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Como o fato de ser mulher influência a gestão da política pública

GENERO E GESTÃO SOCIAL ARTIGOS

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 Trajetória Pessoal e Profissional

4.1.4 Como o fato de ser mulher influência a gestão da política pública

Em algum momento do ciclo da vida, as pessoas são profundamente influenciadas pela ideia de conquistar um emprego seguro. Algumas, nas décadas de 1960 e 1970, almejavam trabalhar em uma grande empresa estatal, privada ou multinacional. Aquelas que tiveram a oportunidade de frequentar um curso superior certamente se prepararam para assumir uma função técnica ou gerencial dentro de uma empresa na condição de empregadas. Pouca ou nenhuma evidência — ou estímulo — foi dada à orientação dos estudantes para que considerassem a opção de empreender um negócio próprio.

No Brasil e em outros países do mundo, a partir do início da década de 1980, essa realidade começou a mudar, quando o avanço científico e tecnológico fez surgir novas técnicas, novos processos e novos métodos, que passaram a ser utilizados pelas grandes empresas com certa intensidade. A automação dos escritórios e dos processos produtivos nas fábricas começou a eliminar empregos. Em paralelo, o surgimento e a adoção de novos modelos gerenciais deram razão a novas práticas de administração nas empresas, como a de

“enxugamento de estruturas”, e contribuíram para a eliminação de postos de trabalho na

hierarquia das empresas, reduzindo a oferta de emprego.

A partir da segunda globalização, que vai de 1850 a 1950, caracterizada pelo expansionismo industrial-imperialista, o envolvimento da mulher na força de trabalho foi muito grande. De acordo com Castells (1999), de um modo geral, o grupo feminino não é tão afetado pelo desemprego quanto o masculino, pois acredita se que a mão de obra feminina é mais atraente, não por questões biológicas (por exemplo, a destreza) ou por sua menor participação sindicais (apesar do discreto crescimento), mas sim em razão de certos fatores sociais.

O primeiro desses fatores diz respeito à possibilidade de se pagar menos pelo mesmo trabalho — embora se notem pequenos avanços na redução da diferença salarial, devidos ao crescimento do nível de instrução feminina (principalmente nos países mais desenvolvidos). O segundo fator refere-se às habilidades de relacionamento, mais desenvolvidas na mulher e cada vez mais necessárias em uma economia informacional em que o gerenciamento de recurso é menos importante do que o gerenciamento de pessoas. Um terceiro fator, segundo Castells, o mais importante, é a flexibilidade feminina como força de trabalho; isto é, a nova economia exige flexibilidade quanto ao horário e à entrada e saída do mercado de trabalho. Logo, o tipo de trabalhador exigido pela economia formal em rede ajusta-se às necessidades de sobrevivência das mulheres que, sujeitadas às condições ditadas pelo sistema patriarcal, procuram compatibilizar trabalho com família (CASTELLS, 1999 pg.208).

Para Castells (1999), as principais diferenças entre o modo de trabalhar feminino e o masculino vão muito além de questões biológicas. Elas estão relacionadas a fatores sociais que colocam as mulheres em vantagem no mercado diante da atual crise do emprego — possibilidade de se pagar menos pelo mesmo trabalho, habilidade de relacionamento e flexibilidade quanto ao horário. Além disso, há as características como objetividade, perseverança, estilo cooperativo, disposição de trabalhar em equipe e de dividir decisões e uso de intuição na análise e solução de problemas.

Esses dados são apenas reflexos de uma mudança que pode estar ocorrendo a passos pequenos, mas o que talvez essas pesquisas estejam querendo dizer é que o modelo masculino de gestão está sendo questionado, não só pelas mulheres, que não se adaptam a ele, mas pelas organizações mais modernas e proativas. Na verdade, o jeito feminino de administrar não é superior ou substituto do modelo masculino, mas complementar. Assim, ambos podem contribuir com suas habilidades naturais para o sucesso de uma organização. No entanto, também não se pode negar que o novo modelo de gestão das organizações modernas parece exigir um perfil de profissional mais flexível, sensível e cooperativo.

