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5 O fenômeno da dependência pela Psicologia Analítica

5.1.3 O dinamismo matriarcal

Silveira (1995) entende que não há uma especificidade estrutural do dependente de fármacos, entendendo a questão não como uma doença, mas sim como uma conduta. Considera o dependente como alguém que vive uma realidade objetiva/ subjetiva insuportável. A droga torna-se assim a única possibilidade de alterar sua percepção de realidade. A relação de dependência se estabelece não do desejo de consumir substâncias, mas sim da inabilidade em não consumi-las. A dependência acaba virando a única referência estável e perene, da qual o sujeito não pode prescindir, na medida em que isto fica configurado como uma única lei possível.

Silveira diz que o dependente, por falta de uma estruturação patriarcal, é impulsionado para um universo matriarcal. Segundo o autor, com frequência nos relatos dos dependentes há a existência de uma mãe ambivalente, ao mesmo tempo superprotetora e abandonadora e um pai que abdica de seu papel, descrito como ausente ou impotente. A noção de tempo não é lógica e linear, mas sim centrada na instantaneidade.

A droga, para o dependente, o deixa em devaneio, protegendo-o da mediocridade do cotidiano; não se tratam de indivíduos com capacidade imaginativa extremamente fecunda, mas sim há um imaginário que toma a realidade e é vivenciado pelo indivíduo como tal. Na dinâmica de diversos dependentes de drogas, a fantasia seria vivida e procurada através da droga como uma realidade em si mesma, como uma “alucinação do real”, devido à ausência da capacidade de simbolização.

Tratar-se-iam de alucinações na medida em que as imagens e representações psíquicas, na ausência de simbolização, seriam experienciadas como exteriores ao eu, não podendo portanto serem abstraídas na forma de ideação. Dada sua dificuldade em elaborar o simbólico, o dependente viveria em um mundo governado pelos princípios mágicos. Uma vez que para o referencial arquetípico o mundo mágico é de forma similar simbólico, preferimos considerar o dependente como alguém possuído e escravizado pelo símbolo e, consequentemente, paralisado para a elaboração simbólica. (SILVEIRA, 1995, p. 33)

Silveira ainda aponta que o uso de drogas é um símbolo de algo que se manifesta na consciência, entendendo que a patologia seria a impossibilidade de viver o simbólico criativamente.

Oliveira (2004), citando Maxance, diz que o sonho do dependente é voltar a um estado original, como a androginia primitiva. O dependente grita, de certa forma, a ruptura com a Grande Mãe. São indivíduos que não toleram a falta e a abstinência; é como se fosse impossível o reconhecimento da mãe como objeto separado, havendo uma ligação que impede o movimento da libido. Parece haver faltado, ao dependente, a separação estruturante da mãe e a droga é uma tentativa de repetição deste processo.

A autora, baseada no trabalho de Galiás, diz que haveria uma dificuldade na estruturação dos papéis relacionados ao arquétipo da Grande Mãe e ao arquétipo do Pai. Se os papéis de Filho Materno (FM) e Filho Paterno (FP) tiverem sido bem estruturados, o jovem tem condições de experimentar a droga sem desenvolver dependência, uma vez que Logos e Eros estão integrados, havendo coexistência entre lei e prazer. Se os papéis não estão bem estruturados, o risco da dependência é grande. Segundo Oliveira (2004), na dependência de drogas é comum o indivíduo apresentar excesso de confiança associado a dinâmica matriarcal.

Oliveira (2005) é uma das poucas autoras a se referir às dependências não- químicas. Tratando sobre jogo patológico, a autora percebe que há diferenças nos padrões de comportamento entre os dependentes químicos x não-químicos. Os principais motivos apontados pelos dependentes para manter seu comportamento são a solidão, o tempo ocioso, a depressão, carências, fuga de conflitos. Para a autora, os dependentes de jogo constroem um patrimônio baseado na Persona, que se desmorona com o decorrer do tempo. Os jogadores têm ou tiveram sucesso no trabalho, e muitas mulheres passaram grande tempo identificadas com o arquétipo da Grande Mãe.

