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Dona Luiza Bernarda de Figueiredo: Mulher que Caminha nos Salões

3 ENTRE TRAFICANTES, POLÍTICOS E BACHARÉIS: AMIZADE, FAMÍLIA

3.5 AUMENTANDO OS ELOS: A FAMÍLIA DE PEDRO DE ARAÚJO LIMA E LUÍZA

3.5.1 Dona Luiza Bernarda de Figueiredo: Mulher que Caminha nos Salões

Quando Heitor Lyra escreveu a monumental biografia de D. Pedro II, em três extensos volumes, não esqueceu a figura de Pedro de Araújo Lima. Colocou ser, o salão da residência do político pernambucano, austero e formalista590. Era essa a impressão que passava o homem e sua casa: sérios, fechados, arrogantes, sem afeto. A fama pode ser verdadeira: nos jornais, quase nunca, sua figura aparece em festas ou saudações ao Imperador e a Imperatriz, no Paço. Por inverso, a esposa, Dona Luíza Bernarda, e a filha, Luíza Bebiana, faziam o papel social de Araújo Lima, de andar pelas vielas e corredores do Paço e dos salões, agradando as vistas dos homens e mulheres – importantes – do Império do Brasil.

Antes de prosseguirmos revelando partes da atuação da esposa de Pedro de Araújo Lima, é necessário lembrar: em 1841 ele recebia o título de Visconde de Olinda; e em 1854 o de

587 MAMIGONIAN, Beatriz. Africanos Livres. Op.cit., pp. 97 – 98. 588 Idem, p. 122.

589SOUZA LEÃO, Joaquim de. O Marquês de Olinda. Op.cit., pp. 13 – 14.

Marquês do mesmo nome591. Desta forma, tomou-se por costume chamar D. Luíza Bernarda acompanhando os títulos do marido: Viscondessa e Marquesa de Olinda. Assim como a filha foi chamada de Baronesa de Piracinunga, podendo seu nome aparecer, nos jornais, com a grafia aqui apresentada, ou Pirassinunga e até Pirassununga.

Quem para com a intenção de observar as páginas do periódico “Correio Mercantil”, do Rio de Janeiro, encontrará, ali, como em outros jornais, as partes de quem cumprimentou o Imperador e a Imperatriz na semana anterior. Entre as décadas de 1850 e 1860, os nomes de Viscondessa ou Marquesa de Olinda são abundantes. O mais interessante: em meio à multidão de títulos nobiliárquicos masculinos, surge os da Marquesa de Olinda, sem o esposo e em companhia da filha592.

Parece que essas andanças e cumprimentos todos possuíam objetivos muito específicos e particulares. Talvez, barganhasse alguns pedidos e favores para os seus protegidos, diretamente às Majestades. Certo é que ela recorria aos deputados e senadores em seus projetos. Ao menos em 27 de setembro de 1843, o deputado Ferraz deixa isso bem claro, em discurso na câmara dos deputados gerais593. Onde o esposo não batia à porta, quem ia, era ela. Devia ter bastante influência entre os políticos: era filha de um desembargador e esposa de Pedro de Araújo Lima. Sua voz era escutada em vários recintos. E mais: ela era bastante interessada em política. Em 1861, quando o Gabinete conservador de Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, perigava frente ao parlamento, o periódico “O Regenerador” indicava: “A questão ministerial atraiu hoje à câmara grande número de curiosos, e até a Exma. Sra. Marquesa de Olinda entendeu [que] deve ir assistir ao espetáculo, que esperava seria interessante594.” Ela andava por todos os espaços. Fazia política. Era uma mulher política.

Na verdade, é possível que a Marquesa de Olinda fosse uma mulher muito bem articulada. Seus elos, laços, eram certeiros, e, para o investigador que se depara com a sua figura, entende ter, ela, lugar essencial na ascensão política do marido. Enquanto Pedro de Araújo Lima era odiado por uns, ela era querida. Ao menos J.S.B. Accioli a oferecia uma valsa para piano, vendida por 500 réis595.

591 SISSON, S.A. Galeria do brasileiros ilustres. Volume 1. Brasília: Senado Federal, 1999, p. 71.

592 Alguns exemplos para a década de 1850: HEMEROTECA DIGITAL. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 1 de

novembro de 1852. N° 305; HEMEROTECA DIGITAL. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 26 de novembro de 1855. N° 326, HEMEROTECA DIGITAL. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 11 de maio de 1857. N° 128; HEMEROTECA DIGITAL. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 5 de julho de 1858. N° 180. Para a década de 1860, no mesmo jornal, há várias indicações do mesmo tipo

593 HEMEROTECA DIGITAL. Annais do Parlamento Brazileiro. Camara dos Srs. Deputados. Segundo Anno

da Quinta Legislatura. Segunda Sessão de 1843. Tomo Terceiro. Rio de Janeiro: Typographia da Viúva Pinto

& Filho, 1883, p. 253.

