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OS ENCONTROS DE JUÍZES E OS ENUNCIADOS DE ENTENDIMENTOS

2. A FORMAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS NO ESTADO DO RIO DE

2.3. OS ENCONTROS DE JUÍZES E OS ENUNCIADOS DE ENTENDIMENTOS

Foi possivelmente em razão da importância das turmas recursais como instrumentos de uniformização de entendimentos que os primeiros enunciados sobre os juizados após a edição da Lei nº 2.556/96 foram elaborados a partir de proposições dos juízes que ali atuavam. A reunião desses juízes foi realizada em 18.08.1997 e dispôs sobre temas atinentes ao trabalho nas turmas recursais, como o juízo de admissibilidade70 dos

recursos em geral, a inadmissibilidade do recurso de agravo71 e o imediato

reconhecimento da deserção72 dos recursos em caso de recolhimento incompleto do

preparo73.

A se julgar pela longevidade desses entendimentos (que até hoje são respeitados pela maioria dos juízes dos juizados e das turmas recursais), foi uma decisão acertada. Independentemente disso, tais entendimentos reforçaram a celeridade e a informalidade exigidas pelo legislador da Lei nº 9.099/95.

Admitir o recurso de agravo contra decisões no curso do processo dos juizados colocaria em xeque um aspecto considerado essencial para a garantia de sua rapidez (e,

70 Juízo de admissibilidade é a operação judicial que aprecia os requisitos para receber ou não o recurso, decidindo-se se poderá ou não ser julgado pelo órgão recursal.

71 O agravo (ou agravo de instrumento) é um recurso contra decisões não definitivas (decisões proferidas no decorrer do curso processual que não envolvem a sua conclusão final.

72 Chama-se “deserção” o estado do recurso não recebido por não estar acompanhado da comprovação do pagamento integral das despesas processuais respectivas.

72 portanto, eficácia): a concentração dos atos das partes e do juiz. Uma vez aberta a porta para o agravo de qualquer decisão não terminativa (por exemplo: rejeição de litisconsórcio, indeferimento de adiamentos requeridos, decisões sobre provas a serem trazidas em audiência etc.), partes mal-intencionadas poderiam atravancar o andamento do processo agravando de tais decisões e forçando desvios do curso célere do processo.

De outro lado, sancionar o incorreto preparo do recurso com a imediata decretação da deserção prestigiava a celeridade e impedia uma prática que é um tanto comum no processo civil: o proposital recolhimento a menor do preparo para ensejar decisão determinando a complementação para postergar a remessa do recurso para o órgão competente.

Os enunciados, verbetes que traduzem o entendimento dominante de um órgão judicial sobre os temas jurídicos submetidos à sua apreciação, são comumente utilizados pelos tribunais para orientar os juízes ou outros tribunais quanto a esses temas e facilitar e agilizar o julgamento de demandas a eles referentes, contribuindo para a uniformização da jurisprudência. Ao julgar uma demanda envolvendo o tema sumulado, o juiz pode simplesmente citar o enunciado da súmula ao qual o tema se submete, bastando justificar a sua adequação ao caso. Dispensa-se, portanto, uma fundamentação pormenorizada do tema, pois este já foi debatido e apreciado pelo tribunal, cujo entendimento foi consolidado.

Os enunciados dos tribunais são tradicionalmente registrados em uma súmula e numerados de acordo com a ordem desse registro. Como exemplo, na data da redação destas linhas, o Supremo Tribunal Federal tinha em sua súmula 736 enunciados, bem como mais 56 enunciados em sua súmula vinculante. O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, registrou até a data da elaboração deste capítulo 609 enunciados74.

Na história dos juizados especiais cíveis do estado do Rio de Janeiro, os primeiros enunciados serviram menos para uniformizar a jurisprudência (ainda bastante incipiente) do que para orientar os juízes sobre as feições e as possibilidades dos órgãos recém- criados, destacando sua diferenciação dos juízos comuns. Essa era uma preocupação que representava o estímulo do trabalho institucional feito pela comissão e realizado nos encontros à formação de uma rede de juízes familiarizados com os juizados especiais.

74 Por vezes, muitos juristas e os próprios tribunais acabam adotando o termo “súmula” para se referir aos próprios enunciados, o que pode gerar certa confusão entre os leigos. É comum vermos referências à sumula nº 302 do STJ ou à súmula vinculante nº 10 do STF. A rigor, porém, a súmula é o registro onde se inscrevem os enunciados.

