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Neste ensaio, buscamos consolidar a estrutura conceitual em que uma moeda pode ser compreendida no cenário internacional. Definimos o termo internacionalidade como a propriedade de uma moeda ser internacional. Retiramos, assim, uma primeira ambiguidade do termo, que comumente também é empregado para representar o status de uma moeda no cenário internacional, o que, segundo nossa formulação, pode ser representado por uma moeda apresentar um nível de internacionalidade maior que algum determinado valor.

Destacamos que a internacionalidade de uma moeda se manifesta em disversas dimensões, as quais se confundem com as diversas funções que uma moeda pode exercer. Em seguida, dividimos os agentes econômicos em dois grupos: aqueles que estão sujeitos à regulamentação da autoridade emissora da moeda e aqueles que não estão sujeitos a ela. Assim, dissociamos a jurisdição monetária do território estatal, conferindo precisão ao corriqueiro termo internacional. Isto nos permitiu especificar cada dimensão da internacio- nalidade como a percepção dos agentes internacionais de uma moeda lhes exercer uma determinada função, consagrando-se portanto como moeda para eles.

Assim, lidamos com o problema do uso não padronizado e da imprecisão do termo moeda internacional, contribuindo para desfazer esta recorrente questão.

2 A moeda de faturamento do comércio ex-

terior brasileiro

2.1

Introdução

Quaisquer discussões relacionadas ao papel internacional do real (BRL) sofrem constantemente de uma mesma dificuldade: o questionamento preliminar de se resta ao BRL algum papel. Aqui, nós respondemos definitivamente esta questão, permitindo que os debates brasileiros em comércio internacional e utilização de moedas possa ir adiante. Partindo de uma definição em que uma moeda internacional é aquela utilizada além das fronteiras do país emissor, nós registramos que existem agentes que utilizam a moeda brasileira para faturar as operações de comércio exterior.

Nós registramos, pela primeira vez, a descrição do comércio brasileiro de acordo com a moeda que é utilizada para o seu faturamento. Utilizamos a série de 2007 a 2011 da base de dados organizada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Brasileiro (MDIC). Nossa análise nos permite propor novas questões para a integração econômica do Brasil–políticas e analíticas–, enquanto algumas evidências que encontramos divergem de alguns resultados e previsões anteriores registrados na literatura. Deste modo, este estudo preenche uma lacuna nas considerações acerca da economia brasileira e sobre o uso do BRL, além de contribuir com novas evidências para a discussão sobre a utilização internacional das moedas.

A compreensão do papel desempenhado internacionalmente por uma moeda tem relevantes implicações de política. Pesquisadores têm discutido o papel internacional de uma moeda em um amplo espectro: desde a capacidade de obrigar outras economias (KIRSHNER,1995;ANDREWS,2006a) à incapacidade de acesso a mercados internacionais

(EICHENGREEN; HAUSMANN; PANIZZA, 2005; HAUSMANN; PANIZZA,2011). Aqui,

lidamos com o papel internacional de uma moeda como unidade para a definição de preços do comércio, o que está usualmente relacionado à efetividade das políticas macroeconômicas. A escolha da moeda de faturamento é uma das explicações apresentadas para a conexão entre a rigidez de preços e taxa de câmbio destacada porObstfeld e Rogoff(1995) (BETTS;

DEVEREUX, 1996; ENGEL; ROGERS, 2001; BACCHETTA; WINCOOP, 2005). Em

relação ao Brasil, a transmissão da variação cambial para a economia local já chamou alguma atenção (BELAISCH, 2003;CORREA; MINELLA, 2010; NOGUEIRA; MORI; MARÇAL,2013). O mesmo não pode ser dito sobre o faturamento em BRL contudo.

A quase inexistência de discussões relativas a este tema pode ser explicada pela histórica fragilidade da economia brasileira, que pode ser observada nas inúmeras trocas de padrão monetário ocorridas, principalmente na década de 1980. De 1986 a 1993, o Brasil teve cinco diferentes moedas1. A adoção do real em 1994 é um marco das transformações econômicas ocorridas no Brasil, as quais permitem que hoje se amplie o escopo das discussões relacionadas à moeda do país.

As exportações em moeda nacional eram vedadas no Brasil até abril de 20072. No ambiente anterior de escassez de divisas, as receitas de exportação haviam sido a principal fonte de sua obtenção e, portanto, a obrigatoriedade de recebimento em moeda estrangeira foi uma forma de lidar com esta questão. A alteração do ambiente econômico com a decorrente maior disponibilidade de moeda estrangeira permitiu a retirada desta vedação, em um contexto em que as demais barreiras a operações cambiais também foram eliminadas.

