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COM O FERMENTO DA POLÍTICA, A MASSA DOS ELOS

3 ENTRE TRAFICANTES, POLÍTICOS E BACHARÉIS: AMIZADE, FAMÍLIA

3.2 COM O FERMENTO DA POLÍTICA, A MASSA DOS ELOS

Manoel de Araújo Lima fez questão de anotar os passos políticos e pessoais do filho. Preocupou-se com os contos gastos e os resultados do investimento. Os interesses do grupo ao que o pai estava ligado – senhores de engenho, comerciantes e negociantes de escravos – estava garantido com o filho fazendo parte do parlamento.

Seguindo o registro paterno, foi no dia 7 de junho de 1821 que se deu a eleição dos deputados às Cortes Portuguesas, em Olinda. Os eleitos eram, segundo Manuel Carvalho: Pedro de Araújo Lima, Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira, Inácio Pinto de Almeida e Castro, Manoel Zeferino dos Santos, Felix José Tavares de Lira e Francisco Muniz Tavares. A suplência ficava com Antonio de Pádua Vieira Cavalcanti e D. Francisco Xavier de Lossio e Seibltz438. Entretanto, parece que esse escritor esqueceu de João Ferreira da Silva, citado por Manoel de Araújo Lima e Câmara Cascudo439.

Quando da eleição, Pedro de Araújo Lima estava no Recife. Devia estar se cercando do vereador de origem portuguesa Bento José da Costa e dos outros comerciantes do Recife para conseguir vaga dentre os Deputados. Esses momentos imediatamente antes das escolhas eleitorais sempre são decisivos. E os sujeitos aproximados do comércio de Manoel de Araújo Lima, Gonçalves Pereira e Bento José da Costa devem ter ficado bastante atentos com o seu representante das Cortes de Lisboa. Entretanto, no dia 14 de junho, já voltava para o Engenho Antas, talvez para conseguir dinheiro com o pai, e retornava ao Recife em 22 de junho440.

438 Manoel de Araújo Lima coloca lista um pouco diversa, grafando da seguinte forma: “Em o dia 7 de junho

(rasurado e escrito junho) de 1821 se fez a eleição dos deputados na cidade de Olinda que a de irem para as Cortes de Portugal os que fosse eleitos por deputados o Dr. Pedro de Araujo Lima ___ Domingos Malaquia ____ Manoel Zeferino do Santos ___ João Teixeira da Sª __ Feliz Jose Tavares de Lira ___ o vigário de S. Amaro Jaboatão __ o padre Moniz ___ substitutos que se acham em Lisboa __ Antonio de Paula Filho de João Vieira ___ D. Francisco Lusio filho de D. Jorge __ estes dois já se achava em Lisboa.” IHGB.Arquivo Marquês de Olinda. Papéis

referentes a vida de Pedro de Araújo Lima – Anotações do seu pai Manoel de Araújo Lima. Lata 211. Pasta

4. Entretanto, existe a lista de: CARVALHO, Manuel Emílio Gomes de. Os Deputados Brasileiros nas Cortes

Gerais de 1821. Brasília: Senado Federal, 2003, p. 92.

439 CAMARA CASCUDO, Luiz da. O Marquez de Olinda e seu tempo (1793 – 1870). São Paulo: Companhia

Editora Nacional, 1938, pp. 47 – 48.

440 IHGB. Arquivo Marquês de Olinda. Lata 211 Pasta 4. Papéis referentes a vida de Pedro de Araújo Lima –

Só no dia 8 de julho de 1821 os deputados pernambucanos partiam para Portugal. Eram 9 horas da manhã quando a fragata Ativa saiu. “[...] o Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor General os foi levar na sua galeota até o forte do mar e daí passaram para uma alvarenga que os foi levar ao bordo da embarcação.” A Fortaleza do Brum fez salva. “Teve grande acompanhamento de gente tantas grandes como das pequenas com muitos vivas”, como informou Manoel de Araújo Lima441. Era momento importantíssimo para os pernambucanos. Parece que Luiz do Rego fez toda a pompa que merecia o ato: levou os deputados até a embarcação e salvou. Foi uma festa!

Pedro de Araújo Lima chegou a Lisboa no sábado 25 de agosto de 1821, completando 49 dias de viagem. Só no dia 29 ocupou a cadeira nas Cortes de Lisboa: “foram os primeiros deputados que chegaram do Brasil em Lisboa442.” Aos poucos, os outros lugares brasileiros iam sendo ocupados. E, assim, os anos entre 1821 e 1822, nas Cortes, colocaram Pedro de Araújo Lima em contato direto com a política. Os primeiros e poucos discursos apareceram lá, no mesmo lugar em que conviveria com Lino Coutinho, Vergueiro, Diogo Antonio Feijó, José Martiniano de Alencar, Antonio Carlos de Andrada, Silva Bueno e outros nomes que cruzaram a importância da história política do Brasil Império.