73 Outra grande novidade dos juizados especiais no Rio de Janeiro, que imprimiu um caráter menos hierárquico à sua jurisprudência, foi a origem dos seus enunciados. Em lugar de resultarem exclusivamente dos entendimentos extraídos dos julgamentos do órgão recursal (turmas recursais), passaram a ser construídos a partir de discussões dos juízes que atuavam nos juizados cíveis, fossem eles integrantes das turmas recursais ou não. Para Joaquim Domingos de Almeida Neto eram “uma jurisprudência ao inverso” (2018).

Tais discussões eram organizadas em encontros geralmente realizados à moda de reuniões de funcionários de grandes empresas, isto é, em ambiente externo, notadamente hotéis de veraneio e hotéis-fazenda, podendo os juízes levarem suas famílias. A partir da gestão do desembargador Thiago Ribas Filho, os encontros passaram a ser semestrais e se transformaram em um importante caldeirão de ideias e práticas atinentes aos juizados especiais cíveis e contribuíram significativamente para sua disseminação e uniformização. Ali eram discutidas as questões polêmicas acerca da atuação nos juizados especiais.

Joaquim Domingos de Almeida Neto falou sobre o caráter democrático dos encontros:

Foi... acho que foi a primeira vez que os juízes do Rio de Janeiro puderam sentar num fórum de debate com desembargador. A gente que é da geração mais antiga, existia um gap muito grande de comunicação entre os desembargadores e os juízes de primeiro grau. Eu duvido que um juiz de primeiro grau fosse bater no Gabinete de um desembargador para indagar como concluía um acórdão. Era ruim fazer isso. Se a gente recebesse um pedido de informação de habeas corpus... e daí há uma hora, ligava para a assessora do desembargador, dizia assim: “olha, avisa para o desembargador que eu estou dando a sentença, eu vou mandar a informação junto com a sentença”. Era assim que a gente respondia habeas corpus. Então, existia... E naqueles encontros de São Moritz, pela primeira vez a gente esteve sentado ali, conversando com a gente na mesa, desembargadores que eram tidos como ídolos para a gente. Estavam ali e começaram a flexibilizar um pouco esse contato com a hierarquia do Tribunal e, estabelecendo para dentro dos encontros o princípio básico do juizado, que é o de Simplicidade e Informalidade. Então, eram discutidos todos os temas sem nenhum tipo de restrição, sem nenhum tipo de proibição (ALMEIDA NETO, 2018).

Para Cristina Tereza Gaulia, esse caráter democrático ia além e envolvia a possibilidade de ouvir e ser ouvido e se refletia na presença nos encontros nacionais do FONAJE:

E aí, a gente sempre trazia juízes novos que traziam novas ideias e espalhavam essas novas ideias. Eu acho que uma coisa que o nosso Tribunal tem que é extremamente democrático e muito bom, é que nós não somos um tribunal de

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fala única, onde só um fala. Em todos os grupos a gente tem mais de um. Não importa se a opinião de um seja menos relevante do que a de outro, menos técnica ou mais técnica, alguém é mais, vamos dizer, publica mais do que o outro, mas na verdade, nós não somos um tribunal de fala única, e isso já acontecia naquela época. Enquanto que outros juizados representados no FONAJE, vinham de tribunais de fala única. Por exemplo, o juizado, o sistema de juizados de São Paulo. Muito embora eu adore o (fulano), era sempre o (fulano) que vinha. Então assim, aí, você fala: “puxa, discurso único”. E nós, não. Nós sempre trazíamos (...) o (beltrano) ..., levávamos a (sicrana), levávamos uma série de juízes que estavam chegando ao sistema e sempre dando a oportunidade de outros compartilharem (GAULIA, 2018).

Os encontros eram coisa séria. Geralmente havia uma recepção no hotel ao início da noite de uma sexta feira e logo se iniciavam os trabalhos, com palestras e painéis sobre temas escolhidos. No dia seguinte, sábado, a reunião continuava pela manhã e, após o almoço, os juízes se reuniam em grupos de trabalho para discutir as proposições e, se fosse o caso, fixar seus entendimentos. Era a partir desses entendimentos que os verbetes dos enunciados eram redigidos. As discussões eram muitas vezes calorosas e não raro se estendiam até tarde, atrasando o jantar. O domingo ficava livre para que os juízes se confraternizassem com suas famílias até a hora de deixar o hotel75.