594 HEMEROTECA DIGITAL. O Regenerador. Rio de Janeiro, 11 de julho de 1861. Nº 71.

Se a Marquesa aparece dando vistas em tantos aposentos da Corte, ela se colocava como mulher importante naquela sociedade do Oitocentos brasileiro. Não era apenas a esposa de Pedro de Araújo Lima; mas, a presidente da “Associação Caridosa das Senhoras desta Corte”, ou “Sociedade Auxiliadora da Caridade” ao menos desde 1855596. A associação de caridade estava sob os auspícios da Imperatriz e reunia gente importante, como a filha do Visconde de Maranguape, Maria Eugenia Guedes Pinto597.

Foi em 1858, depois de uma apresentação, com rendimentos revertidos para a caridade, que um redator publicou carta particular no “Correio Mercantil”. Naquele texto, aparecia a Imperatriz como “anjo protetor que vela pelos infelizes”, dando o status de “filhos adotivos”, aos pobres beneficiados pela associação. Entretanto, à Marquesa de Olinda ficava a “imorredoura glória de dirigir os sacrossantos esforços de tão pia instituição”. O missivista não parava as bajulações nesses êxtases exagerados. Jogaria algumas pétalas, também ao marido da Marquesa: “O nome Olinda, meu amigo, figura há tempo, e jamais será olvidado nos fastos de nossa história.” E definia, um frente ao outro, o casal: “Enquanto um Marquês de Olinda maneja o leme da nau brasílica pela RAZÃO, sua esposa, uma Marquesa de Olinda, pelo CORAÇÃO mitiga os sofrimentos do povo598.” Ou seja: ela era a brandura e afabilidade inexistentes no carrancudo Pedro de Araújo Lima. Como vimos, se a casa e a face do político pernambucano se confundiam, num misto de dureza e frieza, a esposa dava, ao que parece, cor e leveza aos atos do casal. O escritor ainda diz mais algumas coisas sobre ambos, procurando palavras para explicar os complementos das atitudes: “O estadista profunda as vezes as chagas para arrancar- lhe o cancro; - sua consorte tenta as feridas derramando-lhe bálsamo e consolação”. E mais: nesse misto de busca pela memória, do ser lembrado no futuro, para a publicação, Pedro de Araújo Lima era a probidade; e a esposa, o “símbolo da caridade599”.

Se Pedro de Araújo Lima falecia em 1870, no outro ano, aos 21 de setembro, a filha, Baronesa de Piracinunga convidava as associadas para reunião em sua casa, à rua de São Cristóvão, nº 105. O assunto era o adoecimento materno, que a impossibilitava de continuar como presidente da associação, e “cujos negócios desde que caiu enferma deixaram de correr com sua responsabilidade.” Como não apareceu ninguém ao compromisso, exceto uma das diretoras, publicava a notícia de que sua mãe, a Marquesa de Olinda, era “inteiramente alheia

596 HEMEROTECA DIGITAL. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 25 de novembro de 1855. N° 325. 597 HEMEROTECA DIGITAL. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 7 de dezembro de 1856. Nº 336.

598 HEMEROTECA DIGITAL. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 22 de julho de 1858. N° 197. Os grifos estão

no original.

aos negócios da referida associação600.” Talvez, o que tenha acontecido é: doente e viúva, não fazia mais sentido o seu papel político. O esposo, que necessitava daquela presença na sociedade Imperial, já havia morrido.

Nessa história, não é só da associação de caridade que vive a Marquesa de Olinda. Já vimos os passos dados na Câmara dos Deputados, no palácio do Imperador, mas, também, frequentava festas, mesmo depois de falecido Pedro de Araújo Lima601. Antes de 1870, ela também aparece noticiada participando de casamentos. Em 1854, quando casou Pedro de Oliveira Coelho, oficial da secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, com Maria Augusta de Alcântara, os padrinhos seriam Nabuco de Araújo (então Ministro da Justiça), Francisco de Paula Pereira Duarte (presidente do Supremo Tribunal de Justiça) e as madrinhas a esposa de Nabuco de Araújo e a Marquesa de Olinda602. Ou seja: Pedro de Araújo Lima não tomava destaque na celebração; mas, a filha do desembargador aparecia como madrinha, ligando o nubente ao pai da Marquesa: talvez, uma forma de homenageá-lo e de criar laços mais estreito com a casa dos Olindas. Em 1857, o mesmo se dava, em novo enlace matrimonial603. E para não nos estendermos mais falando em casamentos, ao menos em um, Pedro de Araújo Lima aparecia: o de D. Maria Eugênia Guedes Pinto, no ano de 1861.