Na sessão do dia 31 de agosto de 1821, Araújo Lima propôs a diminuição do rigor com que se tratavam as milícias, em Pernambuco; já que, de tempos em tempos, os milicianos eram obrigados a deixarem suas casas e famílias, podendo, assim, sem trabalhar, entrarem na mendicidade. Também lembrava, naquele momento, a violência de alguns comandantes com esses sujeitos443. Logo após a fala, Manoel Zeferino dos Santos adentrou em discurso, pedindo em favor dos “desgraçados oficiais de Pernambuco que se acham presos e desterrados pelos

441 IHGB. Arquivo Marquês de Olinda. Lata 211 Pasta 4. Papéis referentes a vida de Pedro de Araújo Lima –

Anotações do seu pai Manoel de Araújo Lima

442 IHGB.Arquivo Marquês de Olinda. Lata 211 Pasta 4. Papéis referentes a vida de Pedro de Araújo Lima –

Anotações do seu pai Manoel de Araújo Lima.

443 Essa sessão é lembrada por: CARVALHO, Manuel Emílio Gomes de. Os Deputados Brasileiros nas Cortes

Gerais de 1821. Brasília: Senado Federal, 2003, p. 99. Entretanto, aqui, nos utilizamos de: Diário das Cortes

Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza. N° 165. Sessão do dia 31 de agosto de 1821. Acessado em: http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821/01/01/01/165/1821-08-31/2099 . Parte do discurso de Pedro de Araújo Lima: “Ontem propus a necessidade que havia de fazer extensiva à província de Pernambuco a medida que se tinha dotado para Portugal, sobre as milícias: peço ao Congresso tome isto em consideração relativamente a Pernambuco; porque um dos males que tem sofrido os pernambucanos é o rigor com que tem sido tratadas as milícias, já da parte do sistema já da parte dos comandantes. De 8 em 8 dias se faziam ao princípio as revistas, e depois passaram a fazer-se de 15 em 15 dias. Estas revistas obrigam a fazer uma jornada de 6, 8 e dez dias; e põem os milicianos na necessidade de estarem fora de suas casas muitos dias; ora homem fora de suas famílias por tanto tempo, deixando de trabalhar, vão a reduzir-se a mendicidade, e por isso são dignos de muita contemplação. Isto pelo que toca aos males que resultam do sistema; e em quanto ao que provem da parte dos comandantes, também há com efeito alguma violência. Por isso requeiro se faça extensiva a Pernambuco a medida que a este respeito se tomou para Portugal: como também a outra moção do sr. Borges Carneiro sobre os passaportes que são obrigados a tirar os milicianos.”

acontecimentos do dia 6 de março.” Reivindicava a liberdade e os soldos, além dos postos. Araújo Lima apoiou, querendo que os pagamentos fossem ajustados em completo, e não apenas a metade, como indicavam alguns deputados portugueses, da forma de Castello Branco444.

Muniz Tavares também discursou a favor dos oficiais. A referência ao dia 6 de março era a 1817, a sua revolução, aquela que o próprio padre orador participou e foi preso, além de ser o seu cronista445. Dos participantes das Cortes envolvidos na revolução pernambucana, outros existiam, mesmo que só chegassem depois da bancada de Pernambuco, como José de Alencar e Antonio Carlos. Entretanto, como já mostramos no capítulo anterior, Araújo Lima e sua família fizeram parte da resistência a 1817. Até texto-homenagem a Luiz do Rego o jovem político havia redigido. Todavia, quando chega às Cortes, briga pelos oficiais pernambucanos. Talvez seja, por isso, que, em 1823, na Assembleia Constituinte, como indicou Câmara Cascudo, ele “curiosamente, veio com fama de liberal ardente446.”

Aos 23 de março de 1822, depois de ter se dirigido a aquelas Cortes, algumas vezes, Araújo Lima retoma a palavra. Colocou que o Brasil estava descontente; além de que“todos sabem que as notícias que vem do norte do Brasil mostram que naquela parte há descontentamento”. Ainda afirmava: a situação poderia piorar447, como piorou, até a Independência. Mesmo assim, Pedro de Araújo Lima assinou a Constituição forjada por aqueles dias. Com ele, todos os pernambucanos firmaram o nome no documento448.