Para o desembargador Thiago Ribas Filho, conforme palestra proferida por ocasião da abertura do I Encontro de Juízes de Juizados Especiais Cíveis e Adjuntos Cíveis do Interior, em 1999, os encontros proporcionavam a troca de ideias e experiências e serviam para fortalecer a nova justiça, que era a “menina de seus olhos”, e deveriam ser estendidos para todos os outros setores do judiciário, o que só não se fazia em razão das limitações orçamentárias76. Segundo disse, os juizados foram o primeiro setor a

experimentar esses encontros porque eram a “última esperança de resgate da

credibilidade do judiciário”77. Mais tarde, acrescentou que também permitiam que a

Comissão dos Juizados Especiais tivesse acesso a ideias e práticas de juízes que atuavam por todo o estado (RIBAS FILHO, 2018).

75 Posteriormente esse rigor foi amenizado e os encontros começavam na sexta, mas deixavam a manhã de sábado e o domingo livres, como mostra o programa do VII Encontro de Juízes dos Juizados Especiais Cíveis e de Turmas Recursais Cíveis (Anexo 6).

76 Os primeiros encontros foram realizados com o apoio do Banco do Brasil S/A, conforme indicam as referências feitas por ocasião da abertura e nos créditos das filmagens dos trabalhos. Assim se deu com o I Encontro de Juízes de Juizados Especiais Cíveis e Adjuntos Cíveis do Interior, com o II Encontro de Juízes de Juizados Especiais e com o III Encontro de Juízes de Juizados Especiais Cíveis e Turmas Recursais Cíveis.

77 ENCONTRO DE JUÍZES DE JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E ADJUNTOS DO INTERIOR, 1, Itaguaí, 25 a 27 de junho de 1999, 5 DVD.

75 Ana Maria Pereira de Oliveira parece confirmar a importância do trabalho institucional da administração para configurar os encontros:

(...) eu que eu acho que o juizado, assim, como era uma novidade, fez com que, primeiro, eu acho que (...) aquela visão da administração também era uma visão de que as pessoas deveriam se reunir para conversar sobre as questões que aconteciam, mas o juizado especificamente, quer por conta de ser uma novidade, quer por conta da inciativa da criação do Fórum Nacional (FONAJE) era a matéria talhada para você colocar pessoas que estão atuando juntas para pensarem e verem qual é a saída para as questões que iam aparecendo, porque tudo era novo OLIVEIRA, 2018).

Do exame dos registros em áudio e vídeo desse encontro de 1999, é possível perceber a ênfase na troca de experiências. O PJERJ se esforçava para tentar compreender o fenômeno dos juizados especiais, qual a sua natureza, os seus limites e as suas possibilidades. Valendo-nos de uma alegoria, era como se o Judiciário estivesse na posição de alguém que era confrontado com um novo ser, com referências e valores difíceis de descrever com o vocabulário disponível. Normalmente, uma situação como essa é intermediada por um terceiro, que apresenta os dois desconhecidos, aproximando- os. No caso dos juizados, porém, não havia a quem recorrer e os juizados tiveram que ser descobertos aos poucos.

Denotando consciência dessa dificuldade, a administração do PJERJ adotou uma estratégia interessante. Por meio do encontro de 1999, por exemplo, buscou ouvir os juízes que se encontravam em atuação nos juizados do interior do estado do Rio de Janeiro para, a partir de sua experiência, identificar a melhor abordagem gerencial.

Na abertura dos trabalhos do sábado naquele encontro, Sergio Cavalieri Filho deixou clara essa estratégia ao descrever a metodologia a ser adotada nos trabalhos do encontro. Reconheceu que a administração ainda não sabia “o que é um juizado especial

cível”, mas sabia que ele deveria “ser diferente de um órgão judicial tradicional” e que,

portanto, a sua administração não poderia ser a mesma do restante do tribunal. Os juízes dos juizados especiais deveriam “ter uma outra cabeça, mas qual”? Para ele, eram os juízes em atuação nos juizados que os conheciam melhor e detinham um “gama de

conhecimentos” que precisava “ser sistematizada, organizada”. Por isso, ao contrário dos

encontros anteriores que começaram por palestras sobre temas jurídicos, o I Encontro de Juízes de Juizados Especiais Cíveis e Adjuntos Cíveis do Interior começaria com a

76 participação dos juízes78, que envolvia um procedimento complexo. Inicialmente, os

juízes responderiam individualmente a um questionário sobre a administração dos juizados e posteriormente se reuniriam em grupos para sintetizar essas ideias. Por fim, em uma reunião plenária seriam apresentadas as sugestões e experiências colhidas, “a

síntese da experiência”, nas palavras de Cavalieri79.

