• Nenhum resultado encontrado

Como o Curso do PRONERA profissionalizou jovens e adultos para serem

PARTE IV – O CURSO DE PEDAGOGIA PEC/MSC/PRONERA DA UFPB

5.2 Como o Curso do PRONERA profissionalizou jovens e adultos para serem

Ao perguntarmos sobre a importância da formação no Curso para os membros das famílias observou-se nas respostas que os educadores adquiriram conhecimentos, houve um

crescimento tanto profissional como pessoal, além da inserção no mercado de trabalho. Observe as falas dos familiares a seguir:

Sim, porque ela, depois que cursou ela ficou mais participativa na comunidade e também entrou pra o mercado de trabalho, hoje ela é professora (FMDA48).

Uma experiência em que o agricultor tem uma honra de saber que dá agricultura sai uma pessoa que é capaz de exercer uma função de grande importância para a área rural (FHR46).

A fala a seguir evidencia que além de ter adquirido uma profissão, alguns desses educadores obtiveram autoconfiança quando se viram morando longe da família e com pessoas, em sua maioria, desconhecidas, com costumes diferentes. Esse foi um processo difícil e doloroso, mas significativo para que alcançassem autonomia, responsabilidade, coragem e aprendessem a conviver com as diferenças e dividir medos, angústias, sonhos, esperanças e alegrias.

Ela cresceu muito com esse curso não só profissionalmente, mais como pessoa mesmo, ela cresceu muito como pessoa é, porque não tinha coragem de reagir e, com esse curso ela sofreu muito, mais também aprendeu a levantar a cabeça (FMG45).

Percebemos que a formação no Curso foi positiva para esses profissionais porque além de concluírem uma graduação houve um crescimento pessoal e muitos conseguiram contrato, em seus municípios, para trabalhar nas escolas dos próprios assentamentos, situações que levaram seus familiares a expressarem, nas entrelinhas de seus depoimentos, um orgulho imenso de seus filhos. Diante disso ficamos nos perguntando se essa satisfação representa a negação da condição difícil da vida de camponês.

Entendemos que essa formação é uma ascensão, uma conquista dos camponeses que rompem com preconceitos e incredulidade, até mesmo de pessoas de sua própria comunidade, além de outras oriundas das cidades. A satisfação deles é que, mesmo sendo camponês, e em meio a tantas dificuldades, conseguiram fazer uma graduação e nem por isso perderam suas raízes uma vez que estão contribuindo mais efetivamente em suas comunidades, especialmente na área da educação.

Nos depoimentos a seguir, os familiares reforçam a satisfação de ver que houve uma mudança significativa na vida de seus filhos quando dizem:

Ana foi a única que conseguiu enfrentar uma universidade e conseguiu ser formada [...] profissionalmente trouxe porque, graças a Deus, ela já contribui financeiramente também dentro de casa (FMG45).

[...] ela adquiriu mais é conhecimentos voltado para a área do assentamento [...] trouxe, é na questão financeira, né? Que ela passou a ajudar em casa, começou a trabalhar e passou a ajudar (FMDA48).

Sim, porque hoje ela é uma pessoa que, graças a Deus e os esforços dela, ela se formou, tem um conhecimento voltado na área de educação do campo e no social contribui com a comunidade e, principalmente, com o desenvolvimento que ela tem no dia a dia (FHR46).

Constatamos a repercussão dessa formação na vida dos egressos, da família e da comunidade, uma vez que através do curso puderam ter acesso a trabalho e com isso colaborar financeiramente na renda familiar, além de ampliarem sua participação na comunidade. Salienta-se que ter no campo profissionais filhos dos assentamentos com formação específica na área da educação do campo é uma conquista de toda a comunidade que cooperou para que esses jovens e adultos pudessem se ausentar por algum tempo para frequentarem o Tempo-Escola – tempo de estudo na Universidade, bem como quando retornaram para seus assentamentos para desenvolverem as atividades do Tempo-Comunidade – momento de intervenção na comunidade, uma vez que eles precisavam do apoio de todos os assentados para poderem realizar bem o que era proposto pelos professores para esse tempo do curso tão importante quanto o período em que estavam na academia estudando a teoria para melhor compreender a experiência diária da comunidade à qual pertencem.

Esse formato do Curso com a metodologia em alternância permite que, mesmo no período de sua execução, os estudantes continuem realizando atividades na comunidade uma vez que cria possibilidade de diálogos entre experiências e saberes (escolares e não escolares) quando os estudantes, durante o tempo que permanecem no assentamento, fazem pesquisas e desenvolvem projetos junto com os demais agricultores buscando soluções para os problemas vivenciados a partir do que foi refletido e discutido no período de estudo na universidade. Ou seja, o acesso à UFPB não distanciou os jovens de seus locais, ao contrário, possibilitou uma maior participação destes nas tarefas da comunidade.

