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De que maneira a comunidade percebe a formação do jovem/adulto que se graduou

PARTE IV – O CURSO DE PEDAGOGIA PEC/MSC/PRONERA DA UFPB

5.4 De que maneira a comunidade percebe a formação do jovem/adulto que se graduou

Nas falas das lideranças fica evidente que para esses assentados é uma conquista muito grande ter pessoas da comunidade, filhos de agricultores formados na universidade. A forma como eles falam da oportunidade que esses jovens e adultos tiveram de participar de um programa de educação voltado para a Educação do Campo e da importância dessa formação, não só para esses profissionais, mas para todos os agricultores, demonstra que depois de formados estão melhor contribuindo não só no aspecto da formação escolar, mas em outras atividades coletivas, haja vista que conhecem bem a realidade vivida e tiveram uma formação específica para trabalhar com aquele público e realidade. Vejam os depoimentos a seguir:

Gente, pra mim representa uma riqueza muito grande, principalmente, em se tratando de filho de agricultor é, pra mim, foi uma coisa nunca vista nunca ninguém viu, nunca teve um governo, pra olhar para filho de agricultor, felizmente Lula olhou (LMNS72).

Assim é um avanço importante, né? Porque aí a gente tem um programa, que é voltado pra educação do campo e a gente tem uma pessoa que teve a oportunidade de se formar dentro desse programa e contribuir na sua própria comunidade, com as suas experiências positivas (LHR22).

Ah! Representa muito porque aí você tem uma segurança de uma pessoa que tem conhecimento. É especificamente para o campo, então é uma coisa que vem lá do banco da Universidade, de uma Universidade que a gente nem tinha o conhecimento, e é uma coisa que tem o conhecimento que nasceu e cresceu dentro da comunidade e traz um conhecimento básico relacionado com aquilo que a gente se engaja, com mais facilidade de ter o conhecimento, né? (LHR54).

Como vimos falaram ser uma grande riqueza, um avanço importante, sinal de segurança ter pessoas do campo com essa formação. Também o fato de conhecerem a realidade amplia a possibilidade de uma participação mais consciente e coerente com os problemas vivenciados. Questionamos ainda como a comunidade se organizou para envolver os profissionais nas demandas locais e eles falaram: convidando a participar das atividades; ajudando na construção da história do assentamento e acolhendo o profissional no assentamento.

Eles estão sempre presentes, porque já participavam e também porque quando tem uma discussão maior de assembleia, de reuniões, de acertos ou de problemas, vamos chamar também fulano e sicrano [...] (LHNS50). Muitas das vezes convida, inclusive hoje tem os meninos que terminaram, Ricardo, a gente tem pessoas da comunidade como o outro Ricardo que hoje tá fazendo um curso em Bananeiras, mais que ele nos ajuda muito no sentido de oferecer ajuda pra os outros jovens. Hoje o que é que se faz, os meninos que terminaram o Curso de Pedagogia e tão dando aula a noite, se organizando pra os próximos que vão tentar o vestibular, entendeu, colocando assim, eles a par da vivência que eles tiveram lá, uma preparação pra o vestibular que vai acontecer, eles tão envolvidos sempre (LMG41).

Nas colocações acima podemos perceber que os profissionais são chamados a participar das assembleias para ajudarem na tomada de decisões importantes e se envolvem também na preparação de outros jovens que querem prestar vestibular almejando cursarem uma formação superior, o que confirma mais uma vez o envolvimento desses jovens e adultos em suas comunidades e a importância da formação que tiveram para os demais assentados.

Dessa forma, vê-se que essa formação possibilitou não só um movimento dinâmico de diálogos e trocas de experiências, mas, sobretudo, uma ressignificação em suas vidas, permitindo uma ação desencadeadora de aprendizagens. A presença crítica desses profissionais no campo tem contribuído, inclusive, para afirmarmos que os Cursos do PRONERA constituem-se como uma prática que tem possibilitado capacidades e competências que melhoram a qualidade de vida dos assentados e das assentadas da Reforma Agrária e aprofundam a participação desses sujeitos nas tomadas de decisão. O depoimento a seguir fala da organização nos assentamentos:

[...] na verdade a comunidade, ela já tem uma realidade, já tem um contexto pré-estabelecido de organização que já vem de muito tempo então, na verdade o profissional ele é fruto dessa organização, da comunidade, né? Na verdade não encontrou uma coisa, desestruturada ou qualquer coisa dessa forma, mais aí ele surge de uma organização, dentro da comunidade e ele, volta para trazer suas experiências, pra melhorar essas organizações que já existe, então, eu acho que de certa forma a comunidade estava preparada para receber esse profissional, né? (LHR22).

