• Nenhum resultado encontrado

2. A FORMAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS NO ESTADO DO RIO DE

2.4. A COMISSÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS

O ano de 1998 foi marcado também pela criação da Comissão Estadual dos Juizados Especiais e Adjuntos Cíveis e Criminais93, composta por dois desembargadores,

um juiz de direito, um juiz de direito integrante de turma recursal e um juiz de direito em exercício em juizado especial cível ou criminal94. Competia à comissão “planejar, supervisionar e orientar, no plano administrativo, o funcionamento e as diretrizes de todos os juizados especiais e adjuntos do estado”, bem como apresentar relação à

Presidência do Tribunal, “sugerindo a movimentação de magistrados junto aos juizados

especiais”95. De todo modo, a comissão não chegou a funcionar, pelo menos formalmente,

pois foi apenas em 1999 que seus primeiros membros foram nomeados, após novo ato de instituição, que alterou ligeiramente o original para prever três desembargadores e dois juízes em exercício nos juizados especiais, um no âmbito cível e outro no criminal96.Os

primeiro membros da comissão dos juizados foram: (i) o desembargador Thiago Ribas Filho, que havia terminado o seu mandato na presidência do Tribunal de Justiça em fevereiro daquele ano; (ii) o desembargador Sérgio Cavalieri Filho; (iii) o desembargador

93 Apesar de ter sido instituída apenas a partir da reforma administrativa do poder judiciário levada a efeito principalmente durante a gestão do desembargador Miguel Pachá, de 2003 a 2005 (vide Resolução nº 15, do Órgão Especial do TJERJ, de 8 de dezembro de 2003, posteriormente consolidada por meio da Resolução nº 6, do Órgão Especial do TJERJ, de 6 de março de 2006), a sigla COJES passou a identificar a comissão quando esta teve sua designação alterada para Comissão Estadual de Articulação dos Juizados Especiais. Assim, apenas para uniformizar as referências, passaremos a designar a comissão responsável pela supervisão dos juizados especiais por COJES, indistintamente.

94 Na verdade, a preocupação com a administração dos juizados especiais já existia desde 1997, mas foi organizada na forma de um Fórum Permanente na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ, pelo Ato Regimental nº 2, de 16 de junho de 1997 (EMERJ, 1997), que foi o embrião da comissão dos juizados. Era presidente pelo desembargador Sergio Cavalieri Filho e seus demais componentes eram Luiz Fux, Luís Felipe Salomão, Sirley Abreu Biondi e Cristina Tereza Gaulia.

95 TJERJ/CGJ, 1998. 96 TJERJ/CGJ, 1999.

89 Luiz Fux; (iv) o juiz de direito Luis Felipe Salomão, então titular da 2ª Vara de Falências e Concordatas; (v) a juíza de direito Ana Maria Pereira de Oliveira, então titular da 41ª Vara Cível e coordenadora das turmas recursais; e (vi) Cristina Tereza Gaulia, então titular do I Juizado Especial Cível. Os suplentes eram os juízes de direito Cristina Serra Feijó e Joaquim Domingos de Almeida Neto.

Os atos de instituição da comissão foram econômicos em termos de motivação. Constou apenas que o “sistema deve funcionar harmoniosamente, com planejamento,

supervisão e orientação de todos os Juizados Especiais do Estado, por órgão regularmente investido com tais atribuições, de modo a viabilizar sua plena realização”,

destacando ainda que o “funcionamento eficiente desse sistema é fundamental para o

exercício da cidadania e a boa e correta administração da justiça”97. A despeito dessa

vagueza, a criação da comissão mostrar-se-ia uma das mais importantes medidas para a consolidação dos juizados especiais como um sistema, pois assumiu um papel de coordenação que dificilmente poderia ser cumprido pelos órgãos gerenciais do PJERJ.

Antes da criação dos juizados especiais, a presidência do TJERJ e a Corregedoria- Geral de Justiça dividiam-se nas tarefas de gerir e administrar os recursos materiais e humanos do poder judiciário, distribuindo-os e fiscalizando sua utilização. Normalmente (apenas para dar uma ideia das competências de cada um, longe de se pretender esgotar a enumeração), cabia à presidência, por exemplo, a movimentação dos juízes, o provimento dos materiais de uso rotineiro das serventias, a administração dos prédios onde se localizavam as varas e juízos, com a contratação de serviços como os de limpeza e zeladoria. À CGJRJ competia, por sua vez, a lotação e movimentação de servidores e o controle da regularidade do serviço e da atuação de juízes e servidores. No caso da Justiça comum cível, a unidade básica do PJERJ em primeira instância era a vara, ou juízo, que funcionava com base nas normas do Código de Processo Civil e da Corregedoria-Geral de Justiça, que já se encontravam em vigor (descontadas as atualizações legislativas) a bastante tempo. Quanto às decisões judiciais, eram submetidas ao controle dos tribunais por meio dos recursos. Assim, salvo situações específicas, resolvidas via consultas e pareceres, quase não havia necessidade de orientação sobre o procedimento a adotar.