O primeiro encontro para troca de ideias e experiências na configuração dada por Thiago Ribas Filho ocorrera nos dias 17 e 18 de outubro de 1997, sexta-feira e sábado, no Hotel São Moritz, em Nova Friburgo.

Ao contrário da reunião de 15.12.1995 com os juízes cíveis, o I Encontro dos Magistrados dos Juizados Especiais resultou em enunciados de entendimentos que buscavam restringir a competência dos juizados especiais e evitar que se prestassem para veicular outras demandas consideradas não relacionadas com o objetivo de facilitar o acesso às pessoas físicas.

Extrai-se dessa postura uma orientação para a proteção do juizado especial do afluxo das mesmas demandas que abarrotavam as varas cíveis e assim evitar que se tornassem como elas.

O primeiro enunciado publicado era referente a uma das grandes controvérsias sobre o alcance da Lei nº 9.099/95. Havia quem entendesse, como Luís Felipe Salomão, por exemplo, que a competência dos juizados especiais cíveis era absoluta, isto é, não poderia ser objeto de disposição pela parte autora (SALOMÃO, 2003). Em outras palavras, para esse entendimento, sempre que a causa fosse de menor complexidade e observasse os demais requisitos da lei, o autor seria obrigado a propor a ação em um juizado especial cível. Para outro grupo, a competência dos juizados era facultativa, ou seja, mesmo que a causa se enquadrasse nos requisitos da Lei nº 9.099/95, o autor poderia optar entre propor a ação no juizado especial cível ou em uma vara cível. Acabou prevalecendo, por maioria, este último entendimento (Enunciado I – “A competência em sede de Juizados Especiais Cíveis é opção do autor”), o que é observado até hoje. Muitos que adotavam esse entendimento escondiam o temor de que a competência absoluta levaria à sobrecarga do sistema dos juizados especiais que, naquela época, não teria estrutura para atender a demanda que se esperava.

78 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Painel 1. ENCONTRO DE JUÍZES DE JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E ADJUNTOS DO INTERIOR, 1, Itaguaí, 25 a 27 de junho de 1999, 5 DVD.

77 Por outro lado, o enunciado que vinha em seguida, de número II, contemplou, por maioria dos presentes, uma interpretação que garantia a competência dos juizados para causas como as enumeradas no artigo 275 do antigo Código de Processo Civil de 1973 independentemente de seu valor, pois havia quem entendesse que todas as causas a serem apreciadas nos juizados cíveis deveriam observar a alçada de 40 salários mínimos80.

Na linha de evitar a extensão da competência dos juizados, os juízes deliberaram sobre as ações de despejo, ações propostas por pessoas formais (espólios e condomínios), pedidos contrapostos formulados por pessoas jurídicas, ações coletivas, bem como ações que envolvessem necessidade de perícia e citação por hora certa81, excluindo-as da

competência dos juizados especiais cíveis. Em todos esses casos, os juízes deram uma interpretação restritiva a alguns dispositivos da Lei nº 9.099/95, especialmente os artigos 3º e 8º. Não foi, porém, um simples conjunto de interpretações restritivas em separado. Tratou-se de uma interpretação com base nos princípios da Lei nº 9.099/95 e na forma como eles deveriam se relacionar entre si e com os objetivos de acesso e efetividade que o legislador federal buscava alcançar. É o que na hermenêutica jurídica se chama de interpretação sistemática. E não à toa essa operação traduziu, talvez pela primeira vez dentre os juízes do estado do Rio de Janeiro, uma atitude orientada pela compreensão de que os juizados especiais cíveis formavam um sistema a ser diferenciado de tudo aquilo que era praticado nos juízos cíveis comuns e que poderia impedir ou dificultar o acesso e a efetividade dos juizados especiais.