Nesse sentido, das entrevistadas, três afirmam que as mulheres tem um olhar diferente para administrar:

[...] Agora com relação à visão da mulher, é que eu acho que é muito interessante, eu acho que a mulher tem uma visão mais cuidados. Então a gestão de políticas públicas, no caso da educação, o fato de estar na mão de duas mulheres que são da educação, que nasceram e viveram e cresceram sempre em função da educação, isso nos favorece muito para a efetividade das ações que a gente se propõe a fazer, a gente tem um olhar feminino, ,

mas eu falo que eu não tenho filho de sangue, mas eu tenho nove mil e duzentos filhos que são os nove mil e duzentos alunos da rede, é um sentimento de mãe mesmo. Então a gente tem uma preocupação muito grande com o bem estar dele, eu falo para os professores (SME2)

[...]Eu acho que o fato de ser mulher, a influencia maior é o olhar do mundo diferente, a mulher tem um olhar diferente para o mundo, para as relações humanas e para o cotidiano; então eu acho que isso influencia muito, porque a gente consegue fazer três olhares diferentes em três campos diferentes e começar a ajustar essas situações, eu acho que esse olhar humaniza um pouco mais a gestão. (SMAS1)

[...]mas dizem que a gente tem um feeling a mais... nós temos uma capacidade perceptiva que ao homem... mas eu acho que a gente tem uma sensibilidade perceptiva mais aguçada do que o homem tem, porque nós somos mais detalhistas, porque nós somos mais olhadeiras,, olhamos mais (SMAS3)

Segundo Cisne (2012), pensar a relação entre gênero, divisão sexual do trabalho, implica em problematizar a marca feminina nas diferentes profissões e do seu público usuário. As relações sociais de gênero que marcam historicamente as profissões não resultam de um movimento espontâneo, muito menos natural. Ao contrário, elas advêm de relações sociais estruturadas na e pela sociedade patriarcal capitalista. As profissões ditas femininas apresentam características comuns, parte da história das mulheres que, por exercerem profissões e atividades tidas como naturalmente femininas, sofrem as implicações da divisão sexual do trabalho em uma sociedade patriarcal capitalista.

A partir do momento em que o conceito de gênero passa a ser constatado, é possível verificar com maior clareza as discriminações relativas a gênero, que, até então eram vistas com naturalidade para a maior parte das sociedades e, através dessa naturalização, cada sociedade emprega seus conceitos de comportamentos considerados adequados à mulheres. Na maior parte delas, a mulher deve apresentar características como sensibilidade, protetora da prole e do lar, procriadora dentre outras que revelam o sexo frágil. Ao contrário, aos homens são exigidas características como a de responsável por solucionar problemas, provedor do lar e o insensível. Não é permitido que o homem revele suas emoções ou que demonstre qualquer tipo de sensibilidade (PEDRO; GUEDES, 2010, p. 4).

Vejamos o que as mulheres dizem sobre seus locais de trabalho:

[...] já é conhecido mesmo à educação como gueto rosa, então não causa estranheza nisso... eu nunca pensei, parei para pensar se o fato de eu ser mulher ou homem facilitaria ou não a minha vida, ela sempre foi de luta,

entendeu, então, o fato de ser assim, isso não é uma questão que eu me coloque... eu sempre lutei por tudo, nunca as coisas me vieram facilmente (SME1)

[...] hoje eu vejo que ela influencia de uma maneira muito positiva... nós somos muito respeitadas na nossa opinião, o prefeito nos consulta em tudo, tudo ele pergunta o que que a gente acha, qual a sua visão, qual o seu sentimento em relação a isso, o que é melhor, o que vai dar menos trabalho, menos problema, então eles nos respeitam muito(SME2)

[...]Para mim nada, eu até esqueço a questão do gênero, está entendendo, engraçado, eu nunca pensei nisso, que pudesse influenciar... eu não sinto essa diferença, eu acho que até, cantam para mim: Paraíba masculina, mulher macho sim senhor...(SMAS3)

[...]é uma área que é muito predominada pelas mulheres... é um percentual assim 10% de homens e 90 % de mulheres, isto não é bom porque ainda tem essa questão de gênero, o homem ainda ele é mais ouvido, tem mais crédito, eu acho que se tivesse um equilíbrio tinha até uma melhora na questão de salário nessa área, eu acho que de credibilidade e tudo (SMAS2)

Na educação, conforme já citado anteriormente, considera-se o processo de feminização do magistério tão significativo quanto o da Assistência Social no Brasil, e fica claro, no relato das entrevistadas, que elas percebem essa questão histórica.

Na narrativa de SME2, observa-se a referência aos alunos da rede municipal como filhos: ”a gente tem um olhar feminino, um olhar de mulher, um olhar de mãe, embora nem eu, nem a adjunta sejamos mães, mas eu falo que eu não tenho filho de sangue, mas eu tenho nove mil e duzentos filhos que são os nove mil e duzentos alunos da rede, é um sentimento de mãe mesmo”.

A crítica feminista em um primeiro momento conforme Scavone (2001, p. 139)

[..] considerava a experiência da maternidade como um elemento-chave para explicar a dominação de um sexo sobre outro: o lugar das mulheres na reprodução biológica – gestação, parto, amamentação e consequentes cuidados com as crianças - determinava a ausência das mulheres no espaço público, confinando-as ao espaço privado e à dominação masculina.