A fala acima reforça a questão da organização que existe nos assentamentos e nos mostra que esses educadores são frutos da formação comunitária e a partir do momento em que saem para estudar, adquirem novas experiências, recebendo orientações e formações para voltarem às suas comunidades, com uma bagagem de conhecimentos que lhes possibilitam uma melhor atuação na busca de contribuir para o desenvolvimento do espaço vivido.

Na declaração a seguir o entrevistado fala da importância de ter profissionais da própria comunidade porque estes compreendem as necessidades dos demais assentados e se utilizam de uma linguagem mais fácil possibilitando um melhor entendimento para eles ao contrário de muitas pessoas que vêm de fora e, por vezes, são incompreendidas por usarem palavras “difíceis” que os agricultores não entendem. Observem o que ele diz:

É, recebendo assim, tá certeza que não tá recebendo uma pessoa lá de fora que não tem conhecimento, quase me referindo ao que eu disse ainda agora, né? Sabendo que é uma pessoa de pé no chão, uma pessoa da comunidade que aquilo que ela vai dizer é, vai ser, ter uma linguagem mais fácil pra gente conhecer e buscar as nossas necessidades, então a comunidade tem uma confiança que é uma pessoa que tem o conhecimento básico das nossas necessidades, né? Tem uma garantia disso (LHR54).

Pensamos que um professor, ou mesmo qualquer outro profissional que trabalha no campo, mas não mora na comunidade pode desenvolver um bom trabalho com os

camponeses, pois, o que vai determinar se o trabalho realizado atende às necessidades e especificidades do lugar não é o fato de morar ou não na comunidade. Desde que o educador, por exemplo, tenha formação adequada, ou seja, formação acadêmica e qualificação para trabalhar com a educação no espaço do campo, conheça a realidade do lugar e goste de trabalhar nele, pode sim ter um bom desempenho na atividade realizada.

Para tanto pensamos que a escola não é lugar de “coisa fácil” e sim um espaço onde alunos e professores buscam melhorar seus conhecimentos em uma troca constante de saberes, tanto da experiência diária da vida como da ciência, sobretudo quando nos referimos à educação do campo, pois, os camponeses lutam por uma educação de qualidade e coerente com suas especificidades, que tenha a participação de seus sujeitos.

A população camponesa não aceita mais a imagem negativa que a ela sempre foi impingida pela sociedade urbana na nossa cultura política e pedagógica, classificando-os como inferiores aos que frequentam os espaços urbanos e serviçais obedientes aos grandes empresários do agronegócio, bem como dos dirigentes políticos do nosso país. Os Movimentos Sociais do campo e da cidade estão cada vez mais organizados, politizados e conscientes que na coletividade são capazes de mudar tal imagem e redesenhar e reescrever sua figura no cenário político, social e cultural do Brasil.

Os camponeses através da expressão Educação do Campo afirmam o espaço do campo como um lugar de produção de vida, trabalho, cultura, saberes e valores. Lugar de formação de sujeitos humanos, espaço educativo no qual as vivências cotidianas se configuram em momentos de aprendizagem, de trocas de saberes, de construção de novos conhecimentos.

As análises feitas até o momento a partir das falas dos familiares dos egressos bem como os depoimentos das lideranças dos assentamentos visitados e dos próprios educadores são reveladoras em dizer que o processo de reflexão e envolvimento que o acesso à UFPB propiciou aos sujeitos que dela puderam fazer parte foram elementos fundamentais para seu amadurecimento pessoal e intelectual e sua participação mais intensa e qualificada na comunidade, sobretudo depois de formados.

É importante destacar que alguns educadores já exerciam atividades em suas comunidades antes do Curso. Dentre elas, o trabalho de Educação de Jovens e Adultos no qual alguns foram professores do Brasil Alfabetizado e outros do Projeto de escolarização do PRONERA. Outros realizavam ainda atividades com os jovens da comunidade, como podemos visualizar no quadro abaixo.

