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Com relação às consequências negativas

7 Resultados e Discussão

7.3 Análise das mensagens

7.3.3 Como descreve: comportamento

7.3.3.4 Com relação às consequências negativas

Neste item, 140 sujeitos relataram que sofrem consequências negativas pelo excesso de uso da internet. Essas consequências negativas foram agrupadas da seguinte forma:

Consequências negativas Definição

Prejuízo no trabalho Os sujeitos relatam queda na produtividade, incapacidade de não acessarem material impróprio no local de trabalho, procrastinação de tarefas, perda de prazos e compromissos, atrasos em reuniões e compromissos.

Comprometimento social Evitam situações sociais que demandam encontro face a face, preferem ficar no computador a ir a eventos sociais, preferência por comunicação exclusivamente virtual.

Prejuízo nos estudos Queda na produtividade, procrastinação de tarefas escolares, perda de prazos de entregas de trabalhos, atraso nas aulas, notas baixas, faltas frequentes.

Conflitos conjugais Conflitos com o parceiro conjugal por excesso do uso; o outro parceiro sente que está excluído das atividades online do sujeito, ou não concorda com elas. Também não concorda com o tempo excessivo gasto no computador.

Conflitos familiares Conflitos familiares que incluem pais, mães e filhos, por conta do excesso de uso. Há conflitos, pois os pais querem limitar o uso do filho/a; discordam do tipo de utilização do computador.

Descuido consigo mesmo Falta de cuidado consigo mesmo, tais como deixar de se alimentar, tomar banho, dormir adequadamente.

Negligência da rotina doméstica O sujeito deixa de fazer as tarefas domésticas habituais que são necessárias à manutenção da casa, tais como cozinhar, lavar a roupa, fazer atividades combinadas com outros integrantes da família. Alterações Psicológicas Sensação ou sentimento de que o excesso de uso fez alguma

mudança de cunho psicológico e que está prejudicando o sujeito. Descuido com dependentes Falta de cuidado com dependentes, especialmente filhos. Deixar de

alimentar as crianças, trocar fraldas, deixa-las sem supervisão, esquecer-se de buscá-las em algum lugar.

Os 140 sujeitos se distribuem nessas categorias da seguinte forma (cada sujeito pode ter informado mais de uma consequência negativa):

Consequências Negativas

Prejuízo no trabalho 48

Comprometimento social 46

Prejuízo nos estudos 43

Conflitos conjugais 27

Conflitos familiares 26

Descuido consigo mesmo 18

Negligência da rotina doméstica 8

Alterações Psicológicas 3

Descuido com dependentes 3

Tabela 19- Distribuição da amostra informada nas categorias das consequências negativas

As consequências negativas são a linha divisória do que se considera como UPI do que não é. Vemos que 74% da amostra (n-189) relata algum tipo de problema ou prejuízo relacionado ao excesso de uso. Esses dados parecem sugerir que boa parte da amostra de fato poderia ser classificada como usuária patológica, caso se aplicassem os critérios diagnósticos. Essas consequências descritas são a principal forma de mostrar o sofrimento pelo qual passam esses sujeitos. Como será visto nos exemplos abaixo, o excesso de uso acarreta diversos problemas. A consequência negativa mais relatada são os prejuízos no trabalho:

Bom, eu preciso realmente de ajuda. Eu não consigo fazer meu trabalho, só fico na internet e me disperso completamente. E eu tenho prazos, vou acabar destruindo o futuro brilhante que eu posso ter pela frente. Meu problema é o Orkut. (suj.99)