Situação muito diferente se apresentava ao PJERJ após a criação dos juizados especiais. A despeito da existência prévia dos juizados de pequenas causas, vimos que estes não chegaram a se desenvolver plenamente e por mais que algumas experiências

90 tenham sido aproveitadas, os juizados especiais cíveis passaram a contar com uma estrutura e com investimentos muito maiores, que demandavam um esforço também muito maior de coordenação, especialmente diante das expectativas de todos (administração, juízes e população) quanto ao seu sucesso. Como vimos, Thiago Ribas Filho, no I Encontro de Juízes de Juizados Especiais Cíveis e Adjuntos Cíveis do Interior, em 1999, manifestou expressamente a visão de que os juizados seriam fundamentais para “reabilitar” o Judiciário e que por isso precisavam da atenção e dedicação de todos98.

Tudo indica que a administração do PJERJ estava convencida de que o sucesso dessa reabilitação passava pela renovação do papel do juiz não só na sua relação com o público, mas também na sua relação com os servidores do cartório e na rotina dos trabalhos do juizado.

Tradicionalmente, não era comum que os juízes interferissem na administração dos funcionários do cartório e nas rotinas de processamento, tarefas que eram deixadas a cargo do escrivão ou chefe do cartório. No entanto, era isso que a administração parecia querer mudar.

Já em 1999, por ocasião do encontro de juízes de juizados especiais cíveis e adjuntos cíveis do interior, Cavalieri dera ênfase à necessidade de se atentar para os métodos de gestão dos juizados. Ao apresentar o procedimento a ser adotado nos trabalhos daquele fim de semana, ele informou que o objetivo da coleta de experiências e práticas dos juízes era sistematiza-las e criar rotinas a serem padronizadas e replicadas.

No mesmo ano, agora no III Encontro de Juízes de Juizados Especiais em outubro, Cavalieri novamente conduziu a abertura dos trabalhos ao fazer um discurso contundente sobre a necessidade de convencer os juízes a serem administradores de suas varas. Aliás, o tema daquele encontro era a gestão e seus objetivos a discussão e proposição de técnicas gerenciais. Sérgio Cavalieri Filho sempre usou o dom da palavra. Ex-pastor adventista, que deixou o ministério pela vocação maior pelo direito, como conta em entrevista concedida ao Programa de História Oral do Poder Judiciário em 18.12.201799, e professor

renomado, sempre falou e escreveu de forma direta, acessível e didática, valendo-se de muitos exemplos e alegorias.

O discurso foi iniciado com a leitura de um trecho de uma manifestação do sindicato de titulares de serventia, ofícios de justiça e similares que defendia que a sede

98 ENCONTRO DE JUÍZES DE JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E ADJUNTOS CÍVEIS DO INTERIOR, 1, 1999.

91 de trabalho dos juízes é o seu gabinete e eles não devem se imiscuir nas atividades cartorárias sob pena de porem as atividades judiciais a perder. Em seguida ele provocou um tanto ironicamente: “se vocês concordam com aquilo que está escrito aqui, então nós

não precisamos de atividade gerencial. Pode deixar por conta deles e tudo vai correr tudo bem”100.

Essa introdução foi o mote para demonstrar que se os juízes não tomassem a frente da administração e gerenciamento das unidades judiciais, tudo continuaria como estava. O sucesso da missão dos juizados especiais dependia dessa nova postura dos juízes.

Após, Cavalieri fez uso da alegoria de um sujeito que foi contratado como gerente e demitido logo no mesmo dia porque se pôs a fazer todo o tipo de trabalho, apertando parafusos, consertando máquinas, limpando e guardando os equipamentos. Ao indagar porque tinha sido demitido, o sujeito ouviu que fora contratado para fazer os outros trabalharem e não para trabalhar por eles. Era a ideia de saber dar a cada um a sua tarefa que ele queria passar aos juízes. Planejar, organizar e controlar eram, segundo Cavalieri, as atividades básicas do gerenciamento das unidades.

