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60 como instrumentos que incapacitavam os proprietários de exercer seu direito de

propriedade sobre os escravos.

Após sustentar a pronúncia, o promotor público entrou com o libelo acusatório contra o réu. Em suas palavras:

1º Porque João José Dias é agricultor, proprietário e morador na fazenda denominada = capim branco = distrito de São Pedro do Uberabinha deste termo, onde é senhor e possuidor de diversos escravos, entre os quais é um crioulo de nome Gabriel.

2º Porque o réu Jacilho Ferreira da Silva residindo naquela mesma fazenda como agregado do referido Dias, por meio de conselhos capciosos e sedução, conseguiu do escravo Gabriel a # de acompanhá- lo para a bem do rio Paranaíba província de Goiás, fugindo com o dito escravo no dia 20 de junho de 1854 # como se vê do processo.

3º Porque indo a escolta em procura do dito escravo, o encontrara de fugida com o réu, o qual, preso em flagrante, levava parte da roupa do dito escravo, tendo escondido a outra parte, como depuseram as três primeiras testemunhas do sumario.

4º Porque apossando-se o réu da propriedade que lhe não pertencia cometeu o crime de roubo do que trata o artigo 269 do código crime: assim considerado nos termos do decreto de 15 de setembro de 1837, com as circunstancias agravantes do artigo 16 do citado código (parágrafo ou inciso) 8, 9 do código criminal. Em cujas # e nos melhores de direito a de o presente libelo # recebido para dar lugar a sua prova, e afinal ser o réu condenado no grau médio das penas do referido artigo135.

Sendo o “suplente miserável”, o juiz municipal requereu que lhe fosse nomeado um defensor. Assim, o advogado Inocêncio Alvez foi chamado para o caso. É possível perceber uma pequena mudança no depoimento de Jacilho após a presença de seu defensor. Era comum nos processos criminais que os réus fossem interrogados uma vez no momento de instauração dos inquéritos e uma segunda vez depois que o júri de acusação era formado. No primeiro interrogatório, quando ainda não havia um advogado, o réu disse que

ia para o rio das velhas levar uma caseira que estava com ele para ir se casar no momento do crime; (...) Disse que não tem motivos a que

atribua a queixa ou denuncia; e que não tem fatos ou provas que justifique inocente mais que no presente esta inocente.136

Já no segundo interrogatório, após provavelmente ter sido instruído por seu advogado, Jacilho adicionou e mudou alguns elementos em sua fala.

135 APU. Libelo acusatório apresentado pelo promotor público contra o réu Jacilho Ferreira da Silva no

processo-crime de roubo do escravizado Gabriel, 20/06/1854, caixa 019, nº031

136 APU. Interrogatório feito ao réu Jacilho Ferreira da Silva no processo-crime de roubo do escravizado

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perguntou mais o juiz se sabe o motivo por que está preso, disse que não sabia, foi lhe perguntado onde se achava quando foi preso,

respondeu que se achava em casa de # de tal, foi lhe mais

perguntado quando foi prezo se estava com o escravo de João José Dias, respondeu que não, foi lhe perguntado se conhecia as testemunhas que juraram contra ele, respondeu que conhece e tinha

alguns motivos que atribui acusação que se lhe faz, respondeu que bem que atribui por causa do autor que foi João José Dias não se dar com ele137.

Na primeira versão do interrogatório, ao ser indagado onde estava no momento do crime, o réu afirmou estava indo em direção ao Rio das Velhas para “levar uma caseira que estava com ele para ir se casar” 138, e que não tinha motivos ao que atribuir a queixa feita contra ele. Já na segunda versão, ele afirma que estava na casa de alguém que não conseguimos identificar o nome no momento do crime e que atribuía a queixa ao fato do proprietário de Gabriel não se dar bem com ele. Essa mudança no depoimento pode ter sido uma estratégia empregada pelo advogado do réu para tentar convencer o Júri sobre a sua inocência, principalmente a afirmação de que o autor do processo “não se dava bem com ele”. Um aspecto relevante deste processo é que a defesa não apresenta nenhum argumento ou prova da inocência de Jacilho além da fala de seu interrogatório, mas mesmo assim ele foi absolvido pelo júri de acusação. Como já mencionado, tem-se a hipótese de que, em geral, quando os réus eram acusados tão somente de roubo de escravos, o júri de acusação dificilmente os condenava. Por isso, as autoridades judiciais podiam dar preferência em pronunciá-los por outros crimes cometidos, como aconteceu no caso analisado acima em que Gonçalo foi pronunciado por roubo de cavalos e não de escravos, sendo que havia cometido os dois crimes. Existe outro processo depositado no APU com este mesmo desfecho, o que corrobora com esta hipótese139. Como este outro crime não foi cometido por um agregado da fazenda do proprietário dos cativos, estando assim inserido em outra chave de leitura, faremos sua análise separadamente.

Levando-se em consideração os aspectos mencionados, constatamos que era comum da região de Uberaba a prática de roubo de escravos por agregados, pois essa posição certamente facilitava nas negociações. Além disso, observa-se que as “seduções” dos cativos pelos réus não implicavam, necessariamente, na criação de 137 APU. Interrogatório feito ao réu Jacilho Ferreira da Silva no processo-crime de roubo do escravizado

Gabriel, 20/06/1854, caixa 019, nº031. pp.21-22. Grifos meus.

138 APU. Interrogatório feito ao réu Jacilho Ferreira da Silva no processo-crime de roubo do escravizado

Gabriel, 20/06/1854, caixa 019, nº031. pp.21-22.

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