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5 O fenômeno da dependência pela Psicologia Analítica

5.1.5 Outras explicações

Hollis (1999) acredita que muitas pessoas procuram evitar estados sombrios e pantanosos da alma, pois eles trazem muito sofrimento. Uma das formas de evitação de confronto com estes estados sombrios são os “vícios”. Os vícios, para o autor, são técnicas de administrar a ansiedade, quer a pessoa esteja ou não consciente de estar ansiosa. Esses comportamentos provocam uma conexão que cura temporariamente uma ferida primordial que todos carregamos; a solidão é substituída pela fusão com um Outro. Segundo o autor, a Roda de Ixion parece ser uma metáfora para os vícios, uma vez que o sujeito encontra-se preso nos mesmos ciclos de comportamento, sem conseguir livrar-se deles. Os vícios seriam técnicas de administrar a ansiedade. A medida que a angústia aumenta, as pessoas podem entregar-se a comportamentos repetitivos que permitem uma conexão; a conexão faz com que a ansiedade recue temporariamente. Entretanto, os efeitos saudáveis da conexão momentânea não persistem e o comportamento precisa ser repetido. Experiências de culpa, vergonha, fracasso seguem-se na repetição do comportamento.

Hollis entende que todo sintoma é prospectivo, e nesse sentido procura compreender qual a tarefa desse estado sombrio: deve-se correr o risco de suportar o insuportável, que frequentemente está projetado sobre uma pessoa, uma substância ou um comportamento. É preciso lembrar qual idéia foi encurralada no passado e que gera os comportamentos de defesa. É necessário “suportar o insuportável, pensar no impensável, sofrer o insofrível, a fim de nos libertarmos” ( p.124).

Estés (1999) faz um paralelo com o conto “Os sapatinhos vermelhos”. A autora compara os processos de dependência e excessos ao conto dos sapatinhos vermelhos, em que uma criança perde seus sapatos feitos a mão por ter sido adotada por uma senhora. Ela fica fixada em recuperá-los de qualquer forma. Mesmo contra a vontade da senhora, a criança compra novos sapatos vermelhos que, sob a magia de um soldado, começam a dançar sozinhos e não param mais, levando a jovem a ter que pedir para que seus pés sejam amputados, pois não aguentava mais dançar.

Estés acredita que o processo da dependência pode ocorrer em mulheres que foram muito reprimidas, submetidas a muitos sacrifícios, mas nenhuma vida resultou disso. São mulheres que se sentem aprisionadas e que podem ter um anseio, uma obsessão ou uma dependência que a autora irá chamar de hambre del alma (fome da alma). Segundo ela, uma alma faminta

anseia para ter de volta sua alma profunda, o que traz um sentimento de fome insaciável- fome por qualquer coisa que a faça sentir viva, que lhe dê sentido ou significado.

O objeto da dependência seria um substituto ilusório para a sensação primitiva de ser livre. A mulher aceitaria qualquer tipo de alimento para a alma, na tentativa de compensar suas perdas anteriores. A privação excessiva que a mulher sofreu pode ter levado a danos nos instintos de reconhecimento dos perigos externos e internos, dos limites, dos excessos, das consequências de seu comportamento. É como se os instintos de luta e fuga fossem reduzidos, impedidos de funcionar adequadamente; como se o centro de saciedade, a identificação de um sabor estranho e os comportamentos de cautela fossem prejudicados, fazendo com que o sujeito se submeta a dependência.

As mulheres nesta condição podem optar por levar uma vida dupla, simulando um comportamento à luz do dia, mas agindo de outro modo assim que têm oportunidade, criando uma oposição entre Persona e Sombra. Entretanto, os aspectos rejeitados conspiram para agir, saindo da Sombra e tornando-se incontroláveis, enquanto a mulher tenta manter uma Persona de boazinha.

Segundo Estés (1999, p.313)

“a dependência começa quando a mulher perde sua vida feita a mão e cheia de significado e passa a ter uma fixação em resgatar de qualquer forma qualquer coisa que lembre essa vida.(...) a armadilha consiste em tentar ficar, levando em conta o lado bom, enquanto procuramos ignorar o lado negativo.”

As mulheres pensam que encontraram uma forma de salvação que pode lhes dar poderes fantásticos ou acalmar seus demônios internos. Os sapatos feitos a mão representariam a alma profunda. A sua perda traz feridas à psique. Como consequência, a psique procura novos sapatos vermelhos que relembrem o antigo, mesmo que estes sejam visivelmente danosos. Moore e Gillette (1991) acreditam que a dependência pode ser um aspecto sombrio do arquétipo do amante. Chamando a este tipo de “viciado”, os autores afirmam que esta seria uma condição da alma masculina bastante ligada a função Sensação. O viciado se perde no oceano dos sentidos: se interessa e se incomoda com sons, cheiros, experiências sensoriais. Também seria dado a comportamentos compulsivos, sejam estes os excessos com a comida, a bebida, o sexo, o fumo ou as drogas.

O viciado sempre estaria procurando alguma coisa, pois nunca se satisfaz com o que encontra. Sempre procurando sensações, ele está atrás do “orgasmo sem fim”, ou o último e contínuo “barato”. O homem possuído pela Sombra do amante viciado tem questões com limites; ele

não quer ser limitado, aliás, nem tolera ser limitado. Os limites se dão entre ele e a mãe, entre o ego e o inconsciente. É necessária a tarefa heróica de separação do ego e do materno, coisa que o viciado não consegue empreender. O que ele precisa é de distância e desapego; precisa estruturar seu masculino, sua disciplina e seus problemas com autoridades. Essa relação com o materno faz com que ele não veja a mulher como um todo para se relacionar e sim apenas suas partes. Muitos desenvolvem extensas coleções de pornografia, pois a mulher é vista apenas como “peitos” e “ bundas”, com os quais ele não tem um relacionamento. Assim, pode desenvolver dependências, perversões e excessos sexuais.

Leonard (1989) acredita que a imagem do vampiro é a melhor para mostrar o que acontece nos processos de dependência: o sujeito se sente drenado de toda a sua energia, e a única atividade possível é a de alimentar a sua compulsão. A autora ainda acredita que a dependência mobiliza imagens arquetípicas: o “amante demoníaco”, que é ao mesmo tempo procurado, idealizado e destrutivo - a própria dependência. O sujeito vira um morto- vivo, sem vida, com a força vital drenada. A dependência parece agir também como um “agiota”, emprestando o “dinheiro” no momento de necessidade para em seguida escravizar o usuário com a cobrança de sua dívida, mobilizando culpa.

O UPI parece carregar muitas semelhanças com as dependências comportamentais. Contudo, como foi visto no capítulo anterior, o UPI pode assumir diversas formas e características, mobilizando diferentes conteúdos. Assim, é provável que cada usuário que faz UPI tenha uma dinâmica própria, no entanto, baseada nos princípios das dependências aqui descritas.