Quadro 8 - Demonstrativo das atividades desenvolvidas pelos educadores antes do Curso

Educador Atividades antes do Curso Idade Gênero Assentamento

01 Educador do Projeto de Escolarização do PRONERA/EJA 30 Masculino Novo Salvador 02 Educadora do Projeto de Escolarização do

PRONERA/EJA

25 Feminino Redenção

03 Educador de Jovens e Adultos e Pastoral do Menor 60 Feminino Novo Salvador 04 Educadora Alfabetizado do Programa Brasil 22 Feminino Gurugí I

05 Trabalho com a Juventude 26 Masculino Novo Salvador 06 Trabalho com a Juventude 21 Feminino Dona Antônia 07 Associação Educativa Livro em Roda 32 Feminino Dona Antônia

Fonte: Dados coletados nos depoimentos dos educadores entrevistados sobre as atividades desenvolvidas por eles antes do Curso de Pedagogia PEC/MSC/PRONERA/UFPB.

O quadro acima indica que, independente da idade ou sexo, a maioria dos educadores dos quatro assentamentos pesquisados já realizavam algum trabalho relacionado à área da educação em suas comunidades, antes mesmo de frequentarem o Curso de Pedagogia. Com a finalidade de dar maior ênfase aos dados sistematizados no quadro, consideramos ainda importante apresentar a fala de três educadores que descrevem:

Eu exercia uma atividade, primeiramente antes de iniciar o curso eu fazia uma atividade com, era escolarização. Passei dois anos sendo educador do Projeto de Escolarização na área do assentamento rural, do campo (EHNS30).

Sim, eu era alfabetizadora de Jovens e Adultos na comunidade, trabalhava no Programa Brasil Alfabetizado (EMG22).

Sim, exercia é, no caso eu não era assim assalariado, né? Mas eu já, eu trabalhava como educador popular, né? Assim eu me entendia. Na Comissão Pastoral da Terra meu trabalho era específico com a juventude (EHNS26).

Como podemos perceber no quadro e na fala dos educadores sobre as atividades exercidas na comunidade antes de fazer o Curso, a maioria deles já desenvolvia algum tipo de função em seus assentamentos. Evidenciamos também que dois dos educadores entrevistados não exerciam nenhuma atividade em suas comunidades nem de trabalho anteriormente, como se vê em suas respostas: “não, nenhuma” (EMG30); “não” (EMG30). Ainda com relação a trabalho três educadores disseram exercer ação profissional, dentro da sua formação, fora da comunidade.

Então eu sou professor da Escola Anatilde Paes Barreto. Bom, é uma escola que não está situada na comunidade, mas é uma escola que atende boa parte do público de crianças aqui da comunidade Novo Salvador, então sim (EHNS26).

Além do trabalho na escola da comunidade eu trabalho em uma escola da rede particular do município do Conde (EMDA21).

Eu estou na Escola de Salvador Gomes, povoado aqui perto, exerço atualmente a função de vice-diretor (EHNS30).

Como já mencionamos no decorrer deste capítulo, a formação no Curso possibilitou a esses jovens e adultos o ingresso no mercado de trabalho e, com isso, um número significativo desses profissionais está exercendo funções como professor ou gestor, tanto em escolas localizadas nas próprias comunidades como fora delas. Diante dessas novas ocupações profissionais, ficamos nos questionando se estes educadores se afastaram do trabalho na agricultura ou não.

Mas alguns entrevistados responderam não exercer nenhuma atividade profissional, dentro da sua formação, fora da comunidade, evidenciando que a maioria desenvolve seu trabalho no lugar de moradia. Vejamos três desses depoimentos: “Não, toda a minha formação é dentro da minha comunidade” (EMDA32); “Não, só na escola da comunidade” (EMR25); “Não, na área da educação não, só aqui mesmo na EJA, trabalho com Educação de Jovens e Adultos” (EMNS60). Com base nos depoimentos podemos notar que são poucos os educadores que exercem atividades educativas fora de seus assentamentos, os demais trabalham nas escolas onde moram.