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47 durante a fuga se separaram92 Diferente do que se observou nos demais processos, o

“ladrão”, réu Gonçalo, não parece ter prestado auxílio aos cativos no momento em que eles se evadiram da propriedade de seu senhor. Entretanto, é evidente que os escravizados sabiam que podiam contar com sua proteção. Segundo o escravo Miguel, após a fuga, ele e seus companheiros tinham a intenção de seguir em direção a uma ilha do Rio Grande93. Ao chegarem lá, todavia, os cativos foram surpreendidos por uma escolta enviada para capturá-los. Conseguindo fugir, os escravos foram para a casa de Gonçalo Manoel da Silva, “onde estiveram quatro dias sustentados” 94 por ele. É provável que já figurasse nos planos destes cativos se encontrarem com Gonçalo. Tanto Miguel quanto Vicente afirmaram em seus depoimentos que haviam fugido da fazenda de seu senhor após terem sido seduzidos por Gonçalo. Fica claro, inclusive pela leitura dos demais processos, que essa fala era uma estratégia utilizada pelos escravizados no momento de sua captura, provavelmente para tentar aliviar sua culpa nas fugas. Entretanto, ainda assim ela pode indicar que o réu Gonçalo oferecera abrigo aos cativos antes deles terem fugido. A posição de agregado ocupada pelos réus – acusados de seduzir e roubar cativos - nas fazendas em que os escravizados eram mantidos podia facilitar enormemente no processo de sedução. Como ambos dividiam o mesmo espaço de trabalho, e provavelmente se encontravam todos os dias, as negociações eram facilitadas, pois o cativo não precisava sair das terras de seu senhor sem autorização, e nem o sedutor precisava entrar em propriedade alheia sem consentimento do dono. Além disso, uma eventual conversa entre ambos provavelmente não soava suspeita aos olhos dos feitores e dos proprietários.

Passados esses quatro dias, Miguel e Vicente foram embora da casa de Gonçalo com a intenção de ir até a região de Campo Belo95, sendo a partir a partir daí que a história dos dois tomou rumos diferentes. Segundo Miguel, Vicente lhe disse que ia se encontrar com Gonçalo

para com ele assassinarem ao senhor dele informante, o Capitão Joaquim Prata, tendo deixado ele informante em um mato com

92APU. Depoimento da testemunha informante Miguel no processo-crime de fuga de escravos,

03/03/1863, caixa 020, pp. 6-7.

93 O Rio Grande delimitava a fronteira entre as províncias de Minas Gerais e de São Paulo.

94 APU. Depoimento do escravo Miguel no processo-crime de fuga de escravos, 03/03/1863, caixa 020,

nº052. p. 6.

95 É importante destacar que as duas mulheres que fugiram da fazenda da Prata junto com Miguel e

Vicente somem de seu depoimento. O relato feito pelo cativo e a caligrafia do escrivão estão bastante confusos. Acredito pelo que consegui interpretar que uma das mulheres foi capturada quando eles foram surpreendidos por uma escolta na ilha do Rio Grande. Mas não fica claro, entretanto, qual o destino da outra mulher.

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recomendação de não sair enquanto ele [Vicente] não chegasse para tomarem um só rumo e que com efeito ele informante o estava esperando quando foi preso e que dali para cá não viu mais o dito Cabra96.

Não existe em nenhum outro momento do processo menção a um plano ou uma tentativa de assassinato de Capitão Joaquim Prata por parte dos réus. Pode ser que Miguel tenha feito essa acusação para aliviar sua culpa na fuga e nos roubos de animais. Por fim, o juiz ordenou a Miguel que tentasse reconhecer o cavalo que tinha sido apreendido com o réu Gonçalo. Após ver o animal, o informante acabou confirmando que era o mesmo que tinha sido furtado por seu parceiro Vicente.

Ao que tudo indica, após a fuga Vicente e seu “sedutor” articularam um esquema de venda e troca de cavalos furtados. A partir do interrogatório feito ao cativo, obtemos indícios de como funcionava esse acordo feito entre eles. Vicente contou que, “induzido por um agregado de seu senhor de nome Gonçalo” 97, fugiu da fazenda da Prata e passou um mês prestando serviços para Gonçalo em uma fazenda. Segundo Vicente, Gonçalo havia comprado a propriedade de José Antonio Paulista em troca de dois cavalos. As atividades realizadas pelo cativo consistiam no “conserto de uma casa, plantação de feijão e outros serviços” 98. Uma questão importante a se fazer neste ponto é: quais eram as vantagens do trabalho exercido por Vicente na fazenda de seu sedutor em detrimento do trabalho que ele exercia na fazenda de seu proprietário? Acredito que a resposta para essa questão sejam duas palavras: autonomia e decisão. Minha hipótese é que na medida em que o cativo não estava satisfeito com o regime de trabalho a que ele era submetido nas terras de seu proprietário, ele decidira fugir e oferecer seus serviços para outro. Nesse novo regime, ao qual escolheu se submeter, ele poderia ter mais autonomia e poder de barganha sobre os trabalhos realizados, além de receber partes dos lucros conseguidos com seu esforço. Além do mais, quando o acordo feito com seu sedutor deixasse de ser lucrativo, o cativo ainda teria a opção de voltar para o seu antigo senhor, alegando ter sido furtado. Ao longo de sua fala, Vicente não nos dá indícios do por que fugiu da fazenda de seu senhor. Entretanto, pelas entrelinhas de seu depoimento, observa-se que o acordo feito com Gonçalo podia ser bastante vantajoso 96 APU. Depoimento da testemunha informante Miguel no processo-crime de fuga de escravos,

03/03/1863, caixa 020, pp. 6-7.

97 APU. Interrogatório feito ao réu Vicente Cabra no processo-crime de fuga de escravos, 03/03/1863,

caixa 020, p. 14.

98 APU. Interrogatório feito ao réu Vicente Cabra no processo-crime de fuga de escravos, 03/03/1863,

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