Em livro da década de 1870, o médico e político alagoano, amigo pessoal de Pedro de Araújo Lima, Mello Moraes, publicou “revelações do Marquês de Olinda ao autor”. Naqueles dias das Cortes, Antonio Carlos Ribeiro de Andrada pediu para retirar-se das reuniões, infrutiferamente. Da mesma forma, ocorreu com Diogo Antonio Feijó. Havia dúvidas sobre a

444 Parte do discurso de Manoel Zeferino: “Peço a atenção e benevolência do Congresso a favor dos desgraçados

oficiais de Pernambuco que se acham presos e desterrados pelos acontecimentos do dia 6 de março, pois que os seus crimes eram opiniões políticas: foram já absolvidos na relação da Bahia, e mereciam ser restituídos uns à sua pátria, outros à sua liberdade, e todos aos seio de suas desgraçadas famílias, percebendo os seus soldos, e entrando nos seus postos.” Diário das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza. N° 165. Sessão do dia 31 de agosto de 1821. Acessado em: http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821/01/01/01/165/1821-08-31/2099.

445 TAVARES, Francisco Muniz. História da Revolução de Pernambuco em 1817. Recife: CEPE, 2017. 446 CAMARA CASCUDO, Luiz da. O Marquez de Olinda e seu tempo (1793 – 1870). Op.cit., p. 70.

447 Parte da fala de Pedro de Araújo Lima : “(...) Eu confesso ingenuamente a dor que sente minha alma ao ter que

pronunciar, que o Brasil está descontente; porém é indispensável dizê-lo; e é preciso desde já declarar que crescerá o seu descontentamento se em lugar de medidas brandas se mandar meter em processo aqueles, que os povos olham, não examino se bem ou mal, como defensores das suas liberdades (...) Eu como natural daquele país e como conhecedor dos costumes daqueles habitantes estou muito mais nas circunstâncias, que os de Portugal, de poder afirmar a verdade do que ali passa: não digo com a mesma certeza que os que se acham naquelas províncias, porém com muita probabilidade, pelos conhecimentos locais, e por notícias particulares, e todos sabem que as notícias que vem do norte do Brasil mostram que naquela parte há descontentamento.(...).” Acessado em: Sessão de 23 de março de 1822. N° 43. http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821 .

recolonização do Brasil e “receio de violências praticadas em suas pessoas449.” Mesmo com a vigilância da polícia de Lisboa sobre os deputados brasileiros, além da interceptação da correspondência de Muniz Tavares, Alencar, Vergueiro e Barata, conseguiam, sete deputados, saírem de Portugal, sem passaportes, para a Inglaterra. Pedro de Araújo Lima foi convidado para juntar-se ao grupo, por um comerciante baiano, que arranjou a fuga junto ao ministro inglês. Araújo Lima “respondeu-lhe que não aceitava o seu oferecimento, porque estava resolvido a não sair de Lisboa sem passaporte450.” Câmara Cascudo fez breve resumo dessa história e nomeou os deputados em fuga: Lino, Feijó, Antonio Carlos, Aguiar, Agostinho Gomes, Silva Bueno e Barata451.

Em 21 de fevereiro de 1823, Pedro de Araújo Lima embarcava rumo Inglaterra. Aos 30 de abril do mesmo ano já estava no Rio de Janeiro, apresentado a Pedro I. Sendo eleito como deputado à Constituinte brasileira, foi admitido na assembleia aos 2 de maio de 1823452. Da mesma forma feita nas Cortes de Lisboa, falou pouco. Entretanto, deixou as marcas dos passos nas discussões. Na sessão de 24 de setembro de 1823, dizia não achar necessária a inclusão da palavra “cidadão” ao lado de brasileiros, “porque tais considero a todos os que pertencem a nossa sociedade”. Assim, “quando se diz Brasileiro, Inglês, Francês, em sentido jurídico; não quer marcar com isso o lugar de nascimento, nem o lugar da habitação, mas sim a sociedade de que se é Membro”. Para ele, todo aquele que se naturaliza é cidadão. Mas, advertia: “é verdade que nem todos tem igual habilidade para desempenharem os Ofícios da sociedade, porque a natureza não deu a todos iguais talentos453”. Entretanto, dava aos seus aliados comerciantes de carne humana, de origem portuguesa, o direito de continuarem com seus status de brasileiros, já que faziam parte da sociedade brasileira.