Dona Maria Eugênia Guedes Pinto era filha de Caetano Maria Lopes Gama, o Visconde de Maranguape: o quase-sempre presente ministro dos ministérios de Pedro de Araújo Lima, desde a regência. Ela já havia sido casada com José Guedes Pinto, neto de Manoel Velho da Silva. Diz Batista: a família Velho possuía uma vasta riqueza, produzida através do tráfico de escravos, estando seus familiares entre os 16 maiores traficantes do Rio de Janeiro entre 1811 e 1830604. Assim, Lopes Gama conseguiu casar muito bem a filha no seio da sociedade escravocrata do Rio de Janeiro, gerando largo cabedal e poder para ele mesmo. Os casamentos e ajuntamentos faziam parte dessa estratégia do inserir-se e aumentar o poderio. Entretanto, o primeiro marido de Dona Mariquinhas Guedes, como era conhecida, falecia em 1855, deixando esposa que chamava a atenção de D. Pedro II em seus flertes de salões e festas605.

A festividade deve ter sido aclamada: o casamento foi celebrado em rito misto, católico e protestante, em casa do Visconde de Maranguape. Marquinhas Guedes se casou com o sr.

600 HEMEROTECA DIGITAL. Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 21 de setembro de 1871. Nº 261. 601 HEMEROTECA DIGITAL. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 7 de março de 1871. N° 65.

602 HEMEROTECA DIGITAL. Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 1° de março de 1854. Nº 60. 603 HEMEROTECA DIGITAL. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 14 de março de 1857. Nº 72.

604 BATISTA, Henrique Sérgio de Araújo. Jardim regado com lágrimas de saudade. Morte e cultura visual na

Venerável Ordem Terceira dos Mínimos de São Francisco de Paula (Rio de Janeiro, século XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2011, p. 193.

Williams Jones. Segundo o “Correio Mercantil”, as testemunhas por parte da noiva foram: Euzébio de Queiroz, Marquês (Pedro de Araújo Lima) e Marquesa de Olinda. O noivo seria acolhido por Souto, o banqueiro, o Conselheiro Sá e Albuquerque e Dona Constança Paiva Lopes Gama606. Era um evento importante. Pedro de Araújo Lima ia com a esposa fortalecer os laços com o pai da noiva, um político pernambucano. E, claro: a Marquesa de Olinda fazia o papel de caminhar e ser a outra face do marido carrancudo.

Outro exemplo curioso nessas andanças da Marquesa de Olinda é o batizado de um protestante de nação prussiana, casado com católica, que se converteu ao catolicismo e assumiu o nome de Pedro, que deve ter sido alusão ao cabeça da Igreja que o recebia. Os padrinhos foram Zacharias de Góes, o ministro da década de 1860, e a Marquesa de Olinda. Entretanto, ela seria representada por sua filha, a Baronesa de Piracinunga. Se nessa celebração, a Marquesa enviava a filha, Pedro de Araújo Lima assistia ao ofício religioso como testemunha607. Se um dos membros da dupla não poderia ir, o outro, forçosamente comparecia. Os momentos de sociabilidades atavam e reconstruíam os nós, laços, que deveriam ser reforçados e criados constantemente.

Parece que a Marquesa de Olinda também conhecia as atividades financeiras de Pedro de Araújo Lima. Poderia, até, participar de algumas transações feitas pelo marido. Era, já, público e bem sabido, em 1866: Pedro de Araújo Lima investia seu dinheiro na Inglaterra. O deputado Godoy diria na Câmara: “O Sr. Marquês de Olinda, grande capitalista do banco de Inglaterra, pois que neste país nenhum estabelecimento lhe merece confiança [...]608.” As missivas da década de 1830, como veremos mais adiante, também comprovam isso. No ano seguinte à morte do marido, 1871, o “Diário do Rio de Janeiro” publicou anúncio um tanto curioso, na parte de “Importação”: teria vindo da Inglaterra, à Marquesa de Olinda, “moeda”: 3,297 libras esterlinas609: os investimentos do marido retornavam para as mãos da Marquesa, que, possivelmente, doente, preferia manter o dinheiro mais próximo; ou, até, fizesse parte da partilha do inventário do falecido. Pouco depois, aos 13 de novembro de 1873, era ela quem desaparecia da vida610, deixando uma sucessão de gente importante, titulada, no Oitocentos brasileiro.

606 HEMEROTECA DIGITAL. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 2 de junho de 1861. N° 150. 607 HEMEROTECA DIGITAL. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 10 de outubro de 1865. N° 276.

608 HEMEROTECA DIGITAL. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Srs Deputados. Quarto Anno

da Duodécima Legislatura. Sessão de 1866. Tomo 4. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Constitucional de

J. Villeneuve & C., 1866, p. 227.

609 HEMEROTECA DIGITAL. Diario do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1871. N° 4. 610 HEMEROTECA DIGITAL. Diario do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 14 de novembro de 1873. Nº 313.