No trabalho a maior parte do tempo eu passava distraida na internet. E a noite quando chegava em casa ficava na internet até a hora de ir dormir. Na minha primeira avaliação me falaram que eu deveria me controlar mais quanto ao uso da internet, mas me promoveram. De manhã eu saía na cabeça fazendo promessas a mim mesma que não entraria na internet. Pois nenhuma das vezes consegui. Era sentar na frente do computador e e batia uma ansiedade, uma agonia inexplicavel. Em dezembro pedi a conta, pois não achava justo engana-los dessa forma, eu estava me sentindo muito mal com essa situação. Foi onde comecei a trabalhar no escritorio de contabilidade da minha mãe. Então eu caí de vez. Passava o dia todo na frente do msn. Maldito! Dois meses depois minha mãe me demitiu por justa causa. Minha própria mãe! Mas não acaba ai. Comecei a trabalhar em outro escritório. Todo dia de manhã eu conversava comigo mesmo "eu não vou entrar no msn"... Entrava todos os dias. Um mes depois pedi a conta. Minhas chefes disseram que no dia seguinte iam chamar o tecnico pra bloquear a internet no meu computador. ainda bem que não passei por esse constrangimento. (suj.62)

No caso 62 vemos como o problema persiste, mesmo após vários empregos que o sujeito passa. A compulsão de usar o computador parece ser irresistível e é maior do que a força de vontade do sujeito.

O comprometimento social, também bastante citado, aparece de muitas formas. Em especial, os sujeitos começam a fazer uma substituição da vida offline pela vida virtual.

Muitas foram as vezes em que eu deixei de ir a algum lugar, casa de amigos ou ate parentes, ou fazer trbalho da facul por causa do sentimento de que "estou perdendo alguma coisa" se nao uso a internet. Muitos perguntavam porque eu fazia isso e eu nao sabia dizer, criando ainda mais medo de me socializar e me afastando dos meu amigos. (suj. 124)

O terceiro item mais citado é o prejuízo nos estudos. Uma parte considerável da amostra que informa os dados sobre a idade é jovem, então é esperado que existissem complicações nos estudos, uma vez que 34 sujeitos declaram ser estudantes.

É comum que perca muito tempo zapeando em sites, inclusive em meio a uma pesquisa, ou um trabalho que esteja digitando, e eventualmente atraso o término por conta disso. Também durmo tarde por conta disso, o que contribui indiretamente (talvez diretamente) para atrasos ou faltas em aulas pela manhã. (suj. 113)

Os conflitos conjugais e familiares também são bastante citados. Em ambos os casos, há o conflito pelo excesso do uso:

Sou casado a 3 anos e mesmo depois do casamento não consegui me "livrar" das minhas amigas virtuais.Ja tive problemas com minha esposa por este motivo, ela me pegou tendo sexo virtual e brigou muito, muito comigo. Por conta disso eu tenho um MSN que ela não sabe que existe, ou seja minto pra ela pra poder conversar com minhas amigas. Antes ela brigava comigo quase todos os dias, ela acha que não dou atenção e fico só nos “joguinhos”. Sinto que nosso relacionamento mudou muito depois que colocamos internet lá e casa, eu entro em sites de jogos on line e acabo conhecendo mulheres que tambem são casadas, assim a gente troca os MSNs e a conversa continua... (suj. 176)

Durante o dia, tenho completo acesso a internet pois meus pais fazem assinatura de TV e internet a cabo. Quando não estou na internet, estou vendo tv ou me ocupando com coisas diversas, tipo ajudando minha mãe...etc...O tempo que passo conectado varia muito, mas se deixar sou capaz de passar mais de 5 horas...muitas vezes minha mãe tem que me tirar do computador, ela faz pressão verbal mesmo...nunca chegamos ao confronto fisico digamos assim...são raros os momentos que passo pouco tempo e saio por livre e espontanea vontade. (suj.149)

Outro ponto interessante de notar é qual a experiência que o cônjuge ou a família tem com relação a internet. Os familiares tendem a julgar a experiência do sujeito pelo seu próprio uso. Caso estes não se utilizem muito do computador, ficam extremamente incomodados pois se sentem abandonados, uma vez que o dependente privilegia outros relacionamentos (virtuais) ao invés dos já constituídos. Contrapondo-se a outros casos, quando a família não é usuária, 3

horas pode-se constituir em um uso abusivo, ao passo que se a família também usa muito o computador, um uso excessivo ou patológico pode passar despercebido. Ainda sobre o caso 139, vemos a menção de confronto físico, tamanho conflito que aparece entre o sujeito e a mãe. O sujeito sente que não consegue limitar-se e sempre é limitado pela mãe.