Era, ainda, na sessão do dia 25 de junho de 1823, que Pedro de Araújo Lima defenderia os seus amigos portugueses. Colocando-se como “nascido entre Brasileiros, filho de Brasileiros, Brasileiro eu mesmo454”, dizia: “Aqueles, que mudada a forma de governo, continuam a residir no mesmo país sem lhe fazer oposição, pelo contrário procuram a proteção das leis, tem dado por isso toda a prova, de que querem continuar a ser membros da mesma

449 MELLO MORAES, Alexandre José de. História do Brasil-Reino e do Brasil-Império. Tomo 2. Belo

Horizonte: Itatiaia, 1982, p. 279.

450 Idem, p. 280.

451 CAMARA CASCUDO, Luiz da. O Marquez de Olinda e seu tempo (1793 – 1870). Op.cit., p. 59.

452 IHGB. Arquivo Marquês de Olinda. Lata 211 Pasta 4. Papéis referentes a vida de Pedro de Araújo Lima –

Anotações do seu pai Manoel de Araújo Lima.

453 Diário da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil – 1823 – Tomo III. Brasília:

Senado Federal, 2003, pp. 105 – 106.

454 Diário da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil – 1823 – Tomo I. Brasília:

família455”. E ainda mais: “Portanto não só são cidadãos os naturais de Portugal residentes no Brasil no tempo da declaração da sua independência, mas também estão em exercício de seus direitos456.” E para deixar ainda mais clara a sua posição, dizia: “[...] os naturais de Portugal residentes no Brasil, são cidadãos Brasileiros, eles não podem ser privados deste direito se não por crime, e por uma sentença que o declare [...]457.” Era assim, com defesas no parlamento, que Araújo Lima pagava as dívidas com os traficantes portugueses, que o ajudavam na imensa malha de transformar açúcar em dinheiro e escravos.

Aos 12 de novembro de 1823, Pedro I dissolveu a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa458. E, logo após, no dia 14, Pedro de Araújo Lima assumiu a pasta ministerial do Império. Pedindo retirada, era substituído ao dia 17459. O clima era de desconfiança com o Imperador. Juntar-se a ele, naquele momento, poderia ser um passo errado na trajetória política do jovem Pedro de Araújo Lima, então com 30 anos. Colocou para o imperante ser inexperiente, moço e que “desconhecia a engrenagem administrativa”, como indicou Cascudo460. Entretanto, ser lembrado e assumir a pasta demonstrava: os laços atados pelos nós da ampla teia dos Araújo Lima chegavam até Pedro I. Havia uma forte coalisão de gente por elos soldados em Araújo Lima: respondia por um grupo.

Mesmo que Pedro de Araújo Lima, aí, já surja como político de projeção nacional, as amarras paternas não desvencilhavam o jovem da sua casa. Além das dívidas e favores com Bento José da Costa e aliados, Manoel de Araújo Lima ainda provia a residência filial com escravos. Ao menos em 18 de agosto de 1823, mandava o “preto Antonio Cozinheiro”, para o Rio de Janeiro, a Pedro, sendo embarcado no Recife. No dia 24 de novembro do mesmo ano, mandava mais “2 pretos”: “foi Inoque e o moleque João”. Parece que esses dois retornaram para Manoel de Araújo Lima em 2 de fevereiro de 1824461. Em abril, Pedro de Araújo Lima partia para a Europa. Deixava o Brasil em momento de convulsão política, com o Imperador dizendo que a Assembleia Constituinte havia “perjurado ao tão solene juramento, que prestou à Nação, de defender a integridade do Império, sua Independência e a Minha dinastia”,

455 Diário da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil – 1823 – Tomo I. Op. cit., p.

288., p. 289.

456 Idem, p. 291. 457 Ibidem, p. 292.

458 Organizações e Programas Ministeriais. – Regime Parlamentar no Império. Brasília: Departamento de

Documentação e Divulgação, 1979, p. 10.

459 Idem, p. 9.

460 CAMARA CASCUDO, Luiz da. O Marquez de Olinda e seu tempo (1793 – 1870). Op.cit., p. 84.

461 IHGB. Arquivo Marquês de Olinda. Lata 211 Pasta 4. Papéis referentes a vida de Pedro de Araújo Lima –

dissolvendo este grupo e convocando um outro, ainda em 1823462. D. Pedro I outorgaria a constituição brasileira ao dar início o ano de 1824, incluindo, nela, o “poder moderador”, exercido pelo Imperador. Em uma coisa a nova constituição irmanava com as ideias de Pedro de Araújo Lima: os portugueses aderentes à causa do Brasil, na independência, seriam considerados brasileiros463.

3.3 ENTRE A EUROPA E O BRASIL, A VIDA E OS NÓS ACONTECEM E SE FAZEM