA de acordo com estudos de hibridização de DNA–DNA (Huis in't Veld, 1996).

Apesar das alterações taxonómicas, as espécies mais relevantes envolvidas na deterioração da carne encontram-se no Grupo I que inclui Pseudomonas aeruginosa,

Pseudomonas fragi, Pseudomonas lundinensis, Pseudomonas fluorescens, Pseudomonas putida, Pseudomonas chlororaphis, Pseudomonas cichorii, Pseudomonas viridiflava e Pseudomonas syringae. Destas espécies, P. fragi é considerada a mais presente em carnes

deterioradas (incidência entre 56,7% e 79,0%), seguida pela P. lundinensis (Jay, 2000).

Pseudomonas spp. constituem o género de bactérias mais encontrado em alimentos

frescos. Estas bactérias são típicas do solo e da água, sendo o grupo de bactérias mais importante no caso da deterioração de alimentos frescos refrigerados uma vez que muitas espécies são psicrotróficas (Jay, 2000). São predominantes em carnes ou produtos à base de carne armazenados em aerobiose em refrigeração (Molina et al., 2013).

Embora estejam normalmente associadas a alimentos deteriorados, a maior parte das espécies de Pseudomonas não são patogénicas (Jay, 2000).

No decorrer da sua ação deteriorativa, estas bactérias começam a usar os aminoácidos, o que resulta num aumento de pH e produção de amónia (Ercolini et al., 2009).

e) Bactérias do ácido lático (BAL)

BAL é um grupo de bactérias em bastonete ou cocos, Gram-positivo, que não formam esporos, catalase e oxidase negativo, anaeróbias facultativas, com pH ótimo entre 4.0 – 4.5. Estas fermentam hidratos de carbono produzindo como principal metabolito o ácido lático (Ercolini et al., 2010).

Os géneros que fazem parte do grupo das BAL são: Lactobacillus, Lactococcus,

Leuconostoc, Pediococcus e Streptococcus. Estas bactérias são frequentemente a microbiota

dominante em alimentos à base de carne embalados em atmosfera modificada em fim de validade (Jay, 2000).

As espécies do género Lactobacillus (Lactobacillus sakei, Lactobacillus curvatus,

Lactobacillus algidus, Lactobacillus fuchuensis, Lactobacillus oligofermentans) estão

16 (Leuconostoc gelidum, Leuconostoc carnosum, Leuconostoc mesenteroides) está frequentemente associado à produção de ácidos orgânicos (por exemplo, ác. acético e ác. lático), aroma a ranço, formação de limo, coloração esverdeada e podem empolar a embalagem. Algumas espécies do género Enterococcus (Enterococcus viikkiensis, Enterococcus

hermanniensis) também são encontradas em carnes deterioradas mas em menores quantidades

(Françoise, 2010).

Por outro lado, os ácidos orgânicos e bacteriocinas produzidos por estas bactérias atuam como substâncias antimicrobianas (Pothakos et al., 2015).

Em suma, as BAL contribuem para a deterioração da carne pela fermentação dos açúcares e consequente produção de ácido lático, o que vai reduzir o pH e aumentar a formação de limo e CO2. Estas bactérias têm normalmente uma multiplicação lenta a temperaturas

reduzidas, sendo que em condições de aerobiose são ultrapassadas por Pseudomonas spp. (Pothakos et al., 2015).

f) Brochothrix thermosphacta

Brochothrix thermosphacta é um microrganismo importante na deterioração da carne e

produtos cárneos. É uma bactéria anaeróbia facultativa, capaz de tolerar elevadas concentrações de sal (~10%), baixos valores de pH (5,5–6,5), sendo o ótimo entre 5,0 - 9,0, com temperatura ótima de multiplicação entre 0ºC - 30ºC multiplicando-se, portanto a temperaturas de refrigeração (Gribble e Brightwell, 2013; Nowak et al., 2012). Deste modo, B. thermosphacta pode desenvolver-se facilmente em carne refrigerada tornando-se um contaminante de carne fresca ou processada. Este microrganismo é frequentemente isolado tanto de produtos animais como de mesas e equipamento utilizado em instalações de processamento de carne (Nychas et

al., 2008). Esta bactéria é frequentemente dominante em ambientes em aerobiose, no entanto,

tem a capacidade de se desenvolver sob vácuo, dependento da quantidade de oxigénio residual presente. Normalmente, a quantidade residual de oxigénio nas embalagens sob vácuo é suficiente para que B. thermosphacta se desenvolva (Gribble e Brightwell, 2013).

Existe apenas mais uma espécie pertencente ao género Brochothrix: Brochothrix

campestres, no entanto, ainda foi pouco estudado e apenas foi isolado de ervas e solos, não

parecendo muito relevante em questões de segurança nas carnes frescas. De qualquer modo, ambas as espécies não são patogénicas e geralmente não se multiplicam a temperaturas superiores a 30ºC (Gribble e Brightwell, 2013).

17 g) Fungos (bolores e leveduras)

Os fungos constituem um dos maiores grupos de organismos com cerca de 100 000 espécies conhecidas, no entanto, na indústria alimentar apenas 50 espécies são frequentemente encontradas (Ercolini et al., 2009).

Os bolores e as leveduras desenvolvem-se numa grande variedade de ambientes (plantas, solo, água e produtos de origem animal). A sua ampla ubiquidade deve-se à capacidade de utilizar uma grande diversidade de substratos tais como hidratos de carbono, ácidos orgânicos, proteínas e lípidos e serem tolerantes a valores reduzidos de pH e aw, temperaturas

baixas e presença de conservantes (Hawksworth, 2015).

Os bolores são fungos filamentosos que se desenvolvem rapidamente e têm uma elevada resistência ao calor quando são esporulados. Multiplicam-se a valores de pH entre 1,5 – 11, no entanto não se multiplicam a valores de aw inferiores a 0,80. Os bolores mais comuns na

deterioração da carne de bovino fresca são Rhizopus, Mucor e Aspergillus, estando estes na origem da formação de mucosidade na sua superfície (Jay, 2000).

As leveduras possuem forma arredondada ou alongada com cores creme, rosa ou vermelha. Possuem um desenvolvimento mais rápido que os bolores, crescem a valores de pH entre 2,5 - 8,5 e não se desenvolvem a valores da aw inferiores a 0,88 (Jay, 2000). Segundo Jay,

(2000), as leveduras mais encontradas em carne de bovino são do género Candida.

Enquanto que os bolores necessitam de O2 para crescer, as leveduras desenvolvem-se

tanto na sua presença como ausência. A deterioração causada pelos bolores e leveduras caracteriza-se pela formação de colónias grandes, normalmente pigmentadas, viscosidade superficial, fermentação de açúcares com produção de ácidos, gás e desenvolvimento de odores desagradáveis (Huis in't Veld, 1996).

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