O protagonismo de Cavalieri nos primeiros encontros de juízes dos juizados pode dar a entender que o seu discurso era próprio, só dele. No entanto, a lista dos personagens presentes logo o desmente. Além de Thiago Ribas Filho e Cavalieri, estiveram presentes nos encontros de 1999, o desembargador Humberto de Mendonça Mannes, então presidente do TJERJ, o Corregedor-Geral da Justiça, desembargador Ellis Hermydio Figueira (os dois cargos mais altos do PJERJ), bem como a então Diretora-Geral da Escola de Administração Judiciária, Leila Mariano, que viria a ser Presidente do TJERJ entre 2013 e 2015. Coube a ela apresentar as diretrizes da escola para reproduzir as técnicas de gestão judicial por meio da capacitação de juízes, servidores e conciliadores.

Os juizados se mostraram um campo fértil para a proliferação dessas ideias, pois realmente exigiam uma abordagem diferenciada, tendo em vista o número de personagens e setores que precisavam ser coordenados. Podemos dizer que um juizado especial pode envolver 8 (oito) diferentes centros de atividade, cada qual merecendo a atenção especial do juiz: (i) setor de atendimento inicial; (ii) setor de autuação e registro inicial; (iii) cartório; (iv) setor de conciliação; (v) assessoria do gabinete (que realiza a triagem dos processos conclusos e a elaboração de minutas de despachos, decisões e algumas

92 sentenças, além de controle do movimento); (vi) setor de audiência de instrução e julgamento; (vii) setor de advogados dativos; e (viii) setor de mandados judiciais.

Seja pela novidade de lidar com estagiários de primeiro atendimento, conciliadores, advogados dativos101 e juízes leigos, seja pela necessidade de adaptação de

juízes, servidores e oficiais de justiça ao procedimento simplificado da Lei nº 9.099/95, a tarefa mais importante da comissão dos juizados talvez fosse assegurar a diferenciação dos novos órgãos em relação ao sistema judiciário já existente. Os juizados especiais, como vimos, poderiam ter apresentado uma feição bem distinta e – quem sabe – poderiam ter ficado separados dos segmentos da Justiça já existentes (Justiça Federal, Justiça Eleitoral, Justiça do Trabalho etc.), constituindo um novo ramo da Justiça brasileira, com servidores, estrutura e juízes próprios102. Foram, no entanto, atrelados à Justiça dos

estados, o que pode ter colocado em risco a sua proposta inovadora, na medida em que tiveram que vencer a inércia institucional que levaria à tendência de interpretá-los e formata-los com base nas soluções já conhecidas, por economia de esforços.

Para tentar superar essa tendência, foi necessário um enorme esforço dos administradores dos tribunais estaduais. No caso do Rio de Janeiro, uma conjugação favorável de fatores contribuiu para catalisar e favorecer esse trabalho institucional.

O primeiro deles foi a autonomia financeira alcançada pelo PJERJ com a criação do Fundo Especial do Tribunal de Justiça – FETJ pela Lei nº 2.524 de 22 de janeiro de 1996, que permitiu que o próprio poder judiciário arrecadasse e gerisse todos os recursos para investimento e custeio (a folha de pagamento permaneceu com o tesouro estadual)103.

A medida, complementada com a Lei nº 3.217 de 27 de maio de 1999, e até então inédita entre os estados do Brasil, conferiu efetiva autonomia financeira ao poder judiciário do Rio de Janeiro. Com as receitas de custas, taxa judiciária e emolumentos judiciais e extrajudiciais, o PJERJ assegurava recursos para investir em suas instalações, sistemas de informática, equipamento e treinamento, por exemplo. Assim, ao contrário do que

101 Diante da dificuldade, mesmo nos estados que contam com uma defensoria pública aparelhada, de garantir a assistência desse órgão em todos os atos (principalmente audiências) dos juizados especiais cíveis, o PJERJ incentivou a colaboração de advogados dativos (designados para o ato processual específico), que ficavam comprometidos com um determinado juizado para prestar, voluntariamente, assistência jurídica para as partes que precisam de um advogado, mas não dispunham de condições para contratá-lo.

102 Vide propostas da ANC de 1997/98.

103 ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Lei nº 2.524, de 22 de janeiro de 1996. Disponível em http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/CONTLEI.NSF/b24a2da5a077847c032564f4005d4bf2/e4192e66fd866b000 32564f8006b866f?OpenDocument. Acesso em 05.01.2018.

93 acontecia com os demais estados, podia traçar suas políticas e programá-las sem depender de verbas mendigadas junto ao governador.