O descuido consigo mesmo e o descuido com dependentes parece ser uma das consequências mais graves do UPI. Os sujeitos colocam em risco a si mesmos e a outras pessoas, especialmente filhos menores, por conta do computador. Felizmente, o descuido com crianças é uma das consequências menos citadas.

Já a algum tempo venho deixando de fazer minhas tarefas e cuidar de meus filhos por vicio a internet e bate- papo. Sou casada tenho 3 filhos...Tenho 28 anos.Tenho picos deste vicio... depois volto a vida normal. Teve uma epoca que deixei de fazer comida para meus filhos, dar banho troca-los etc etc etc Hoje moro em uma cidade do interior distante da capital... meu marido trabalha lá e nos vemos aos fim de semana... moro perto da minha familia.Preciso de ajuda pois estou sentindo que este vicio está voltando e já tenho deixado de fazer tarefas importantes e preferido ficar no computador. (suj. 152)

agora no mes 8 eu fiz um orkut pra mim, para piorar + ainda a situação, comprei um pc para mim, se tornou uma coisa tao duentil que eu acordava e ia direto ligar o pc, olhar quem tava on no msn, ver o orkut de todos que eu conhecia..depois de ficar horas e horas ai eu ia escovar os dentes comer algo rapido e voltar na net... fiquei sem comer muitas veses pra poder ficar no PC. Eu emagreci alguns kilos, fiquei neurotica, fiz a internet virar a minha vida, mais eu tava ficando tao insuportavel, que resolvi parar, soh entrar aos sabados, mas sou fraca, e por mais que eu tente euu nao consigo mais parar, a internet se tornou o tudo da minha vida, nao sei mais o q fazer ! (suj. 48)

No caso 48, a falta de cuidado consigo mesma implica em pular refeições, ficar sem comer, chegando a usuária a emagrecer. Também existem usuários que, assim como no caso 152, além de se descuidarem dos menores, negligenciam a rotina doméstica (fazer comida, etc). Apesar de citadas poucas vezes, as alterações psicológicas são um relato muito interessante por parte dos sujeitos. Estes relatam que acreditam que o excesso do uso da internet os deixou com “alterações psicológicas”:

a experiência com os chats fez com que emergissem facetas diferentes e traços de personalidade que mal imaginava. Reforçaram algumas tendências comportamentais e / muito do que faço é pautado por essas vivências no chat. Minha vida interior, creio, está comprometida por causa das minhas experiências na internet. (suj. 12)

Doutora,gostaria de saber algumas coisas. 1-O mundo virtual pode se tornar o mundo real em alucinações para uma pessoa viciada? Tenho me sentido assim. 2- Quando uma pessoa pode ser considerada viciada? Eu me acho. Bem é isso. Eu jogo mais ou menos umas 9 nos fins de semana e 6 durante a semana.. Tchau. Obrigado - (suj.25)

JOVIÆ e ÐINÐIÆ (2011) sugerem que essas alterações psicológicas podem estar relacionadas a sintomas de abstinência, mas, em ambos os casos, é impossível saber se essas descrições de fato são produto do uso excessivo ou se o sujeito já tinha traços psicóticos anteriores (alucinações e tendências comportamentais). Contudo, é visível que a internet traz à tona esses conteúdos. No caso 25 o sujeito refere-se ao excesso do jogo de MMORPG. É difícil inclusive a compreensão do que está escrito, mas parece que o sujeito alucina na realidade com os conteúdos presentes no jogo. Já no caso 12, parece que os chats fizeram emergir facetas da personalidade antes desconhecidas.

De forma geral, as consequências negativas parecem estar em consonância com o que foi apontado por Sanchez-Carbonell, Beranuy et al. (2008); Zboralski,Orzechowska , Talarowska et al. (2009) Tao, Huang et al.(2010) e Griffits (2000; 2001; 2005). Também como apontam JOVIÆ e ÐINÐIÆ (2011), a gravidade do UPI se mostra pelo fato de os sujeitos continuarem utilizando a internet, apesar da consciência dos contínuos problemas causados pelo excesso de uso.