Aliada a esta mudança de política, uma outra política afetou o faturamento em BRL durante o período examinado. Em outubro de 2008, Brasil e Argentina lançaram um sistema de pagamentos bilateral, o Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML) que tornou disponível um instrumento financeiro para liquidar o comércio exterior nas moedas locais. Um requisito para a utilização do sistema é, entretanto, que as operações comerciais tenham sido faturadas na moeda do país exportador. Assim, comerciantes que desejam utilizar o sistema de pagamentos foram incentivados a faturar as exportações brasileiras em BR: ou importações brasileiras em pesos argentinos (ARS).

Por causa da história econômica brasileira, quase todas as exportações brasileiras são faturadas em dólares dos Estados Unidos (USD). A participação residual é faturada em outras moedas internacionais. No entanto, constata-se que o BRL é utilizado para faturar o comércio e que seu uso cresceu nove vezes em cinco anos. Nós descrevemos este crescimento para contribuir com a compreensão do real no cenário internacional e para entender o comportamento da moeda de faturamento a partir do ponto de vista de uma moeda não-internacional.

Depois de constatarmos que o BRL é escolhido voluntariamente para faturar algumas operações de comércio, damos um passo adiante em prover uma nova agenda de pesquisa para a moeda brasileira e reportamos achados interessantes advindos dos dados brasileiros, examinando alguns temas atuais em relação à moeda de faturamento. Notamos

1 As moedas brasileiras durante este período foram as seguintes: 1967–86, o cruzeiro novo, renomeado

cruzeiro em 1970 (BRB); 1986–89, o cruzado (BRC); 1989–90, o cruzado novo (BRN); 1990–93, o

cruzeiro (BRE); and 1993–94, o cruzeiro real (BRR) (Banco Central do Brasil,2007).

2 Esta situação foi alterada pela Resolução n12/2007 da Câmara de Comércio Exterior (Camex),

publicada no Diário Oficial da União em 26 abril de 2007, que autorizou que o recebimento das exportações brasileiras pudesse ser realizado em reais.

que a provisão do governo de um instrumento financeiro—o SML—impactou a moeda de faturamento escolhida. Estabelecer esta ligação aumenta a importância de avaliar os padrões de faturamento em reais e confirma a nossa afirmação de que, embora limitado, o papel desempenhado pela BRL no cenário internacional pode contribuir para respostas de um grande conjunto de questões. Ademais, observamos que ser um bem homogêneo não é suficiente para fazer com que seja faturado em uma moeda internacional: o açúcar e o tabaco foram os produtos mais exportados em BRL.Isto contradiz a expectativa habitual de os produtos homogêneos negociados em bolsa no mercado internacional que sejam faturados em uma moeda internacional (MCKINNON, 1979; KRUGMAN,1980b) e aponta para a ocorrência de algum poder de barganha no faturamento (FRIBERG; WILANDER, 2008;ITO et al., 2012;GOLDBERG; TILLE, 2013). Nós também achamos que, no caso brasileiro, a moeda escolhida para faturar não é aquela escolhida para se efetuar o pagamento, como constantemente têm sido observado na literatura (FRIBERG; WILANDER, 2008; ITO et al.,2013; ZHANG, 2014).

Este artigo está dividido em seis seções. Na próxima seção nós revisamos brevemente as discussões em internacionalização da moeda e no uso de moedas veículo. Então, na seção

2.3, nós descrevemos os dados utilizados e nossa metodologia. A seção2.4 descreve em que moedas o comércio brasileiro é faturado. Além da prevalência do dólar americano (USD), nós encontramos que outras moedas internacionais e a moeda local (BRL) são utilizadas. Encontramos ainda que, nas importações, uma pequena proporção do comércio também é faturado em outras moedas não-internacionais. Nesta seção, nós também ressaltamos que a participação do faturamento em BRL cresceu durante o período observado. A seção

2.5 trata com os dados referentes ao faturamento em BRL. Nós descrevemos os principais parceiros e os principais produtos faturados na moeda local. Nesta seção, destacamos que alguns resultados da análise de nossos dados contrastam com resultados anteriores da literatura (empíricos e teóricos). A seção 2.6 apresenta comentários finais.