A alternância é uma prática educativa que a nosso ver atende às necessidades e anseios dos camponeses, pois, ela caminha no sentido de conhecer a realidade para que haja diálogo e possíveis transformações efetivas na mesma e esse é o diferencial da metodologia. É uma pedagogia de movimento, de liberdade, que valoriza a vida, o campo, o camponês, na qual a comunidade participa, em parte, da escola.

O movimento do pensar e do agir desencadeado com a metodologia da alternância que acontece com o Tempo-Escola e o Tempo-Comunidade proporciona um aprendizado que relaciona teoria e prática quando coloca em evidência uma ação-reflexão-ação, proporcionando ao aluno uma análise mais aprofundada da realidade na qual está inserido, para depois pensar em desenvolvê-la. Quanto a essa questão Correia e Batista (2012, p.189) dizem que os “processos de mudança no envolvimento dos estudantes com a comunidade, no que tange à inserção crítica e participativa deles na vida social, produtiva, política, cultural e profissional acontecem de maneira privilegiada no momento do Tempo Comunidade”. Contudo, pensamos que nesse momento a participação é intensificada uma vez que antes eles já compartilhavam das atividades coletivas dos seus assentamentos.

Os educadores, por sua vez, ao pensar sobre a repercussão de sua formação para a comunidade, em suas respostas apresentaram pontos positivos e também negativos. Quanto aos pontos positivos falaram da importância de ter uma formação que possibilitou uma maior participação e contribuição na comunidade. Além de ter repercutido positivamente no sentido de ter despertado o desejo de outros jovens de fazer o curso. Observem os depoimentos a seguir:

É uma, é foi positiva, [...] é, formação educativa, sendo na escola ou não a gente tá sempre presente dentro da, de reuniões na comunidade, dentro de alguma capacitação que acontece, então, foi essa repercussão é, várias pessoas depois de nós querem também fazer o curso (EMDA21).

Porque a, o povo tinha muito, assim, na cabeça que não esses jovens não querem nada com a vida, então, a partir do momento que a gente saiu que a gente conseguiu concluir o curso e agora também a gente está trabalhando, as pessoas já passam a acreditar também no nosso potencial e também, na medida em que a gente se inseriu também na comunidade eles passaram também a ter esperança na gente [...] a gente está contribuindo pra o desenvolvimento do assentamento aí, eles já têm a gente também como referência (EMG23).

O reconhecimento do curso para as famílias e os jovens muda, pelo menos do ponto de vista do trabalho, o papel do jovem de camponês para professor o que se torna um motivo de “orgulho” deles, dos pais e de parte da comunidade. Como dissemos anteriormente isso reflete positivamente sobre a condição de “ser camponês”, visto que agricultores da Reforma Agrária tiveram a oportunidade de estudar em uma universidade. A profissionalização lhes confere um status, pois a formação lhes dá a oportunidade de galgar espaços melhores, e com isso poder ajudar mais na vida familiar e no assentamento.

Em contrapartida muitos deles colocam que ainda há uma falta de credibilidade de algumas pessoas dos assentamentos em relação a eles enquanto profissionais formados em um curso específico para a Educação do Campo. Muitas pessoas das suas comunidades não acreditaram no curso e não os valorizam enquanto pedagogos, conforme evidenciamos nas falas abaixo:

[...] a repercussão eu diria que é pouca, qual sentido? As pessoas dão muito pouco valor à questão da formação da educação (EHNS26).

Olhe praticamente muita gente ainda vê da mesma forma porque tem gente que não dá respeito à formação do indivíduo aqui dentro, entendeu, e a gente nos inícios passamos por várias decepções, as pessoas hoje ainda vê, ainda diz que não acredita na nossa formação, diz que filho de assentado vai a lugar nenhum, aqueles preconceitos de sempre [...] (EMG30).

Nas duas últimas falas fica evidente que muitas pessoas não valorizam o curso. Contudo, pensamos que o mesmo proporcionou a esses jovens e adultos uma realização pessoal pela profissionalização e formação específica em Educação do Campo possibilitando uma melhor atuação junto as suas comunidades, além da inserção de muitos no mercado de trabalho, entre outras coisas, e no coletivo o assentamento se beneficia por ter profissionais capacitados para contribuir na luta pelos direitos da população camponesa.

Apesar de algumas pessoas não acreditarem na capacidade de atuação desses profissionais, eles procuram participar ativamente das atividades coletivas e mostrar que têm potencial para desenvolver um bom trabalho e contribuir no que for possível, dentro de suas limitações, na luta por melhorias para o espaço vivido. Assim, pensamos que esses cursos não só formam educadores diplomados para trabalhar com a Educação do Campo, mas também capazes de elaborar projetos e fazer pesquisas que os auxiliam a desenvolver sua prática docente junto às suas comunidades, com um conhecimento mais aprofundado de sua realidade, uma vez que foram instigados a refletir sobre os problemas vivenciados diariamente juntamente com os demais moradores, com a finalidade de buscar coletivamente soluções para tais situações, além de ajudar também em questões ligadas ao desenvolvimento de seus assentamentos.