Na entrevista concedida ao Programa de História Oral do Poder Judiciário em 24 de janeiro de 2018, já referida, Thiago Ribas Filho conta um pouco da história dessa conquista que deu novo impulso ao judiciário fluminense, lembrando que foi no governo de Marcello Alencar que o PJERJ conseguiu ficar com a administração das verbas recolhidas a título de custas judiciais. Uma equipe do PJERJ já havia conduzido os estudos sobre o valor referente às custas, pelo que Thiago Ribas Filho já tinha conhecimento de sua relevância, provavelmente ao contrário da assessoria do governador, a quem se conseguiu convencer a apoiar a lei. Para Ribas Filho, Alencar sempre apoiava a independência do judiciário ao procurar consultar os membros do TJERJ sobre as possíveis nomeações para a corte estadual.

O segundo fator foi a união de figuras relevantes no poder judiciário da época (“cabeças coroadas”, na referência feita por Gaulia (2018), especialmente os desembargadores Thiago Ribas Filho, Sergio Cavalieri e Luiz Fux, que estavam em posição de identificar o ‘status’ do sistema dos juizados especiais como órgãos diferenciados e carentes de atenção e cuidado, medindo, assim, sua legitimidade. Além disso, entre 1995 e 2005, no que poderíamos chamar de primeira fase dos juizados especiais, houve uma sucessão de presidentes que pertenciam a um grupo de desembargadores que compartilhavam a visão de garantir a autonomia do PJERJ e a estender o alcance de seus serviços por todo o estado e pelas diversas regiões da capital, investindo na melhoria da estrutura existente e ampliando as unidades judiciais, o que passava em grande parte pela instalação de juizados especiais cíveis e criminais. Nessa linha, entre José Lisboa da Gama Malcher (1995 a 1997) e Sergio Cavalieri Filho (2005 a 2007), passando pelas gestões de Thiago Ribas Filho (1997 a 1999), Humberto de Mendonça Mannes (1999 a 2001), Marcus de Souza Faver (2001 a 2003) e Miguel Pachá (2003 a 2005), diversas medidas foram adotadas pela administração do PJERJ, como a própria criação do FETJ, a extinção dos tribunais de alçada cível e criminal, a criação de algumas novas comarcas e elevação de várias outras a uma entrância superior, com a construção de novos prédios, a reorganização administrativa com auxílio da consultoria da Fundação Getúlio Vargas que reestruturou as suas unidades e cargos, reduzindo a redundância de atribuições e controles e a institucionalização de práticas que em muitos casos eram confiadas à experiência pessoal de alguns servidores. Marcos significativos da assunção de uma postura gerencial do PJERJ foram a criação do Centro de Controle e

94 Acompanhamento de Custos, de que trata Angela Augusta Santos Carvalho em monografia sobre a autonomia e controle no PJERJ, que tem a “função de produzir

relatórios de acompanhamento de custos do PJERJ, através da consolidação de todas as despesas dos órgãos jurisdicionais e administrativos de todas as Comarcas do Estado do Rio de Janeiro”104 e do NAQ, Núcleo de Acompanhamento da Qualidade dos Serviços

Judiciários, posteriormente transformado em uma comissão – Comissão de Apoio à Qualidade dos Serviços Judiciários – COMAQ. O NAQ, cuja iniciativa foi premiada na primeira edição do Prêmio Innovare na pessoa de Cristina Tereza Gaulia, tinha como atribuições o acompanhamento dos “projetos de padronização dos serviços estabelecidos

e implantados pela administração” do TJERJ; o estabelecimento de “metas concretas de produtividade encaminhando à Presidência e à Corregedoria Geral da Justiça relatórios de desempenho, com sugestões de aprimoramento e/ou correção”; o estabelecimento de

“parâmetros para a avaliação dos resultados de produtividade dos diversos Juízos,

serventias e secretarias, de modo a permitir a fixação de critérios objetivos de avaliação de desempenho”; a indicação à presidência do tribunal dos “Juízos que necessitam do auxílio (...) com base em levantamentos estatísticos e de qualidade”; o aprimoramento

dos “serviços judiciais de primeira e segunda instâncias, indicando à Escola de

Administração Judiciária – ESAJ, a necessidade de aperfeiçoamento técnico, comportamental organizacional e gerencial”; e o encaminhamento “à Presidência e à Corregedoria Geral da Justiça (de) sugestões de padronização de procedimento, espaço, equipamentos de informática e mobiliário...”105.

