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Inter-nacional: uma economia de estados

1.2 Internacionalidade e moedas internacionais

1.2.4 Inter-nacional: uma economia de estados

A discussão de por que algumas mercadorias servem como meio de trocas na economia enquanto outras não servem tem acompanhado as discussões sobre o papel da moeda na economia desde seu começo (MENGER, 1892). Quando o debate é levado do campo das moedas para o campo das moedas internacionais, a discussão segue por um caminho diferente. Exceto pela investigação na escolha da moeda de faturamento no comércio internacional, as considerações sobre o cenário internacional focam primeiramente nas decisões dos governos. Algumas destas discussões podem ser exemplificadas como: se um país deve adotar um câmbio fixo ou flutuante; como deve um país gerenciar sua taxa de câmbio; se um país deve impor restrições ao fluxo internacional de capitais; a gestão de dívidas soberanas; a implementação e o gerenciamento de uniões monetárias entre os países.

Em todas estas questões, os estados têm um papel central, atuando como uma unidade econômica fundamental. Ainda que os indivíduos sejam levados em conta, é o estado que é a unidade que desempenha o papel principal, podendo realizar escolhas independentes (soberanas). O raciocínio dominante é baseado em economias inicialmente fechadas que se abrem ao mundo em um momento posterior. Desta forma, o relacionamento entre países e moedas é trazido a um nível quase natural. Enquanto as discussões focadas em estados nacionais permanecem na economia internacional, a questão sobre por que um agente aceitaria uma moeda em lugar de uma outra parece ser mantida em segundo plano. O forte relacionamento existente entre uma moeda e um estado segue então um pressuposto corriqueiro em economia: de que o estado é a unidade principal quando consideradas as interações entre agentes no plano internacional.

Este papel principal desempenhado pelos países se torna claro quando observamos como os principais textos introdutórios apresentam o ambiente internacional em economia.

Kenen (2000) introduz a economia internacional discutindo o conceito de se ter o país como a unidade econômica. Krugman, Obstfeld e Melitz (2012, 3), em seu texto para a graduação, definem que “o assunto da economia internacional [..] consiste das questões levantadas pelos problemas particulares da interação econômica entre estados soberanos” . Salvatore (2009, 13) recorre à “interdependência econômica e financeira entre nações” para destacar o debate da economia internacional. A “relação entre nações” , a relação “entre uma nação e o resto do mundo” e o “bem-estar de um país” são os assuntos que seriam os principais temas. Pugel (2011) recorre à soberania para caracterizar a existência de uma natureza especial relacionada à economia internacional. Atualmente, desde os mais primários contatos com os assuntos econômicos internacionais, o raciocínio econômico é desenhado para considerar os estados como sua unidade natural.

Feenstra (2011, 397) destaca a questão para a qual trazemos atenção quando faz sua introdução ao raciocínio internacional em economia. Ele argumenta que a “economia global surge apenas quando as interconexões entre os países são inteiramente consideradas” . A economia internacional é então pensada a partir da união de economias autocontidas, que, pelo menos, se aproximam do que entendemos por países. Economias que comerci- alizam entre si são, portanto, um segundo estágio a partir de economias autocontidas. Contrariamente a esta visão, nós não apoiamos a ideia que a economia global surge a partir da interconexão entre países. Em sentido oposto, entendemos que a economia global é restringida pelas desconexões causadas pelos países. Assim, a decisão de política tomada por um estado no tradicional binômio moeda-país em nada se distingue de outras distorções introduzidas pelos estados na economia.

Uma crítica comum a este argumento que apoiamos é que, mesmo que estados soberanos sejam mencionados nos textos que referenciamos, os estudos de economias abertas

é suficientemente conceitual e países são apenas a representação de uma economia abstrata. De acordo com este argumento, a teoria econômica é desenvolvida primordialmente de acordo com a lógica de uma economia (um mercado) e esta economia não é necessariamente correspondente a um estado soberano. Entretanto, mesmo que se abstraiam em relação aos estados soberanos, estas economias conceituais são unidades econômicas similares a países. Elas são entendidas como independentes do poder normativo das demais unidades e são capazes de se autorregularem independentemente. Elas são ainda unidades soberanas. Inicialmente, elas são independentes; em seguida, elas interagem com outras unidades igualmente independentes. O campo internacional é, no final das contas, entendido como uma questão de se cruzar fronteiras (APPLEYARD; FIELD, 2013).

A abordagem que seguimos mantém o indivíduo como a principal unidade econô- mica. No entanto, não o considera como sendo naturalmente contido por uma unidade econômica superior—um país, por exemplo. Esta não se trata da mesma abordagem ao incorporarmos microfundamentações à macroecnomia. Quando recorremos a agentes indi- viduais em macroeconomia, eles são geralmente elementos de alguma unidade econômica ou similar.

Aqui consideramos que, em um primeiro momento, os indivíduos existem e perten- cem a um mundo irrestrito—ao conjunto universo. Posteriormente, grupos de indivíduos são restringidos em suas interações de acordo com regras não-econômicas: países. Neste sentido, a interpretação vai além da consideração de micro agentes, mas considera o ambiente de países como uma restrição. O pertencimento a um país, o que parece ser quase natural para a atual civilização ocidental, restringe o indivíduo em muitas dimensões. Uma dimensão destas restrições está na limitação de interações econômicas.

Um agente, uma família, uma país, uma região: como escolhemos o agrupamento unitário que definimos como referência? A escolha de um país na economia internacio- nal nada mais é do que uma opção arbitrária baseada no presente arranjo de estados nacionais.

Assim como o estado soberano tem atualmente um papel principal na economia internacional, o mesmo acontece à relação entre o estado soberano e a moeda. O dinheiro é, entretanto, uma busca dos agentes por uma referência em valor. Os estados não são uma solução natural para a delegação do poder de se escolher a referência; são apenas a opção corrente e comum. “Não há nada especialmente pitoresco em relação a uma economia que não tenha sua própria moeda” (FISCHER, 1982). Um país ter sua própria moeda é uma decisão política.