A formação desses profissionais proporcionou melhoria nas atividades coletivas e uma valorização da cultura camponesa uma vez que deu suporte para que esses educadores entendessem melhor as relações sociais ali construídas nos grupos de jovens, na própria organização dos assentamentos. Com o conhecimento adquirido durante a formação universitária estão mais conscientes do papel deles e da escola na busca de soluções para os

problemas enfrentados diariamente em suas comunidades, além de participarem da organização das festas coletivas, das reuniões, da preparação das missas, nos grupos de jovens, enfim, em tudo que envolve o espaço vivido. A esse respeito vejamos o que dizem três educadores:

Olha ter uma formação assim abre assim a nossa visão para um monte de coisa, assim, dá suporte pra gente entender melhor as pessoas, como funciona a comunidade, como funciona os grupos, né? É o modo de fazer, dá subsídio pra gente ajudar os grupos que tem na comunidade [...] (EHNS26). Sim, com certeza é com o curso de Pedagogia eu acho que para mim é, foi uma grande força assim para que eu pudesse dar uma maior contribuição na comunidade, né? (EHNS30).

Com certeza, né? Porque antes de fazer o Curso de Pedagogia eu não tinha ainda uma visão ampla da forma de contribuir, por mais que eu contribuísse no trabalho da comunidade, no trabalho coletivo que, desde o início, desde pequenininha que eu fui engajada junto com o meu pai e com a minha família, mais só que no curso ampliou a minha visão e a minha forma de trabalhar, minha maneira de conduzir os trabalhos coletivos (EMR25).

É possível verificar que os egressos são atuantes em suas comunidades e desenvolvem atividades educativas mesmo não estando em sala de aula. Isso é reforçado na fala do educador quando deixa claro que participa da organização religiosa da comunidade, e está sempre presente nas reuniões da associação dando suas contribuições nas discussões em pauta.

Sim, é na comunidade é, nós, no meu caso, eu participo, como eu te falei, no grupo de liturgia que é um grupo que trabalha assim, com a organização religiosa da comunidade, mas a gente parte muito assim pra, não é uma coisa centrada muito como típico da Igreja Católica tradicional, a gente faz trabalho com os jovens, reuniões para discutir os problemas da comunidade na associação, a gente vai lá também para colocar o pensamento nosso, dos jovens, dos grupos, as demandas nossas, então, eu creio que isso é um trabalho, um exercício de educação muito forte (EHNS26).

O Curso proporcionou uma formação voltada para a participação deles junto à comunidade. Conforme os depoimentos a seguir, não se trata aqui de uma atuação descomprometida e sim de uma participação consciente e ativa na vida do assentamento.

A formação, né? Sim, possibilitou no sentido de que antes, é, se participava, mais não se tinha conhecimento de determinadas questões e hoje a participação é com informação, né? Com conhecimento de causa, do que você vai fazer, como você vai fazer e por que, não é uma coisa que vai fazer

só por fazer, mais tem todo um embasamento, né? Teórico e prático de fazer as questões, de fazer as coisas com as pessoas com mais fundamento (EMR25).

Com certeza, porque a base dos trabalhos era a comunidade, se a gente não participasse na comunidade, não tivesse interagindo com os assentados não tinha como fazer os trabalhos, então, foi uma forma de envolver também nós, enquanto jovens com os assentados, que, às vezes, a gente também só sabia criticar (EMG22).

Sim, porque é quando a gente tá dentro da Academia, né? A gente abre os olhos e a mente pra muitas coisas, né? Então, hoje em dia, eu tenho uma visão crítica sobre algumas coisas que antigamente eu não tinha, eu vejo as coisas de outra forma e isso faz com que eu possa opinar em algumas coisas que acontecem dentro da comunidade, né? Então, me proporcionou isso (EMG23).

Parece-nos que há uma grande valorização do saber acadêmico por parte desses profissionais, o que pensamos ser um risco no sentido de supervalorizar o saber científico e esquecer os demais saberes, ou seja, os saberes populares que, a nosso ver, são tão importantes quanto os saberes comprovados cientificamente. Melhor dizendo, os saberes da experiência que os próprios educadores já possuíam antes de entrar no Curso. Como diz Vale (2001, p. 87):

O importante e que deve ser ressaltado é que não se trata de uma substituição de conhecimentos (do formal para o popular ou vice-versa), mas de uma integração de conhecimentos, ponto de partida para discussões, para a leitura do real e para a elaboração de novos conhecimentos.

Nessa direção, pensamos que a educação deve partir da problematização dos saberes do senso comum, através de um diálogo com o saber sistemático, salientando que o segundo (saber científico) não invalida o primeiro (senso comum) que o tem como ponto de partida para a sua própria construção acadêmica. O progresso intelectual do aluno do campo se desenvolve a partir do seu saber prévio, da sua experiência de vida e da integração destes com o conhecimento formal, científico, erudito, para adquirir e sistematizar novos conhecimentos. Para tanto não vamos adentrar nessa discussão por considerarmos uma questão que demanda um maior aprofundamento teórico sobre os saberes científicos e os saberes do senso comum e por este não ser o foco da nossa investigação.