Por fim, como decorrência direta do segundo fator, o reconhecimento por esse grupo de cabeças coroadas que a diferenciação dos juizados especiais (então a medida de sua legitimidade) deveria ser perseguida com investimentos em novas soluções e não com a reiteração de práticas tradicionais.

Assim, parecia claro para a administração do PJERJ que o legislador da Lei nº 9.099/95 buscara instituir uma “nova Justiça, sem maiores formalismos, por isso mesmo

rápida, gratuita”, como revelam as palavras de Thiago Ribas Filho como presidente do

TJERJ em pronunciamento na sessão do Órgão Especial de 30.03.1998106.

Confrontada com essas expectativas e com o caráter principiológico do projeto dos juizados (cuja lei instituidora prometia grande flexibilidade a eles e ao processo de

104 CARVALHO, 2005, p. 4. 105 GAULIA, 2004b. 106 TJERJ, 1998a.

95 sua competência), a administração do PJERJ preferiu delegar a sua organização e supervisão a um novo órgão – a comissão dos juizados. Muito embora ela estivesse hierarquicamente subordinada à presidência do TJERJ e dependesse da participação do Presidente e do Corregedor-Geral de Justiça para implementar suas políticas, passou a agir com certa liberdade, tendo um grande respaldo da administração do poder judiciário. Exemplo dessa delegação e desse respaldo é o Aviso nº 62, da Corregedoria-Geral de Justiça, publicado em 17.03.1999, que comunicava que, a partir daquela data, cessava a atribuição da CGJRJ para orientação, supervisão e planejamento dos juizados especiais107.

Segundo uma anedota comum, quando se quer protelar a solução de um problema cria-se uma comissão. No caso da comissão dos juizados, por mais que sua criação possa ter sido motivada por uma incapacidade dos órgãos tradicionais da administração do PJERJ – presidência e corregedoria – em lidar com o fato novo dos juizados, a decisão acabou dando certo.

Segundo Flavio Citro Vieira de Mello, a continuidade da comissão na presidência de Thiago Ribas Filho compensou o desequilíbrio que a frequência de alterações na administração criava.

Para ele, Ribas Filho conseguia mostrar a cada nova administração, a importância do trabalho de manutenção dos juizados especiais, convencendo-os a manter os investimentos materiais e humanos nesses órgãos108.

De maneira geral, as sucessivas administrações que mantiveram a COJES sob a administração de Thiago Ribas Filho deram a ela uma autonomia relativa que se tornou essencial para o trabalho institucional de diferenciação. E isso foi destacado pelos juízes ouvidos Programa de História Oral do Poder Judiciário, que registraram a liberdade, ou

107 TJERJ/CGJ,1999.

108 Essa estrutura de poder que nós temos, que a cada dois anos muda ela foi reequilibrada pela existência da comissão dos juizados especiais, que fazia o quê? Era como se fosse um pelego, ela ia levando aquelas questões próprias do juizado, a transferindo a cada gestão mostrando a importância daquele trabalho de continuidade, gestão e o que que é gestão? Gestão é fazer planejamento, você se programar pra daqui a 5 anos, 10 anos, você atingir aquele objetivo. Você criar condições pra você atingir aquele objetivo. Mas se a cada 2 anos você muda tudo de novo, cada um quer ser melhor que o outro, você não tem continuidade, você pode programar para daqui a 10 anos. E a comissão teve esse papel importantíssimo de continuidade de gestão (..) e ela foi sobrevindo às administrações como se fosse uma presidência única, né, de 15 anos. Eu acho que isso foi muito importante (MELLO, 2018).

96 autonomia, com que a comissão atuava, como Flávio Citro Vieira de Mello109 e Cristina

Tereza Gaulia110.

Thiago Ribas Filho, em sua entrevista também confirmou que tinha uma boa liberdade de atuação:

Entrevistador: Na sua presidência lá na Comissão dos Juizados, a impressão pelo menos que eu tenho, é que muitas ações referentes aos juizados eram tomadas na Comissão sem muitas interferências da administração do Tribunal...

TRF: Sim...

Entrevistador: O senhor concorda com isso? TRF: Concordo, concordo.

Entrevistador: Tinha uma liberdade muito grande...

TRF: Tinha...(...). Havia uma... uma liberdade relativa de ações... (...) não é, e que normalmente nos era comunicadas para verificarmos se deveríamos adotar de uma maneira geral. Era uma coisa muito boa. O ambiente que sempre existiu entre nós era o mais importante, e todos tinham o mesmo propósito de melhorar cada vez mais e de dar uma prestação jurisdicional que fosse boa e rápida.

Documentos relacionados