Ao contrário do uso de drogas, que tem uma questão muitas vezes calcada na adolescência, muitos dependentes comportamentais já são mais velhos e enfrentam outras questões. São sujeitos que se consideram vencedores, mas que não têm condição egóica para sustentar essa condição, pondo a perder tudo o que construíram até então. É a partir disto que existe a possibilidade de transformação e do abandono de papéis estereotipados. Diferente dos usuários de drogas, os jogadores são pessoas que passaram a vida toda dizendo sim aos outros, mas não a si mesmas. A defesa patriarcal é rígida e bem estruturada, mas a ferida matriarcal desses sujeitos é grande. Geralmente de provedores passam a dependentes. São sujeitos que precocemente tiveram que exercer o papel materno sem terem desenvolvido condições para tal.

Perera (1999) faz um paralelo das dependências com o mito da deusa celta Maeve. Maeve é uma figura da mitologia cujo nome significa “aquela que intoxica”. Perera faz uma análise simbólica desta figura, que, ao mesmo tempo que traz o êxtase e a dependência também é capaz de trazer a cura.

Em sua perspectiva, a dependência, seja ela química ou comportamental, parece ser como um espaço transicional, onde o dependente cria um mundo ilusório, um espaço transitório entre a vida real e suas fantasias, para não ter de encarar os problemas.

Os dependentes sentem a relação parental como fria e vazia, tendo medo de aniquilação e de abandono. Haveria uma falha no processo de desenvolvimento, onde a criança não encontra uma relação humana confiável que possa mediar as energias arquetípicas. Ao invés disso, a criança permanece com um desejo desesperado de relacionamento. O dependente não encontra uma forma de internalizar uma relação primária suficiente no relacionamento com o solo arquetípico. A autora também cita o fato de que frequentemente os dependentes são abusados, tornando-se pais substitutos ou figuras sexuais para os cuidadores. Isto impede que a criança possa desenvolver-se como filho, sendo parentificada muito cedo.

O dependente teme re-experenciar o insuportável terror da aniquilação que inundou sua consciência na infância; sofre de uma perda na confiança básica, na conexão adequada com os outros e com seu próprio valor existencial. Assim, o comportamento dependente ou o uso de substâncias seria uma forma de encontrar um meio de dominar o medo. Os dependentes procuram um espaço para um alívio seguro de seus medos de aniquilação e desespero, de depressão e de abandono e da agonia de precisar desesperadamente de uma relação parental quente e aconchegante que não puderam ter na primeira infância. A autora acredita que a dependência serve como um objeto transicional entre o arquétipo materno, a estrutura energética que a autora chama de Maeve e as necessidades da criança. O dependente permanece paralisado na necessidade arquetípica e sem esperança de encontrar preenchimento, exceto na relação de dependência, que lhe serve como objeto de constância. Woodman (2002) também tece algumas considerações sobre os compulsivos a partir da análise do dinamismo matriarcal. A autora refere que se trata de uma confusão entre os papéis do materno negativo e do materno positivo. Nos compulsivos, o sujeito busca incessantemente um prazer que seria proporcionado pela mãe positiva, mas que, ao final das contas, fica sempre subjugado pela mãe negativa. Seria uma relação ambivalente, porque ao mesmo tempo em que o sujeito tenta se nutrir de algo positivo, acaba por se destruir. A autora acredita que estes sentimentos podem se originar na infância, com uma vivência onde a mãe pessoal finge acreditar e apoiar a criança, quando na verdade a desvaloriza e não a aceita. Conforme cita a autora,

Essa ânsia de fazer o que é proibido em geral vem de um relacionamento praticamente vitalício com a mãe negativa que está constantemente julgando. Assim, se "eu" estou fazendo o que quero, é errado e, portanto, devo fazê- lo rápida e sorrateiramente para ser possível desfrutar sem condenações esse prazer. (p.23)

Isso geraria também uma falta de contato com os aspectos femininos, dando um sobrevalor aos processos masculinos e racionais.