Em outro momento a crítica feminista passou a considerar a maternidade como um poder insubstituível das mulheres.

O terceiro momento apontado por Ferrand e Langevin (apud SCAVONE, 2001, p. 141):

[..] ocorre a “desconstrução do handicap natural”, que mostra como não é o fato biológico da reprodução que determina a posição social das mulheres, mas as relações de dominação que atribuem um significado social à maternidade. Esta argumentação coincide, também, com a expansão das Novas Tecnologias Conceptivas, as quais introduzem na reprodução humana (como todas outras tecnologias reprodutivas) a dúvida sobre um destino biológico inevitável.

Dessa narrativa, pode-se depreender o papel profissional assumido como maternidade. Tal questão leva-nos a refletir o quanto esse papel é ainda reproduzido, mesmo quando as mulheres assumem posições de destaque, em um cargo público, ou seja, não há menção à

competência técnica ou racionalidade, mas a um sentimento “naturalizado” pela sociedade.

Outro dos aspectos que merece reflexão, ao se discutir as políticas sociais, sobretudo a política de Assistência Social, se refere ao fato de essa politica historicamente ser dirigida por mulheres, sobretudo sob a batuta das primeiras damas. O primeiro damismo é uma forma

conservadora, que se expressa como assistencialismo, como o “braço caridoso dos governantes” (OLIVEIRA, 2003, p. 129).

De acordo com Torres (2002), o nascedouro do primeiro-damismo no Brasil tem uma função política, uma vez que as mulheres dos governantes são chamadas a intervir no social, por meio de estratégias de enfrentamento à pobreza, desresponsabilizando o Estado de garantir à população o acesso a políticas públicas de caráter universal, considerando-se que a atuação da primeira-dama se dá no âmbito do voluntariado e da filantropia. Para a autora,

“[e]m alguns governos, o trabalho da primeira-dama constituiu-se na principal ação no âmbito da assistência social” (TORRES, 2002, p. 24).

Ainda, conforme a autora, as primeiras damas, embora não se constituam em categoria social, podem ser estudadas a partir do enfoque de gênero, visto que governantes utilizam a

“mística feminina” para legitimar uma ordem política estatal local.

De fato, as primeiras damas, com suas atividades assistencialistas e benevolentes,

conforme Torres (2002, p.59), “acabam dando sustentação política ao poder local,

materializada na legitimidade popular do governo por elas conquistada com seu trabalho, encarado pelos setores subalternizados como ações humanitárias realizadas pelos próprios

governantes”.

Ao contrário das mulheres, os papéis masculinos associam-se à perspicácia, ao pensamento lógico e racional, além da virilidade. Nesse sentido, pode-se inferir que o primeiro damismo reforça as desigualdades de gênero, visto que o poder se mantém nas mãos dos governantes.

Vimos que as sujeitas da presente pesquisa são mulheres de destaque nos municípios nos quais residem e atuam profissionalmente. Vimos também que são mulheres lutadoras, e que essas lutas têm diferentes motivações.

Na narrativa da SME1, é claro o relato de que a forma com que foi criada influenciou a forma com esta pensa a respeito da categoria gênero e que o fato de ter sido criada de uma forma diferente da convencional ou dita “normal” para a época não a coloca em posição submissa dado ao fato de ser mulher:

, Meu pai era aquele, ele ia pro bar beber e ele me levava, entendeu, eu não bebia, mas eu ficava dormindo no colo dele enquanto ele tava bebendo. Onde tinha homens [...]meu pai era aquele que ia pro bar beber e ele me levava, entendeu, eu não bebia, mas eu ficava dormindo no colo dele enquanto ele estava bebendo. Onde tinham

homens eu estava. Eu não fui criada, embora não fosse comum na minha geração, como uma princesinha que não ia onde homem vai, não conversa com homem, eu não fui criada assim... meu pai não me criou assim, meu pai me criou dizendo que eu tinha que ter uma profissão, que eu tinha que ser independente,

não era comum na época dele, mas ele pensava assim, então acho que isso também

me deu um aporte psíquico bastante considerável pra lidar com essa questão

Entretanto, cabe salientar que o fato de não explicitarem a questão de gênero em suas trajetórias profissionais aponta para uma provável negação da desigualdade. Entendemos que a partir do momento que as mulheres tomam consciência de que sua vida profissional e pessoal, assim com a vida de outras mulheres é marcada pelas desigualdades de gênero, o processo de luta se fortalece.