Outra importante definição envolveu a necessidade da presença pessoal das partes nas audiências do processo.

Como se sabe, nas ações cíveis, não há obrigatoriedade de comparecimento pessoal das partes nas audiências e demais atos do processo, pois podem sempre ser representadas por seus advogados. Todavia, o processo da Lei nº 9.099/95, presidido pelos princípios da celeridade, da economia processual, da simplicidade, da informalidade e da oralidade e voltado para a conciliação, não poderia correr sem a participação efetiva do autor e do réu. Afinal, um processo desenhado sob a premissa do acesso não intermediado à Justiça, que valorizava o contato direto das partes entre si e com o juiz de modo a conferir maior efetividade e legitimidade às decisões ali tomadas, era incompatível com a representação.

80 Posteriormente, foi esse entendimento que acabou prevalecendo.

81 Vide enunciados nºs III, XI, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX e XXIII (ESTADO DO RIO DE JANEIRO. PODER JUDICIÁRIO. Tribunal de Justiça. Aviso nº 18, de 22 de outubro de 1997).

78 Assim, os juízes reunidos no I Encontro dos Magistrados dos Juizados Especiais fixaram por unanimidade, por meio do Enunciado nº IV, que “a presença pessoal, na

hipótese de pessoal física, e através de preposto com vínculo empregatício, no caso de pessoa jurídica, é obrigatória nas audiências de conciliação e/ou julgamento (autor e réu)”82.

Desde cedo, portanto, os juízes do estado do Rio de Janeiro reconheceram legitimidade nessa característica diferencial do processo dos juizados cíveis em relação ao processo das varas cíveis. Foi uma decisão que pode ter ajudado a moldar uma nova forma de relacionamento processual, que permitia, pelo menos em tese, dar voz efetiva às partes e parecia ir ao encontro dos anseios de legitimação do serviço judiciário.

Na visão dos juízes que participaram do processo de formação dos juizados especiais cíveis no estado do Rio de Janeiro, os juizados deveriam ter, dentre as suas características, seus diferenciais, a presença pessoal das partes e a independência de advogados. Não que os advogados não fossem relevantes, mas o que se pensava como um órgão de acesso à Justiça, era um órgão aberto à participação autônoma do cidadão.

Nesse sentido, o depoimento de Cristina Tereza Gaulia no Programa de História Oral do Poder Judiciário registrou:

Quando vem a constituição de 88, que é a constituição cidadã, ela vem com várias propostas de fortalecimento de cidadania. E nada fortaleceu mais a cidadania desse país, do que você dizer para uma parte que ela poderia vir ao seu juiz natural, sem advogado. Muito embora eu friso, como sempre eu frisei, não que o papel do advogado seja de só menos importância, absolutamente não, o advogado é um partícipe, é um ator de excepcional importância no sistema da justiça. Mas também, indubitavelmente, é verdade, quando uma lei diz: “olha, cidadão, você pode chegar para o teu juiz natural e contar a tua história, contar o teu conflito, expressar a tua dor, você está fortalecendo essa pessoa, de modo a que ela passa a ter uma autoestima muito maior (....) (GAULIA, 2018).

Ainda durante o I Encontro de Magistrados, deliberou-se sobre um tema que, ao que tudo indica, não havia sido previsto pelos idealizadores do projeto dos juizados: a tutela antecipatória.

Como vimos, durante os anos 1990, uma série de reformas ao Código de Processo Civil de 1973, foram implementadas com vistas a tornar o procedimento mais eficiente. Uma das mais relevantes ferramentas processuais introduzidas por essas reformas foi a possibilidade de concessão antecipada da tutela pretendida. Em termos simples, tutela é

79 o provimento judicial que satisfaz o interesse da parte (geralmente o autor). Tradicionalmente, idealizou-se um processo por meio do qual essa satisfação se desse ao seu final, após a análise dos argumentos das partes e da produção de provas. No entanto, por diversas razões (sobrecarga de processos, proliferação de recursos e chicanas processuais e outras burocracias), a satisfação do interesse do autor ficou cada vez mais distante, de modo que, quando proferida a sentença, a solução não era mais adequada, tornando-se injusta (daí o velho ditado: “Justiça que tarda é Justiça que falha”).

Segundo Fux,

essa demora, cuja responsabilidade pode ser imputada em grande parte ao

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